Provavelmente
você já deve ter lido em algum jornal ou visto na
televisão que segunda-feira passada a poderosa RIAA (Recording
Industry Association of América), que congrega as arquimilionárias
gravadoras americanas, moveu ações judiciais contra
261 cidadãos sob a acusação de pirataria
apenas por usarem seus computadores para compartilhar músicas
cujos direitos autorais pertencem a suas associadas. E talvez
já saiba que uma das acusadas é Brianna LaHara,
uma menina de doze anos que não fazia a menor idéia
de que estava violando qualquer lei e outro é Durwood Pickle,
um vetusto septuagenário que jamais usou seu computador
para esse fim e presume que os autores das alegadas ações
criminosas sejam seus netos pré-adolescentes que de quando
em vez o visitam. E que tanto uma quanto o outro tomaram conhecimento
do processo através da imprensa e não de qualquer
notificação judicial, pois a RIAA se apressou a
divulgar sua façanha tão logo a perpetrou, deixando
claro que deseja dar a maior publicidade possível ao fato.
Tipo assim fazer uma velhinha indefesa se estabacar no chão
com uma rasteira e sair contando pra todo mundo como se fosse
uma proeza.
As ações foram movidas com base na lei de direitos
autorais americana que permite ao juiz fixar multas entre US$
750 e US$ 150.000 por obra (ou seja, por música transferida),
o que eleva o total teórico da multa à casa dos
milhões de dólares por réu em caso de condenação.
Segundo o presidente da RIAA, Carey Sherman, em entrevista a Liane
Cassavoy em <www.pcworld.com/news/article/0,aid,112364,00.asp>,
essa é apenas a primeira leva de processos, dirigida àqueles
que transferiram mais de mil músicas usando o Kazaa, iMesh,
Gnutella ou Blubster. Eles foram escolhidos em um grupo de mil
e quinhentos contra os quais a RIAA já dispõe de
intimações.
O intuito da RIAA com essa medida é claramente assustar
os usuários (mais propriamente, seus pais, já que
a grande maioria é composta de adolescentes), pois estima-se
que somente nos EUA existam mais de sessenta milhões de
pessoas compartilhando arquivos musicais e haja advogado para
processá-los todos. A estratégia de voltar suas
baterias contra os cidadãos comuns foi inaugurada pela
RIAA há três meses, quando levou aos tribunais quatro
estudantes que usavam as redes de suas universidades para compartilhar
arquivos musicais (veja artigo Roubando
bala da boca de criança, publicado em junho passado
e disponível na seção Escritos / Artigos
no Globo de meu sítio, em <www.bpiropo.com.br>).
Esperava-se que alguma coisa acontecesse depois daquilo. Mas a
enxurrada de processos contra centenas de cidadãos era
algo totalmente inesperado.
Nessa altura dos acontecimentos talvez você esteja se perguntando
como, em um país como os EUA onde o esquema legal de proteção
à privacidade é tão poderoso e os provedores
fazem o que podem para garantir o anonimato de seus clientes,
a RIAA conseguiu identificar usuários de um sistema tão
pulverizado como o de compartilhamento de arquivos musicais. Pois
a resposta se resume em quatro letras: DMCA, de Digital Millenium
Copyright Act. Uma lei sobre direitos autorais aprovada pelo Congresso
americano em 1998 de uma severidade jamais vista (publiquei um
artigo sobre ela
em dezembro de 2002 que permanece disponível em meu sítio).
Nos termos da DCMA, para obter uma intimação obrigando
um provedor Internet a fornecer os dados pessoais de seus clientes
acusados de violar a legislação de direitos autorais,
a RIAA nem ao menos precisa da intervenção de um
juiz. Qualquer pessoa ou organização que detenha
direitos autorais sobre qualquer obra pode apoiar-se na lei para
solicitar a um simples oficial de cartório que expeça
uma intimação, uma liberdade de ação
que nem mesmo os promotores de justiça americanos dispõem
contra criminosos comuns (que só podem ser intimados por
um juiz togado).
Enquanto processa cidadãos, a RIAA oferece um programa
de anistia (segundo eles, nossa versão de um ramo
de oliveira; veja em <www.foxnews.com/story/0,2933,96728,00.html>).
Para participar do programa, qualquer indivíduo envolvido
com compartilhamento de arquivos musicais pode procurar a RIAA
e se comprometer, sob juramento, a destruir todos os arquivos
musicais protegidos por direitos autorais em qualquer formato
que estejam gravados em suas máquinas (inclusive CDs) e
assumir o compromisso de nunca mais transferir esse tipo de arquivo
nem permitir que qualquer outra pessoa o faça para seus
computadores. A RIAA promete a quem aderir que não os processará
pelas atividades passadas. Por outro lado, a EFF (Electronic Frontier
Foundation ), uma entidade que defende as liberdades civis, adverte
que esse oferecimento deve ser encarado com a devida cautela,
já que implica a admissão de haver cometido atividades
ilegais e, mesmo sob a oferta de anistia, quem o faz estará
sujeito a processo.
Em suma: coisa está preta. É bom tomar cuidado.
Porque, depois, não adianta alegar desconhecimento da lei.
Veja o caso da perigosa delinqüente Brianna LaHara, que corre
o risco de ser condenada a pagar alguns milhões de dólares
em multa. Mora em um conjunto habitacional de baixa renda em Nova
Iorque com sua mãe, Sylvia Torres, e seu irmão de
nove anos. Quando soube, pela imprensa, que estava sendo processada,
comentou que não tinha idéia de estar praticando
qualquer ilegalidade pois imaginou que a mensalidade que a mãe
paga ao provedor Internet cobrisse todos os serviços oferecidos.
E quando perguntada como se sentia, a celerada facínora,
do alto de seus doze anos, retrucou: Estou apavorada. Meu
estômago está embrulhado.
Parece, enfim, que desta vez a RIAA acertou. Essa nefasta criatura
dificilmente voltará a trilhar o caminho do crime. Pobre
criança.
Aliás, aquele velhote e seus netinhos que se cuidem. Periga
serem enquadrados por formação de quadrilha.
B.
Piropo