Troy
é uma bicentenária cidade de pouco mais de cinqüenta
mil habitantes. Fica ás margens do Rio Hudson, no condado
de Rensselear, perto de Albany, a capital do estado de New York.
É a terra de Sam Wilson, que na guerra de 1812 contra a
Inglaterra fornecia carne ao exercito americano em barris com
as letras US (de United States) gravadas na madeira.
Letras que, segundo a imaginação dos soldados, referiam-se
ao fornecedor, Uncle Sam Wilson. Um século
depois o Governo americano encampou a lenda e tornou o personagem
mundialmente famoso ao usá-lo em uma campanha de recrutamento
para a segunda guerra mundial. Troy tornou-se então conhecida
como a terra do Tio Sam. Sua escola politécnica, o Rensselear
Politechnic Institute, jamais mereceu grande destaque na imprensa.
Pelo menos até a semana passada, quando dois de seus alunos,
Jesse Jordan e Aaron Sherman, foram condenados a pagar doze e
dezessete mil dólares, respectivamente, por usarem programas
que permitiam que seus colegas efetuassem a troca de arquivos
musicais através da rede do campus universitário.
Além deles, Daniel Peng, da Universidade de Princeton,
e Joseph Nievelt, da Michigan Technological University, foram
condenados a pagar quinze mil dólares cada um pela mesma
razão.
As condenações resultaram de ações
individuais movidas contra os estudantes pela RIAA, (Recording
Industry Association of América), a poderosa associação
que congrega as gravadoras americanas. Na verdade, foram o resultado
de um acordo firmado há duas semanas entre os réus
e a RIAA, cujo pleito inicial era uma indenização
de cento e cinqüenta mil dólares por música
copiada. Mas, em comunicado distribuído na sexta-feira,
30 de maio, a associação considerou apropriados
os valores acordados.
Em todos os casos o crime dos estudantes foi usar os programas
Flatlan, Phynd e Direct Connect para indexar arquivos de músicas
armazenados nos diversos computadores conectados à rede
interna dos campi de suas universidades e permitir que tais arquivos
fossem trocados entre essas máquinas. Segundo a RIAA, esses
sistemas foram concebidos para permitir o roubo descontrolado
de músicas, o que a associação compara
a furtos de mercadorias em lojas. Em nenhum dos casos os programas
permitiam que usuários da Internet não diretamente
conectados às redes das universidades tivessem acesso aos
arquivos.
Até recentemente a cólera da RIAA voltava-se apenas
contra pessoas jurídicas, as redes de troca de arquivos
musicais como o Napster, fechado há dois anos em conseqüência
de uma ação judicial movida pela própria
RIAA, e o Kazaa e Morpheus, também alvos de ações
(veja artigo de James Nicolai e Scarlet Pruitt, em
<www.pcworld.com/news/article/0,aid,107528,00.asp>).
Mas há alguns meses ela elegeu os campi universitários
como alvo principal de sua ira. Como resultado dessa nova diretriz,
em outubro passado enviou uma carta a mais de dois mil diretores
de instituições de ensino americanas solicitando
que eles informassem os estudantes sobre suas responsabilidades
morais e legais relativas aos direitos autorais ao usar
as redes dos campi para intercâmbio de arquivos musicais
(veja artigo de Michelle Madigan em
<www.pcworld.com/news/article/0,aid,106959,00.asp>).
As ações contra os quatro estudantes, as primeiras
movidas contra pessoas físicas, foram os frutos pioneiros
da nova estratégia.
E, ao que parece, são apenas os primeiros disparos do que
promete ser uma longa batalha. Porque, segundo nota postada no
próprio sítio da RIAA, a associação
está usando os programas tipo chat (Instant
Messaging) para o que ela chama de Esforço educacional
(que, no entanto, mais parece uma reles intimidação)
para informar os usuários que oferecer músicas
protegidas por direitos autorais em redes não hierárquicas
é ilegal e que eles enfrentarão conseqüências
caso venham a participar dessas atividades ilegais (veja
a nota e o texto da mensagem em <www.riaa.com/PR_story.cfm?id=634>).
Há duas semanas, em um artigo sobre o draconiano DMCA
(ainda disponível na seção Escritos de meu
sítio, em <www.bpiropo.com.br>), eu afirmei que ao
impedir que livros eletrônicos comprados por deficientes
visuais fossem reproduzidos por programas de sintetização
de voz, a indústria de entretenimento estava roubando o
dinheiro que mãos caridosas depositavam no chapéu
do ceguinho. Hoje, diante dessa fúria voltada contra pobres
estudantes, sou forçado a dizer que eles estão roubando
bala da boca de crianças. Em sentido cada vez menos figurado...
B.
Piropo