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01/12/2008
< Nicola Tesla III: O Campo Giratório >
Pouco depois de haver concebido a teoria do campo magnético giratório, Tesla mudou-se para a França onde foi contratado pelas empresas distribuidoras de energia elétrica, primeiro a de Strasbourg, depois a de Paris.
Nesta última conheceu Charles Batchelor, um engenheiro inglês que foi durante muitos anos assistente e braço direito de Thomas Edison nos EUA, a quem manifestou seu desejo de emigrar para Novo Mundo. Impressionado com a genialidade de Tesla, Batchelor escreveu uma carta de recomendação dirigida a Edison e a entregou ao jovem inventor. Nela, dizia: "Eu conheço dois grandes homens, um deles é você, o outro é este jovem" ("I know two great men, one is you and the other is this young man"). Como logo veremos, Batchelor estava parcialmente equivocado (para ser justo, estava exatamente 50% errado).
Em 1884, com a idade de 28 anos, Nicolas Tesla chegou aos EUA tendo nos bolsos esta carta de recomendação e não mais que quatro centavos de dólar.
O país não lhe causou boa impressão. Segundo o relato contido no sítio da PBS sobre esta época da vida de Tesla, depois de algum tempo nos EUA ele comentava: "O que eu deixei para trás era lindo, artístico e fascinante sob todos os aspectos; o que encontrei aqui era mecânico, tosco e sem atrativos. Em relação à Europa, os EUA estão um século atrasados no que toca a civilização" ("What I had left was beautiful, artistic and fascinating in every way; what I saw here was machined, rough and unattractive. It [America] is a century behind Europe in civilization"). Não obstante aquele foi o país que ele escolheu não apenas para permanecer pelo resto de sua vida como também para adquirir cidadania alguns anos mais tarde.
Logo após desembarcar, Tesla procurou por Edison que após uma breve entrevista, o empregou com salário semanal de US$ 18.
Aquela era o tipo de parceria fadada a não dar certo. Ambos os homens eram geniais e compartilhavam uma curiosa característica: quase não precisavam de sono e eram capazes de estender seções de trabalho por toda a madrugada. Mas as semelhanças não passavam muito disso. E, mais tarde, fatos da vida de um e de outro sobre os quais falaremos adiante, revelaram claramente que Tesla era tão desapegado das coisas materiais quando Edison era mesquinho.
Independentemente disso, a relação jamais teria evoluído porque cada um deles era quase que o protótipo de suas origens.
Edison era o americano típico do final do século dezenove, um autodidata com pouca educação formal e altíssimo grau de intuição. Era atarracado e expansivo. Falava alto e chamava a atenção. Seu conhecimento teórico era limitado, a ponto de não entender que a lâmpada incandescente que ele mesmo inventara poderia funcionar tanto com corrente contínua (CC), com a qual ele as usava, como com corrente alternada (CA), como propunha Tesla. Consta que é de Edison a conhecida frase que afirma que "invenção é cinco porcento de inspiração e 95 porcento de transpiração". Quando Tesla lhe propôs pela primeira vez o uso de CA, Edison recusou-se a sequer ouvir a proposta, retrucando: "Pare! Poupe-me desta bobagem. É perigoso. Aqui na América já estamos organizados para usar CC. As pessoas gostam dela e é a única com a qual eu me envolverei" ("Hold up! Spare me that nonsense. It's dangerous. We're set up for direct current in America. People like it, and it's all I'll ever fool with").
Já Tesla, com seus 1,92 m de altura, era o típico centro-europeu recatado. Tinha uma fina educação, um comportamento discretíssimo e elegante. Embora não tivesse terminado os estudos, era um imenso repositório de conhecimentos teóricos, ajudado por sua memória fotográfica que permitia citar de cor trechos inteiros de livros técnicos. Falava pouco (na verdade, quase não falava e quando o fazia, particularmente nos primeiros anos de América, era com um inglês perfeito porém fortemente marcado por um pesado sotaque). Era um homem extremamente formal. Segundo Laurie Anderson, em sua biografia de Tesla, ele "ia para seu trabalho diário vestido formalmente, com paletó, polainas, chapéu e luvas – e esta não era a moda americana da época". ("Tesla showed up for work every day in formal dress - morning coat, spats, top hat and gloves - and this just wasn't the American Way at the time").
Figura 1: Thomas Alva Edison e Nicolas Tesla.
É claro que este tipo de parceria não poderia prosperar. Logo surgiu uma antipatia mútua, especialmente da parte de Edison. Que, ainda segundo Laurie, "detestava Tesla porque ele inventava tantas coisas vestindo aquelas roupas" ("hated Tesla because Tesla invented so many things while wearing these clothes").
Mas, bem ou mal, durante algum tempo trabalharam juntos. A primeira missão de Tesla foi aperfeiçoar os geradores de corrente contínua fabricados por Edison, o que ele fez em pouco menos de um ano, reprojetando os "dínamos" e acrescentando alguns controles automáticos concebidos por ele.
E foi ao término desta tarefa que se deu o rompimento. O que ocorreu exatamente não se sabe, pois os biógrafos de Tesla e Edison jamais chegaram a um consenso, fazendo com que o episódio acabasse ganhando contornos de "história mal contada". Tesla alega que, ao propor-lhe a tarefa, Edison havia lhe prometido oralmente uma recompensa de US$ 50 mil (uma pequena fortuna para a época) se fosse bem sucedido. Edison jamais negou a promessa, mas sempre garantiu que a fez em tom de troça. O que até pode ter sido verdade, mas não para Tesla, um indivíduo formal que jamais foi dado a brincadeiras.
O fato é que, cumprida a tarefa e sendo ela muito bem sucedida, Tesla procurou Edison para cobrar-lhe a promessa. Ouviu como resposta que ele, Tesla, "não entendia o humor americano" ("Tesla, you don't understand our American humor") e jamais foi pago.
Tesla então pediu que ao menos seu salário semanal fosse aumentado para US$ 25. Edison negou.
Diante disto, Tesla pediu demissão e, para sobreviver, conseguiu uma ocupação como trabalhador braçal. Durante um par de anos suas ferramentas de trabalho foram a pá e a picareta com as quais abria valas nas ruas de Nova Iorque. O olhe que as desavenças entre Edison e Tesla haviam apenas começado...
Desde sua "visão" no parque de Budapest Tesla jamais deixou de lado a concepção do campo magnético rotativo.
Mas, afinal, o que exatamente seria isto?
Lembra do dínamo de Gramme descrito na coluna anterior, onde uma bobina girava em torno de um ímã permanente? Considerando a relatividade dos movimentos, o efeito seria rigorosamente o mesmo caso a bobina estivesse parada e o ímã girasse, ou seja: a variação do campo magnético do ímã causada por seu movimento induziria uma corrente elétrica na bobina. E o resultado seria a geração de uma corrente elétrica de intensidade variável entre os terminais da bobina.
Uma das mais curiosas diferenças entre os gênios e nós outros, os considerados "normais", é que os gênios são capazes de pensar "ao contrário". E foi exatamente isto que fez Tesla durante seu passeio no parque. Sua mente inquieta começou a investigar o que ocorreria caso se mantivesse um ímã permanente capaz de girar, próximo a uma bobina que conduzisse uma corrente de intensidade variável gerada pela aplicação de uma tensão que alternasse seu valor entre dois extremos, um positivo e outro negativo, invertendo periodicamente a intensidade e o sentido da corrente.
Animação 2: Campo giratório produzido por uma única bobina
Repare, no lado esquerdo da figura, na bobina enrolada em torno de um núcleo de ferro. Esta bobina está ligada a um gerador de corrente elétrica que produz uma tensão variável, como mostrado no gráfico da direita, onde uma fina barra vertical azul de comprimento variável situada sobre o eixo vertical do gráfico mostra o valor da tensão aplicada à bobina em cada momento e a pequena esfera mostra a evolução desta tensão ao longo do tempo.
A aplicação de uma tensão variável nos terminais da bobina fará com que ela seja percorrida por uma corrente elétrica que varia ao longo do tempo, acompanhando a variação da tensão não apenas em intensidade como em sentido (note que a barra azul vertical passa regularmente da parte superior – ou positiva – do eixo vertical do gráfico para a inferior – ou negativa e retorna à superior, continuando assim ciclicamente).
Ora, como sabemos todos, a variação da intensidade da corrente elétrica provoca a formação de um campo magnético. Este conjunto (bobina e núcleo de ferro) forma um eletroímã. Como mostra o gráfico, a corrente na bobina está permanentemente a variar. O resultado disso é a formação do campo magnético variável representado esquematicamente pela barra horizontal de largura variável acima do núcleo de ferro (a intensidade do campo em cada instante corresponde à largura da barra horizontal). E repare como a posição dos pólos Norte e Sul deste campo se inverte ciclicamente (veja as sucessivas mudanças de lado das extremidades azuladas e avermelhadas da barra).
Qual o efeito disso sobre o ímã permanente situado, na figura, abaixo do eletroímã?
Ora, seja em ímãs permanentes, seja em eletroímãs, pólos iguais se repelem e pólos opostos se atraem. E a aplicação da corrente elétrica na bobina é feita de tal forma que quando o pólo Norte do ímã permanente se coloca junto à bobina, o campo referente ao pólo Sul do eletroímã atinge seu máximo, repelindo o pólo Norte do ímã permanente e atraindo seu pólo Sul, que se situa na extremidade oposta. Isto fará com que o ímã comece a girar procurando inverter a posição de seus pólos.
Acontece que quando a posição dos pólos do ímã permanente se inverter, a variação da corrente no eletroímã fará com que a posição dos pólos de seu campo magnético também tenha se invertido. O resultado são impulsos sucessivos no ímã permanente, que não parará de girar, movendo-se sempre em sincronia com a variação da tensão aplicada ao eletroímã.
Se não entendeu, leia novamente o trecho acima, examine a figura e repare, a cada momento, nos valores da tensão elétrica (no gráfico), do campo magnético do eletroímã (na barra horizontal animada) e na posição do ímã permanente (girando na parte inferior esquerda da animação). E veja como tudo faz sentido.
Exceto no que toca a um pequeno detalhe: a variação da intensidade do campo magnético do único eletroímã se dará de forma descontínua, fazendo com que o ímã permanente se mova irregularmente, meio que aos trancos.
Solução? Acrescentar eletroímãs homogeneamente distribuídos em torno do ímã permanente giratório e aplicar a eles correntes elétricas "defasadas", ou seja, de tal forma que seus campos magnéticos variem sempre em sincronia com a posição do ímã permanente giratório. Examine agora a Animação 3.
Animação 3: Campo giratório produzido por três eletroímãs
Repare nela. Ao único eletroímã existente na animação anterior, acrescentamos dois, cada um deslocado exatamente 120º em relação à posição do anterior. E aplicamos às suas bobinas correntes elétricas igualmente defasadas de 120º (repare nos gráficos). O resultado disso é que o campo magnético resultante da combinação dos campos individuais formados pelos três eletroímãs passa a "girar" em torno do centro do conjunto, fazendo com que o ímã permanente se movimente de forma mais homogênea, com seus pólos "perseguindo" os pólos Norte e Sul de um campo magnético que gira sempre um pouco a frente de seus próprios pólos. Esse é o famoso "campo giratório". Trata-se da aplicação no campo do eletromagnetismo do conhecido princípio físico do "cachorro que tenta morder o próprio rabo", pois o campo resultante gira de tal modo que jamais seus pólos serão alcançados. E, enquanto os eletroímãs forem assim alimentados, o ímã permanente jamais deixará de girar.
Pois foi exatamente isto que Tesla anteviu no parque de Budapest. E, para não me deixar mentir, aqui abaixo, na Figura 4, vai uma reprodução do desenho, assinado por Tesla, que ilustra a patente 381.968 de seu "ELETRO MAGNETIC MOTOR" (motor eletromagnético) cuja única diferença essencial em relação à ilustração 3 é que, em vez de três, ele usou quatro eletroímãs defasados em 90º para tornar o giro do ímã permanente mais suave.
Figura 4: Ilustração da patente de Tesla do motor de indução (Clique para ver).
Parece pouco? Bem, talvez seja. Mas este simples esquema que aí está, mediante pequenas alterações (como a substituição do ímã permanente por um eletroímã), é a alma do "motor à indução", que equipa praticamente tudo que se move acionado por energia elétrica nos dias de hoje...
Mesmo durante o período em que viveu como trabalhador braçal, Tesla jamais abandonou suas pesquisas. Como seu motor à indução baseado no campo giratório somente funcionaria se alimentado com corrente alternada (calma, que logo voltaremos ao tema), neste período Tesla desenvolveu um sistema polifásico de transmissão de energia em corrente alternada. Em 1887, três anos depois de sua chegada aos EUA, já tinha registrado diversas patentes, todas no campo de motores polifásicos de CA e transmissão de energia, incluindo geradores, transformadores, transmissão de sinais sem fio e iluminação.
No final do século dezenove Nova Iorque já era uma grande cidade, mas gênios são gênios e se destacam seja lá onde se encontrem e o que estejam fazendo no momento. Portanto logo começou a circular nos meios técnicos e científicos a notícia que um jovem forasteiro, de grande talento, dedicava-se a cavar valas para sobreviver. Tesla foi então convidado a tornar-se membro do AIEE (American Institute of Electrical Engineers, hoje IEEE) onde, em maio de 1888, proferiu uma palestra que mudou sua vida (e o perfil da sociedade moderna). O título da palestra era "A New System of Alternating Current Motors and Transformers" (Um Novo Sistema de Motores e Transformadores de Corrente Alternada) e nela Tesla apresentou sua concepção do motor à indução em CA, que viria a revolucionar a engenharia elétrica.
George Westinghouse assistiu a apresentação e se interessou pelo sistema. Visitou Tesla e lhe ofereceu um milhão de dólares americanos pela patente. Tesla recusou. Aceitou, apenas pelo uso da patente (e não por seus direitos), 60 mil dólares, algumas ações da Westinghouse Electric Company e mais um contrato segundo o qual ele receberia US$ 2.50 por HP de cada motor à indução vendido pela companhia (o que alguns anos depois o levou a cometer talvez o gesto mais extraordinário de sua vida, como veremos adiante).
Foi a partir de então que as coisas começaram a mudar.