< Coluna em Fórum PCs >
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10/10/2005
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< Nem tudo que vem na rede é peixe > |
Já ando por aqui há dez meses. Tempo bastante para fazer amigos reais e virtuais e para me sentir em casa. São quase quarenta colunas. Uma amostra razoável de meu trabalho. Pois bem: se vocês consultarem este pequeno acervo, notarão que jamais citei uma notícia ou opinião obtida na Internet sem dar o devido crédito. E nunca publiquei uma foto colhida na rede (exceto se capturada em um dos muitos sítios que fornecem imagens livres de direitos de propriedade) sem citar a origem. Mais que isso: na maioria das vezes os textos ou imagens que não são de minha autoria, além do devido crédito, estão acompanhados de um atalho (“link”) para o sítio de onde provieram. Trata-se, evidentemente, de uma questão de ética. Escrevendo regularmente sobre informática em jornais e outros veículos de informação há quase quinze anos, sei como é desagradável encontrar um texto meu sem menção ao autor. E os tenho encontrado nos lugares mais inesperados. Há alguns anos um garoto decidiu criar uma seção de “Dicas” em seu sítio pessoal. Seu trabalho consistia em copiar semanalmente minha Dica publicada no Globo e transcrevê-la em seu sítio, sem mencionar a autoria. Quando reclamei, o pai do delinqüente juvenil tomou as dores do filho e mandou uma mensagem alegando que se tratava apenas de uma “travessura” do jovem e que eu deveria considerar aquilo uma “homenagem”. Respondi educadamente, agradecendo penhoradamente a “homenagem” e informando que se meus textos não fossem retirados da página do pilantrinha em 24 horas ele, na qualidade de pai e responsável, iria se entender com o departamento jurídico do jornal. O pai mandou uma mensagem desaforada mas seu filho, o aprendiz de patife, tirou a página do ar e não se falou mais nisso. Então, por saber como é desagradável ter idéias desapropriadas, respeito profundamente a propriedade intelectual dos outros e, quando cito seus trabalhos, procuro sempre dar-lhes o devido crédito. Não custa nada e me deixa em paz com minha consciência. Mas esta não é a única razão. Trata-se também de uma questão relativa à minha própria proteção legal. Porque se eu cito texto sem dar crédito ao autor, aquele texto passa a ser apresentado como de minha autoria. O que me torna responsável por ele e nem sempre leva a bons resultados. Para demonstrar isso, vou citar dois exemplos. O primeiro teve minha participação. Toda vez que o primeiro de abril cai em uma segunda-feira, dia de publicação do caderno Informática Etc. do Globo no qual colaboro desde o primeiro exemplar, eu lá publico um “artigo de primeiro de abril”. Isso ocorreu duas vezes. A primeira, nos idos de 1996, resultou em um artigo sobre vírus orgânicos que, infelizmente, ainda não foi incluído em meu sítio (mas um dia será; somente coloquei o sítio no ar no final de 1998 e não deu para incluir todo o trabalho anterior). Mas hoje o que nos interessa é o segundo artigo. Foi publicado em primeiro de abril de 2002 e, este sim, pode ser encontrado em < http://www.bpiropo.com.br/ > meu sítio, seção “Escritos / Artigos em O Globo” com o título “Microchip Anti-seqüestro”. Como costumo fazer nessas ocasiões, misturo alguns fatos comprovados (com as devidas citações e atalhos para conferir) com meia dúzia de sandices e invento um absurdo qualquer que, uma semana depois, desminto e informo se tratar da clássica brincadeira de “primeiro de abril”. No caso, o artigo informava que a tecnologia RFID (circuitos integrados que emitem radiofreqüências), adotada então para identificar e localizar animais de estimação, estava sendo usada em São Paulo como proteção anti-seqüestro por executivos que carregavam permanentemente chips RFID implantados por aplicação subcutânea. Um evidente absurdo. Mas um absurdo tornado plausível pelo fato de eu citar nomes de pessoas e empresas, como poderão ver os que se derem ao trabalho de consultar o artigo. É bem verdade que a empresa chamava-se Atorol (acrônimo de Atomic Robot Link), o técnico tcheco responsável pela implante era o Dr. Lirba Edor Iemirp e o primeiro executivo a usar o dispositivo foi o economista nissei O. Irato, nomes que lidos ao revés resultam em “otário”, “primeiro de abril” e “lorota”. Mas ainda assim teve gente que acreditou. Tanto teve que no dia seguinte a versão “online” de um dos mais importantes jornais paulistas publicou a notícia como se fosse verdadeira. Sem citar a fonte, naturalmente. Se eles tivessem citado a fonte, teriam se protegido e, quando percebessem do que se tratava, bastaria acrescentar um parágrafo informando que era uma brincadeira (minha) de primeiro de abril. Como não citaram, acabaram responsáveis pela divulgação de uma notícia que, além de falsa, era absolutamente ridícula. E tiveram que passar a vergonha de retirá-la do ar sem maiores explicações. Infelizmente, quando eu soube do ocorrido, eles já haviam tirado a nota do ar e eu não pude fazer uma captura de tela para comprovar a publicação. Se a tivesse feito, hoje eu daria o nome aos bois. Como não a fiz, sou obrigado a contar o milagre sem mencionar o santo. Mas quem duvidar sempre pode perguntar a nosso amigo CAT, também colunista do Fórum PCs, já que foi ele que chamou minha atenção para a tal publicação. Antes de passar para o outro “causo” que ilustra os perigos de obter material na rede sem citar a fonte, uma observação sobre este último. Aquilo que em 2002 era delírio puro e uma idéia tão absurda que usei com “primeiro de abril”, implantar chips RFID no corpo de humanos, acabou por tornar-se realidade em pouco mais de dois anos. Em outubro de 2004 a FDA americana (Food and Drugs Administration) autorizou a implantação subcutânea de chips RFID em humanos para fins médicos. Os chips seriam implantados no tecido gorduroso do braço de pacientes portadores de doenças cardiovasculares, mal de Alzheimer, diabetes e outras que exigem tratamento igualmente complexo e seriam utilizados para armazenar informações pessoais do paciente e histórico médico (se estiver interessado, vá à seção “Escritos / Artigos no Estado de Minas” de < http://www.bpiropo.com.br > meu sítio e leia o artigo “Orwell Errou Vinte Anos”). E, há poucos meses, escrevi um artigo informando que a empresa Alanco desenvolveu um sistema para acompanhar a movimentação de internos em estabelecimentos prisionais que já estava sendo testado na Europa e no Estado da Califórnia, EUA. Não usava implantes, mas sim pulseiras metálicas tipo algemas solidamente presas aos braços dos prisioneiros para acompanhar sua movimentação. O artigo sobre o assunto está em < http://www.bpiropo.com.br > meu sítio, seção “Escritos / Artigos em O Globo” e foi publicado em 23/05/2005. Como vocês vêem, a tecnologia acaba atropelando até a imaginação mais sombria. Agora, vamos ao outro “causo”. Que fez um jornal passar uma vergonha danada por usar material da Internet sem citar a fonte e, pior, sem saber do que se tratava. Mas, por razões mais que óbvias, antes de mais nada vamos aos créditos: quem chamou minha atenção para o fato foi minha amiga Eliete. E a notícia vem em um artigo do jornalista Sandro Fuzatto, publicada no conceituadíssimo sítio “Observatório da Imprensa”, intitulado < http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=348FDS002 > “Jornal manda leitor ‘sifu’”. Segundo Fuzatto o artigo foi publicado na edição de dez de setembro passado no caderno de cultura, o segundo do jornal “A Gazeta” do Estado do Espírito Santo. O artigo abordava um livro, recente sucesso editorial, escrito por um exilado político chinês. Uma foto da página da Gazeta onde foi publicado o artigo (obtida na Internet, na página do artigo de Fuzatto) é mostrada na Figura 1.
Como se vê, o artigo é de página inteira. Grande parte da página é ocupada pela foto do autor do livro. O resto é texto. Exceto um trecho, abaixo da foto, onde aparece a imagem do que seriam supostamente ideogramas chineses cujo significado, segundo Fuzatto, não consta do texto da matéria. A Figura 2 mostra um detalhe da referida imagem.
Esta figura é também uma foto que consta do artigo original de Fuzatto na qual eu apenas alterei ligeiramente o brilho e contraste para ficar mais legível. Infelizmente não pude fazer o mesmo com a resolução, mas para os fins que nos interessam, a resolução é satisfatória. A pergunta é a seguinte: o que fazem estes caracteres no meio do artigo? E qual seu significado? A resposta é bastante surpreendente e consta do artigo de Fuzatto no qual, por sinal, ele faz uma interessante análise sobre o comportamento da imprensa capixaba que vale a pena ler e meditar sobre. Mas aqui vamos tratar apenas da questão da imagem acima. Então vamos lá. O que ela faz no meio do artigo? Fuzatto afirma que, movido pela curiosidade, ligou para a redação da Gazeta e falou “com alguns jornalistas. Explicação: sobrou espaço na página, para ilustrar e compor a diagramação, procuraram na internet um símbolo, uma frase, qualquer coisa que lembrasse a China ou o chinês. Encontraram essa imagem, acharam-na bonitinha e publicaram” (a coisa é tão surreal que fiz questão de transcrever literalmente o que diz Fuzatto, de modo que o trecho entre aspas acima foi simplesmente copiado do artigo original e colado nesta coluna; se for verdade, muito bem; se não for, não esqueçam que estou apenas citando o autor...). Talvez um dia aconteça alguma coisa parecida com você. Comigo, acontece muito: estou escrevendo um artigo ou coluna, preciso de uma ilustração e vou buscar na Internet. Mas, ao contrário do pessoal da Gazeta, tomo alguns cuidados. Por exemplo: quando se trata de ilustrar algum dispositivo eletrônico ou periférico, procuro diretamente no sítio do fabricante. Lá costumo encontrar material farto, de boa qualidade e, sobretudo, de livre distribuição já que normalmente se trata do chamado “material de divulgação” que os responsáveis costumam pôr à disposição (viram como jamais é preciso usar o verbo inexistente “disponibilizar”?) do público em geral. O mesmo acontece com esquemas e gráficos que constam dos muitos CDs de divulgação que as empresas distribuem em congressos e feiras. As imagens costumam estar reunidas em pastas destinadas apenas para elas, fazendo com que possam ser vistas (e não “visualizadas”) com facilidade. Quando se trata de outros temas, procuro os sítios especializados em distribuição de imagens gratuitas, que costumam classificá-las de acordo com seus temas. Como por exemplo o < http://www.bigfoto.com/ > BigFoto.com, que fornece milhares de fotos isentas de direitos autorais (a maioria delas é produzida por amadores avançados que tudo o que pedem é que lhes seja dado crédito pela foto o que, convenhamos, além de não dar trabalho algum é mais do que justo). Ou então em: < http://www.morguefile.com/> morgueFile, < http://sxc.hu/ > Stock.xchng, < http://www.pixelperfectdigital.com/ > PixelPerfect, < http://www.imageafter.com/ > Image After, < http://www.stockvault.net/ > StockVault.Net, < http://pdphoto.org/ > PD Photo, < http://server9.49pm.com/ > @49Media, < http://www.buzznet.com/www/homepage.html > BuzzNet Photo Communication ou < http://www.flickr.com/ > Flickr, todos sítios sugeridos no excelente artigo:
Portanto, agora que o inesgotável repositório de conhecimentos que é a Internet está ao alcance de seu mouse, se algum dia você precisar de uma imagem para ilustrar um artigo, trabalho ou apresentação, não é preciso apropriar-se dela à sorrelfa (vá até o dicionário, eu espero; mas, para facilitar sua busca, “sorrelfa” é sinônimo de “socapa”). Procure-a em um dos sítios que fornecem imagens gratuitamente. Encontrando, capture-a e quando a apresentar, cite a fonte. E, sobretudo, nunca, jamais, em tempo algum publique alguma coisa sobre a qual você não tenha certeza absoluta do conteúdo e do significado. Como? O que significavam os “ideogramas chineses” publicados pela Gazeta? Bem, na verdade sinto-me um tanto avexado por ser obrigado a explicar. Por outro lado, não me agrada a idéia de deixar os leitores sem resposta. Porém, e antes de qualquer outra coisa, uma advertência séria: se você é particularmente sensível ao uso, mesmo que involuntário, de termos de baixo calão, melhor abandonar a leitura por aqui mesmo e não seguir adiante. Afinal, o objetivo da coluna já foi cumprido com o conselho dado no parágrafo anterior. E, se decidir prosseguir assim mesmo, depois não venha reclamar comigo nem com os moderadores, que eles nada têm a ver com isso. Lembre-se de que foi avisado. Pois voltemos aos ideogramas. Na verdade, não são ideogramas. São caracteres do nosso próprio alfabeto que algum gaiato escreveu imitando ideogramas chineses. Um gaiato com razoável espírito artístico, já que de fato parecem ideogramas. E achou o resultado tão bom que decidiu publicá-los na Internet. Onde foram encontrados pelos jornalistas da Gazeta que “acharam bonitinho” e publicaram. O que significam? Não sei se consigo transcrever. Mas, como não é chinês, é o bom e velho português mesmo, aqui abaixo vai a Figura 4, a mesma imagem depois de uma limpeza, alteração de contraste e de uma rotação de noventa graus no sentido anti-horário. Se desejar, você mesmo pode lê-la. Mas, lembre-se: 1) se não gostar, não reclame, eu avisei; 2) não sou eu que estou mandando, são os jornalistas da Gazeta. E, finalmente, 3) um conselho: não vá!
B. Piropo |