Escritos
B. Piropo
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08/07/1991

Breve vamos apreciar com mais detalhes as máquinas baseadas nas CPU 386 e 486 da Intel. Mas antes disso, há que abordar uma questão discutida mesmo nas rodas dos mais afoitos entortadores de bits: devem ou não essas preciosidades serem chamadas de "AT"?

Ocorre que enquanto a IBM manteve sua arquitetura aberta, tudo era mais fácil. A grande mãe azul lançava seu novo modelo e os demais fabricantes corriam atrás com máquinas quase idênticas, baseadas nos mesmos componentes. Eram os "clones". A maioria usava BIOS desenvolvidos especialmente para emular o original da IBM e apresentava uma compatibilidade absoluta. Nesses tempos, um XT era um XT, um AT era um AT, e temos conversado. Sabia-se exatamente do que se estava falando e não eram necessárias maiores explicações: o XT usava uma CPU 8088, 8086 ou algo compatível, como por exemplo os microprocessadores V20 ou V30 da NEC. E a CPU do AT era um 80286. E c'est finí.

Porém, quando a IBM ingressou na era dos 32 bits, mudou radicalmente a concepção interna de suas máquinas. Batizou essa nova arquitetura de "Micro Channel Architeture". E a patenteou.

A MCA é, na verdade, todo um conjunto de novas especificações, tecnologias e padrões que introduzem mudanças essenciais no funcionamento da máquina. Porém a mais evidente delas se deu no barramento, ou "bus", aquele conjunto de condutores elétricos que interliga os diversos componentes do micro. Que não somente alterou o número de linhas usadas para endereçamento e outras funções internas, como também - e aí está o pomo da discórdia - mudou o tamanho e a disposição dos "slots" da placa mãe, aqueles conectores onde se encaixam a maioria dos controladores de dispositivos.

Com a patente, liquidou-se qualquer tentativa dos fabricantes de clones de utilizarem o sucesso das máquinas IBM em proveito próprio. Mas não apenas isso: a mudança afetou igualmente a milhares de outras indústrias que investiram pesadamente na fabricação de placas de expansão baseadas no barramento e na configuração física dos slots da antiga arquitetura aberta, que mesmo à revelia da IBM, acabou por se transformar em um padrão mundial.

Notem que máquinas com CPU 386 não exigem a MCA. Usá-la foi meramente uma decisão estratégica da IBM visando melhorar o desempenho de sua nova linha. Nada impediria que ela tivesse trilhado o mesmo caminho que escolheu com o lançamento do AT-286: uma simples extensão do barramento adotado até então, de forma a permitir a utilização das mesmas placas controladoras nos novos slots.

O lançamento da MCA se deu em 1987. Com ela a IBM decidiu abandonar a designação de PC ("Personal Computer", ou computador pessoal) em troca de algo mais pomposo, digno do desempenho incrementado de máquinas mais poderosas, o "sistema pessoal" (Personal System 2, ou PS/2). Nem todas as máquinas da linha PS/2 usavam a MCA: apenas as mais avançadas, os modelos 50, 60, 70 e 80. O modelo 30 era, na verdade, um AT286 disfarçado. Mas a designação "AT" já não era usada nem mesmo para ela.

No início, a mudança brusca de estratégia da IBM lançou uma enorme confusão no universo micreiro. Houvera ocorrido alguns anos antes e teria liquidado com toda a indústria de clones. Mas em 87 ela já era forte o bastante para dar seu grito de independência. Alguns fabricantes tinham conseguido uma credibilidade tão grande quanto a da própria IBM, baseada na qualidade de seus produtos. Seus rumos já não dependiam dos ventos soprados da IBM. E não desejavam perder as centenas de milhões de dólares investidos na arquitetura aberta da linha PC.

Mas, de uma forma ou de outra, o chip 386 estava no mercado, com suas imensas possibilidades. Que, para serem exploradas, impunham mudanças radicais no barramento das máquinas que o adotassem. Se cada fabricante fizesse as modificações por sua conta, dentro em breve o caos se estabeleceria. E isso não interessava a ninguém - salvo, talvez, à IBM.

O impasse foi resolvido em setembro de 88, quando um consórcio de sete fabricantes, liderados pela Compaq, acordou um padrão de arquitetura para CPUs de 32 bits que, embora adicionasse ao barramento do AT algumas características que muito o aproximaram da MCA, era predominantemente orientado para manter compatibilidade com os periféricos e controladores existentes. E essa nova arquitetura foi batizada de EISA (Extended Industry Standard Architeture). Que, para cumprir com o objetivo de servir como padrão, não foi patenteada. A EISA é, então, uma arquitetura de 32bits com quase todas as vantagens da MCA, mas não patenteada. Evidentemente, todos os demais fabricantes acorreram alegremente para ela.

Mas não foi só isto. Pois uma arquitetura de 32 bits exige que os slots onde se encaixam as placas controladoras também recebam o barramento de 32 bits. E ha, literalmente, milhares de tipos de placas controladoras de oito e dezesseis bits no mercado. Que bem poderiam ser aproveitadas.

Pois não é que encontraram um jeito de fazê-lo? Foi a chamada arquitetura ISA, de "Industry Standard Architecture", que nada mais é que uma adaptação da famosa e eficaz arquitetura aberta dos antigos XT às CPU de 32 bits. Nelas, apenas o barramento de memória, ou seja, os condutores que ligam a CPU à memória, são de 32 bits. O chamado "Barramento de dados", que liga os slots à CPU, continua sendo de 16 bits. Com isto os investimentos para desenvolver uma nova placa mãe se reduziram sensivelmente, as placas controladores existentes podem ser aproveitadas e todos são felizes para sempre. Não é de admirar, então, que a arquitetura ISA integre a imensa maioria das máquinas com CPU 386 existentes no mercado.

E os 486? Serão tão diferentes dos 386 quanto estes foram do seu antecessor 286? Não. Essencialmente, desde o ponto de vista da CPU, a diferença é muito pequena. Na verdade, um micro com CPU 486 é extremamente parecido com outro que usa a CPU 386. Mas são, ambos, radicalmente diferentes do AT tradicional, que usa a CPU 286. Então porquê chamá-los de "AT"? Por outro lado, se não são AT, o que seriam então? Abandonados pela IBM, os micreiros perderam o referencial...

Essas máquinas mantêm uma certa semelhança com o AT: usam slots do mesmo tipo e também fazem o setup por software, armazenando os dados de configuração em um circuito de memória CMOS alimentado a bateria. E têm o mesmo "jeitão" de um AT. Na falta de um termo melhor, ficou AT mesmo. E essa designação é aceita - se bem que com certa relutância - pela comunidade micreira.

Mas, nesses casos, nunca apenas "AT". Sempre seguido da designação da CPU: "AT386" ou "AT486". Detalhe, aliás, desnecessário de ser mencionado aqui: o dono de uma delas jamais o esqueceria...

B. Piropo