Sítio do Piropo

B. Piropo

< Trilha Zero >
Volte de onde veio
12/07/2004

< Procurando a estupidez >


Há duas semanas publiquei a coluna “Quinze anos” (disponível na seção “Escritos / Coluna do Piropo” de meu sítio em <www.bpiropo.com.br>) analisando as previsões sobre o (então) futuro feitas pela extinta revista PC Computing em 1989. Dias depois recebi uma mensagem do leitor Maiko Rocha sugerindo que eu visitasse o blog de Mark Rittman, em <www.rittman.net/archives/000947.html>, com um comentário sobre o livro “In search of stupidity”, de Merril R. Chapman (“Rick” Chapman), editado pela Apress, que abordava tema semelhante. Achei o resumo do livro tão interessante que o encomendei. Recebi uma semana depois e não consegui largá-lo antes de terminar a leitura.
O livro, além de bem humorado, é muito bem fundamentado. O que não é de estranhar, já que Rick dedicou sua vida à indústria de informática: começou em 1980 vendendo máquinas de 8 bits na loja de departamentos Macys, em Nova Iorque, e chegou a diretor de marketing de algumas das mais poderosas empresas de informática da década de 80, incluindo a falecida MicroPro, do editor de textos WordStar (quem quer que tenha usado um computador nos anos 80 sabe da importância do WordStar; em contrapartida, quem começou a usar micros nos anos 90, dificilmente ouviu falar dele).
Eu sei que é bem mais fácil apontar erros do passado que evitar que eles ocorram no presente, e isso deve ser levado em conta ao ler o livro. Além do que Rick exagera um bocado, naturalmente. Mas mesmo assim, diante dos dados que ele apresenta, fica difícil contestar sua tese. Uma tese mais que curiosa: segundo ele, as empresas bem sucedidas nessa indústria não o foram por serem mais fortes, mais rápidas ou mais brilhantes, mas simplesmente por serem menos estúpidas (em inglês, “stupidity” significa “estupidez” no sentido de “burrice”, não de “grosseria”). E relata alguns casos de ascensão e morte de gigantes da indústria, como a própria MicroPro, Ashton Tate (do dBase) e, mais recentemente, Netscape. Além de inacreditáveis tropeços de outros que ainda sobrevivem, como IBM, Novell e Borland e até mesmo da Microsoft. Quem ler o livro, diante do relato e da argumentação de Rick, terá dificuldade em contestar sua tese de que a marcha inexorável para o abismo, a sucessão de erros crassos, decisões equivocadas, soberba, arrogância e desprezo pela opinião alheia – inclusive dos usuários de seus produtos – era uma incansável jornada orientada pela estupidez.
Um exemplo vem da IBM, uma empresa que ainda se mantém entre as maiores da indústria, embora tenha deitado a perder sua liderança no mercado dos computadores pessoais por uma série de erros infantis, decisões equivocadas e, sobretudo, por sua notória incapacidade de lidar com o usuário final. O capítulo sobre o sistema operacional OS/2 é emblemático. Segundo Rick, “em vez de ser um novo exemplo de sucesso, o OS/2 transformou-se em uma tragicomédia que se estendeu por mais de uma década e redundou em desastre para a IBM”. E relata passo a passo a inaudita luta da IBM para matar seu próprio produto. Em um certo ponto, diz ele: “Mas, apesar dos melhores esforços da IBM, o OS/2 provou ser um sobrevivente e lutou. Era difícil ignorar a excelência técnica do produto. Windows, na época um aplicativo de 16 bits com raízes no DOS, parecia cada vez mais antigo e desatualizado frente ao OS/2 com sua interface polida e orientada para objetos”. Mas se a IBM tem uma qualidade é sua persistência: não desistiu enquanto não liquidou com o OS/2, aplicando-lhe golpes como a frase de David Barnes, então principal “evangelizador” do sistema operacional, o homem cuja missão era pregar a excelência do produto, baixando a guarda e declarando: “O OS/2 é um excelente sistema, mas o Betamax também era superior ao VHS. Eu vou instalar Windows 95 nos meus computadores domésticos”. A entrevista, publicada por Peter Lewis no New York Times de 6 de agosto de 95 com o título “OS/2 no longer at home at home”, foi o golpe de misericórdia.
O livro (infelizmente, apenas em inglês) é leitura obrigatória para quem pretende entender como funciona a indústria da informática, principalmente a do software. Vale a pena. E aqui vai um aviso: se você vier a lê-lo, não pare antes do Glossário. Porque também lá você encontrará algumas pérolas, como a definição de Canal: “um termo cunhado pela indústria para designar o sistema de distribuição de alta tecnologia. É usado livremente para se referir a um segmento, como ‘canal de revenda’. Algumas vezes varejistas de hardware e software se referem ao canal como ‘sanguessugas’, ‘vampiros’, ‘larápios’ ou ‘aqueles ladrões’. O canal também tem seu vocabulário especial para os varejistas”.
Falou e disse...

B. Piropo