Na
coluna do último
dia três escrevi sobre pangramas, frases curtas que contêm
todas as letras do alfabeto, e desafiei os leitores a criarem alguns
em português.
O leitor Domingos Francisco Carneiro mandou um com todos os sinais
diacríticos (til, trema, cedilha e acentos grave, agudo e
circunflexo) embora um tanto longo com suas 92 letras. Pelo esforço
e criatividade da frase, aqui vai: “Conquistador que se preza
jamais deixará ficar a braguilha das suas intenções
à mercê de um vizinho alcagüete”.
Jorge Luís Moreira da Silva manda um com 71 letras, porém
sem a cedilha: “Pois foi brincando hoje, à toa, que
vovô quebrou cinqüenta xícaras: mamãe logo
se zangou!”
O mais completo foi o enviado por Wilton Ribeiro, que além
dos sinais diacríticos contém os ortográficos
de exclamação, interrogação, aspas,
travessão, vírgula, ponto, dois-pontos e ponto-e-vírgula.
Tudo isso com 65 letras (mais os sinais): “João: “Vá
às favas, judas, zerê caquético!”; Noé:
“Eu? —Vá você, pinguço, lingüinha,
xibimba!.”
O mais curto (mas sem trema) foi criado pelo Luiz Guerra, com 58
letras: “pangramas à beça jazem no sótão
da memória-dervixe do faquir helênico”. Que postou-o
em seu blog, em <http://lyguerr.blog.uol.com.br>.
Tudo isso, é claro, deixando de fora o Professor José
Augusto Fernandes Quadra, um médico cuja contribuição
foi tão soberba que me obrigou a considerá-lo hors
concours. Mandou-me doze pangramas, os maiores com 33 letras. Melhor
que eles, porém, é a mensagem que os acompanha. Não
dá para transcrevê-la inteira, mas quem quiser se deliciar
com a leitura do texto completo o encontrará ao pé
desta coluna, na seção Escritos de meu sítio
em <www.bpiropo.com.br>. Diz o Dr. José Augusto:
“Embora minha prioridade obviamente seja manter plena atualização
na minha área profissional, há quase uma década
tenho me dedicado ao estudo dos jogos ludolingüísticos,
com especial atenção para os palíndromos (já
elaborei mais de 500 inéditos e pretendo brevemente publicá-los
em livro), anagramas (outro interessante assunto, cuja compilação
pessoal já supera 100 páginas e que também
espero divulgar quando meu dia-a-dia permitir), lipogramas e afins,
inclusive pangramas.
“De fato, a frase “The quick brown fox jumps over a
lazy dog” é o mais conhecido de todos os pangramas.
Suas 33 letras são um permanente desafio a ser superado em
todas as línguas... Como, ao final da coluna, o senhor avisou
que daria atenção a eventuais contribuições
e até desejou sorte aos que levassem adiante a idéia
de enviar-lhe outros pangramas, senti-me estimulado (quiçá
compelido) a refinar os meus próprios e, desculpe a brincadeira,
por sua “culpa” quase vi o sol nascendo na terça-feira...
Em seu estilo fluente e agradável, Mestre José Augusto
discorda de minha opinião sobre como deveria ser o melhor
pangrama em português. Pensa quê, sim, deve fazer sentido,
ter o menor número de letras e só incluir termos dicionarizados.
Mas acha que nomes próprios dão-lhe um toque especial,
desde que sejam de uso comum. E discorda da obrigatoriedade de inclusão
da cedilha e acentos, já que “pangrama” significa
“todas as letras” e não todos os caracteres.
Finalmente, acha válida e recomendável a presença
das letras “k”, “w” e “y” também
nos pangramas em português já que constam do Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa da ABL e em todos
os dicionários do nosso idioma. E acredita que nada deve
haver contra o emprego de siglas e abreviaturas, desde que de fácil
reconhecimento e dicionarizadas. Considerações prontamente
acatadas por esse pobre escriba, que não é besta de
discordar de quem é capaz de conceber pangramas como estes:
De 33 letras: “O torpe vogal, ex-DJ, banca quem faz whisky”;
“Feliz na TV, o ex-DJ cego da MPB quer whisky” e “Primo
Alex quis CD, giz, TV e fino whisky JB”.
De 32 letras: “Que whisky faz vô Gil, ex-DJ cantor da
MPB?”; “Gil Vaz, bonito ex-DJ, quer CPMF do whisky”
e “Ex-DJ, com voz frágil na MPB, quota whisky”.
De 31 letras: “Ema quer banjo, LP, fax, CD, giz, TV e whisky”
e “Em paz na CBF, o ex-DJ Gil quer whisky VAT”.
De 30 letras: “Norma quer LP, fax, CD, giz, TV e whisky JB”
e “Jane quer LP, fax, CD, giz, TV e bom whisky”.
De 29 letras (os menores conhecidos na língua portuguesa):
“Mina quer LP, fox, CD, giz, TV e whisky JB” (segundo
o Dr. José Augusto, “fox é a forma reduzida
de
referência ao cão fox terrier”) e “PM Noel
quer giz, CD, fax, TV e whisky JB”.
Obrigado, Mestre João Augusto, por mensagem tão agradável
e pangramas tão criativos. E quando publicar seus livros
avise. Não há quem me faça perdê-los...
B.
Piropo
<
Assunto
Referente
>
<
Texto
completo da mensagem
>
<
de
José Augusto Fernandes Quadra
>
Prezado
B. Piropo:
Bom dia! Fiel leitor de sua coluna, achei excelente o artigo
‘Lorem ipsum’ e pangramas publicado no último
dia 03 de maio. Embora atue em uma área totalmente
fora desse assunto (sou médico e professor da Faculdade
de Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro),
sempre tive especial interesse pelas curiosidades de nossa
língua portuguesa. Momentos de lazer – digamos
assim – que me fortalecem para melhor conviver com
as agruras da vida como médico intensivista e que,
vez por outra, me permitem tornar ainda mais agradável
o convívio diário com meus alunos, ao mesclar
o ensino da medicina com alguns breves momentos de estímulo
à convivência com a riqueza do nosso vocabulário.
Embora minha prioridade obviamente seja manter plena atualização
na minha área profissional, há quase uma década
tenho me dedicado ao estudo dos jogos ludolingüísticos,
com especial atenção para os palíndromos
(já elaborei mais de 500 inéditos e pretendo
brevemente publicá-los em livro), anagramas (outro
interessante assunto, cuja compilação pessoal
já supera 100 páginas e que também
espero divulgar quando meu dia-a-dia permitir), lipogramas
e afins, inclusive pangramas. Por isso, seu recente artigo
me foi especialmente “saboroso”.
De fato, a frase “The quick brown fox jumps over a
lazy dog” é o mais conhecido de todos os pangramas.
Suas 33 letras são um permanente desafio a ser superado
em todas as línguas... Como, ao final da coluna,
o senhor avisou que daria atenção a eventuais
contribuições e até desejou sorte aos
que levassem adiante a idéia de enviar-lhe outros
pangramas, senti-me estimulado (quiçá compelido)
a refinar os meus próprios e, desculpe a brincadeira,
por sua “culpa” quase vi o sol nascendo na terça-feira...
Antes de apresentar minhas “produções”,
queria fazer algumas considerações acerca
da sua opinião de como deveria ser o melhor pangrama
em português. Sem dúvida, concordo que ele
deva fazer sentido, ter o menor número de letras
e só incluir termos dicionarizados. Em relação
à inserção de nomes próprios,
acho que estes dão um toque especial ao pangrama
(desde que sejam sempre nomes não-inventados de uso
comum na língua portuguesa e não para servir
como um modo falacioso de superar falha de letras).
Discordo, porém, da obrigatoriedade de inclusão
do cedilha e de todos os acentos pois, como o senhor mesmo
citou, “pangrama” vem do grego e significa “todas
as letras” (e não todos os caracteres). Imagine
o que seria ter que incluir não só os acentos,
mas também os demais sinais diacríticos (cedilha,
apóstrofo, til, trema...) em um pangrama. Além
de pouco efetivo, ele acabaria se tornando grande em demasia
e nós estaríamos fugindo do próprio
significado real do termo “pangrama” (“todas
as letras”).
Por outro lado, embora esta seja uma questão discutível,
acho válida (e até recomendável) a
presença das letras “k”, “w”
e “y” também nos pangramas em português
já que, queiramos ou não, lá estão
essas letras no Vocabulário Ortográfico da
Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras
e em todos os dicionários do nosso idioma. Por fim,
creio que nada deve haver contra o emprego de siglas e abreviaturas,
desde que elas sejam de fácil reconhecimento e também
dicionarizadas.
Com base nessas premissas, “meti a cara” e resolvi
dar andamento aos meus próprios pangramas. O menor
deles seria aquele composto por apenas 26 letras, objetivo
decerto impossível de ser conseguido! Sabedor disso,
meu parâmetro comparativo inicial foi a famosa frase
inglesa de 33 letras. Para mim, já seria promissor
tão somente igualar esse número, visto que
– ao que sei – os dois menores pangramas até
hoje registrados na língua portuguesa têm 34
letras, incluindo siglas e nomes estrangeiros.
Dando seqüência à empreitada, selecionei
algumas siglas de uso corrente e contidas nos melhores dicionários
de nossa língua (DJ – disc-jóquei; TV
– televisão; CD – compact disc; LP –
long-play; CBF – Confederação Brasileira
de Futebol; MPB – música popular brasileira;
PM – polícia militar; CPMF – contribuição
permanente de movimentação financeira), bem
como nomes próprios comuns e uma palavra-chave importantíssima,
justamente por conter as três polêmicas letras:
“k”, “w” e “y”. Tal
palavra é whisky, já que essa é uma
dentre as várias maneiras como os dicionários
nobres registram o nome dessa bebida destilada, por exemplo
o Houaiss. Para fechar minha “base estrutural pangramática”,
anotei o nome de duas conhecidas marcas de whisky: VAT e
JB.
A partir daí, “comecei a trabalhar nos finalmente”
e cada reduçãode uma letra nas frases era
uma comemorada vitória. Com uma série de pangramas
nas mãos, terminei selecionando os seguintes:
33 letras:
O torpe vogal, ex-DJ, banca quem faz whisky.
Feliz na TV, o ex-DJ cego da MPB quer whisky.
Primo Alex quis CD, giz, TV e fino whisky JB.
32 letras:
Que whisky faz vô Gil, ex-DJ cantor da MPB?
Gil Vaz, bonito ex-DJ, quer CPMF do whisky.
Ex-DJ, com voz frágil na MPB, quota whisky.
31 letras:
Ema quer banjo, LP, fax, CD, giz, TV e whisky.
Em paz na CBF, o ex-DJ Gil quer whisky VAT.
30 letras:
Norma quer LP, fax, CD, giz, TV e whisky JB.
Jane quer LP, fax, CD, giz, TV e bom whisky.
Por mais que me esforçasse, pareciam inatingíveis
as 29 letras do pangrama francês mencionado em seu
texto. Ia e voltava nas frases, reordenava letras e nada...
Até que, de repente, consegui estes com as desejadas
29 letras:
Mina quer LP, fox, CD, giz, TV e whisky JB. (fox é
a forma reduzida de referência ao cão fox terrier)
PM Noel quer giz, CD, fax, TV e whisky JB.
Concordo que citar marcas comerciais de whisky pode ser
um pouco apelativo, mas não creio que seja um pecado
mortal. Mesmo que o fosse, consegui chegar a uma frase de
30 letras (uma letra a mais apenas) sem esse pequeno óbice.
Fui às nuvens... Uau, socorro! Antes que “fundisse
a cuca” de vez e fosse levado em camisa-de-força
para o Pinel, salvei tudo no computador para depois enviar
para o senhor e resolvi ir para a cama!
Bem, fico por aqui. Agradeço caso o senhor possa
me avisar quanto ao recebimento deste mail e, mais ainda,
se eu recebesse sua valiosa opinião sobre ele. Autorizo-o
a utilizar este material, caso queira fazer algum comentário
em sua coluna do “O Globo”. Um respeitoso abraço
do,
José Augusto Fernandes Quadra
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José
Augusto Fernandes Quadra |
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