Duas
palavras: “lorem ipsum”. Elas lhe lembram alguma coisa?
Para que servem? Que significam?
Sim, provavelmente elas despertarão na maioria de vocês
uma lembrança do tipo “eu já vi isso em algum
lugar”. Os mais ligados ao tema dirão que servem para
preencher espaços que futuramente conterão texto em
uma proposta de projeto gráfico. Mas, embora percebendo que
têm algo a ver com latim, pouquíssimos, saberão
dizer seu significado. Que, na verdade, não existe. São
uma citação truncada do primeiro parágrafo
de “Finibus Bonorum et Malorum”, um tratado de Cícero
sobre a ética escrito no ano de 45 AC que começa com:
“Neque porro quisquam est qui dolorem ipsum quia dolor sit
amet, consectetur, adipisci velit” (“Não há
quem ame a dor por si mesma, que a procure, que a queira sentir
apenas porque é dor”). Segundo Alan Pipes, em seu “Pipes
Portal” (<http://homepage.ntlworld.com/alan.pipes/>),
esse texto vem sendo usado há alguns séculos pelos
profissionais de projeto gráfico para preencher “manchas
de texto” com o objetivo de testar a fonte a ser empregada
no texto definitivo. E o trecho mais usado, “lorem ipsum quia
dolor sit amet”, começa com a palavra “dolorem”
truncada por uma quebra de linha de uma das publicações
do texto (Loeb, ainda segundo Pipes).
Os pangramas são outra curiosidade ligada à tipografia.
Se você usa o Word em português, abra um novo documento,
digite no início da primeira linha “=rand (200,99)”
(assim mesmo, mas sem aspas) e tecle ENTER. Você verá
seu documento invadido por duzentos parágrafos contendo cada
um 99 instâncias da frase “A ligeira raposa marrom ataca
o cão preguiçoso”. Mas isso não é
um pangrama, é apenas a inútil tradução
de um. Já na edição do Word em inglês
o estratagema resultará e você obterá seu pangrama:
a frase original “The quick brown fox jumps over a lazy dog”
com apenas 33 caracteres e todas as 26 letras do alfabeto inglês
(que não usa acentos e no qual o “c cedilha”
caiu em desuso), cujo objetivo é permitir aos tipógrafos
testarem fontes (é claro que, traduzida, para nada serve
além de causar estranheza aos usuários do Word; leia
a coluna que escrevi sobre o assunto, “Diverte,
Educa e Instrui”, publicada em 20/03/2000 e disponível
na seção “Escritos – Coluna do Piropo/Trilha
Zero – 2000” de meu sítio, em <www.bpiropo.com.br>).
O temo “pangrama” vem do grego, composto por “pan
– pantós” e “grama – grámma”,
que significam, respectivamente, “todo” e “letra”.
“Pangrama”, que também se escreve “pantograma”,
significa “todas as letras”. Um bom pangrama deve fazer
sentido. Ele é tão mais eficaz quanto menos letras
contiver. Segundo esse critério, os melhores (em inglês)
seriam aqueles com exatas 26 letras. Aqui vão alguns retirados
de “The Oxford guide to word games” de Tony Augarde:
“Quartz glyph job vex'd cwm finks”, “Vext cwm
fly zing jabs Kurd qoph” e “Nth black fjords vex Qum
gyp wiz”. Eficazes, porém um tanto apelativos por recorrerem
ao uso de palavras exóticas (como “Cwm”, um vale
no País de Gales, e “goph”, uma letra do alfabeto
hebreu) e nomes próprios, obviamente inventados com as letras
que sobraram. Consegui, também no sítio de Pipes,
um elegante pangrama em francês com apenas 29 letras: “Whisky
vert: jugez cinq fox d'aplomb”.
Em português, uma busca na Internet revela poucos, como o
citado por Denis Pedroso em um grupo de discussão: “Foi
em Pernambuco que vi Jerry Hall degustar kiwi com xerez”.
Mas faltam os acentos e sobram as letras “w”, “y”
e “k”, que oficialmente não existem em nosso
alfabeto. A melhor fonte que encontrei foi o sítio de Tomás
de Paula, “Plano Beta”, em <www.planobeta.com.br/default.asp>,
que tem uma seção dedicada a pangramas. Com um bastante
razoável, mas com apenas um acento: “Gazeta publica
hoje breve anúncio de faxina na quermesse”. E alguns
de sua própria autoria, dos quais o mais interessante é
“Grave e cabisbaixo, o filho justo zelava pela querida mãe
doente” e o mais eficaz “Marta foi à cozinha
pois queria ver belo jogo de xícaras”. E até
mesmo alguns, também de sua lavra, com todos os acentos,
como: “Hoje à noite, sem luz, decidi xeretar a quinta
gaveta de vovô: achei lingüiça, pão e fubá”.
Criativo, o rapaz.
Em português, o melhor pangrama teria que fazer sentido, ter
o menor número de letras, sem nomes próprios (pelo
menos sem nomes “inventados” ou em outros idiomas),
com “c cedilha” e todos os caracteres acentuados (ou,
pelo menos, todos os acentos) e apenas com palavras dicionarizadas
(por exemplo, no Houaiss).
Se alguém se arriscar a criar um destes, mande que eu publico
e dou crédito.
B.
Piropo