A
primeira Coluna do Piropo chamou-se Trilha Zero. Foi publicada
em março de 1991. Já lá se vão quase
doze anos, uma eternidade em informática. Ela descrevia
meus primeiros entreveros com o computador, os sofrimentos e agruras
a que fui levado por mera ignorância e os alvitres usados
para adquirir conhecimento. E oferecia aos leitores uma fonte
para sorver algum deste conhecimento. Se você é saudosista,
ainda pode encontrá-la em meu sítio, na seção
Escritos - Coluna
do Piropo/Trilha Zero 1991. Acabei de lê-la
e, confesso, bateu uma tristeza funda em meu coração.
Uma tristeza à qual eu, sexagenário que sou, já
deveria ter me acostumado: sentir de relance o gosto de um tempo
bom que se foi.
Há uma década o computador era uma máquina
misteriosa que precisava ser desvendada para ser usada. Havia
que conhecer comandos arcanos, saber lidar com eles, digitá-los
corretamente e, quando algo dava errado havia que saber interpretar
as misteriosas mensagens de erro. Poucos se arriscavam a usá-lo.
E eu procurava ajudá-los.
Hoje, o computador continua uma máquina misteriosa. Mas
para usá-lo basta mover um mouse sobre uma superfície
plana e apertar um par de botões. Os erros continuam ocorrendo,
mas a atitude do usuário mudou. Os do século passado
preocupavam-se em conhecer suas causas para eliminá-los
e seguir adiante com a satisfação de haver resolvido
o problema. Os deste século se preocupam apenas em ter
o problema resolvido, de preferência sem sua intervenção.
Já não querem mais ajuda.
Os usos também mudaram. Os micros transformaram-se em dispositivos
de comunicação e isso alterou completamente o universo
micreiro. É claro que a transformação foi
para melhor. Antes, para escrever sobre uma nova tecnologia, eu
teria que me munir de uma pilha de livros para estudar seus fundamentos
e outra pilha de revistas técnicas e press-releases
atualizados para abordar os detalhes novos. Gastava dias de trabalho
insano e sempre acabava faltando algo. Hoje, para fazer a mesma
coisa, com uma conexão de Internet rápida e o Google,
bastam algumas horas para produzir um texto com um nível
de detalhes e atualização infinitamente maior. Um
pouco de prática no uso da Internet, algum conhecimento
e um mínimo de habilidade para manejar as ferramentas de
busca facilitaram extraordinariamente a labuta no ofício
de informar.
Mas a Internet trouxe também os blogs, fotologs e outros
logs. Eu, que pouco me interesso pela vida alheia e não
faço o menor gosto em divulgar a minha, jamais os freqüentei.
Não vejam nisso nenhum desprezo pelos que os produzem ou
os freqüentam. Respeito seu gosto e louvo seu trabalho para
manter o universo informado sobre os importantes detalhes de suas
vidas diárias. Mas ainda sou daqueles que preferem usar
a rede para obter informações factuais. E fornecê-las,
claro. Por isso, em vez de um blog, mantenho há anos o
Sítio do Piropo em <www.bpiropo.com.br>
cuja única finalidade é divulgar informações
técnicas sobre micros, dicas sobre uso de programas e coisas
que tais. Coisas úteis para aqueles que não se satisfazem
em saber que o problema foi resolvido mas fazem questão
de saber como resolvê-lo. Felizmente, ainda há um
bocado de gente assim.
Há alguns anos, em uma palestra sobre tecnologia (sim,
uma das minhas atividades preferidas é ministrar palestras),
um jovem me perguntou pelo futuro do microcomputador. Bem, respondi
eu, essa é fácil: em breve desaparecerá.
O jovem estranhou, indagando: não haverá mais microcomputadores?
Mas claro que haverá, respondi. Eles desaparecerão
não por cessarem de existir, mas por cessarem de serem
vistos. Estarão em tantos lugares que passarão despercebidos:
nos telefones, nos fornos de micro-ondas, nas agendas de mão,
nos óculos, nos brinquedos, nas TVs, nas jóias,
até mesmo em nossas roupas. Serão tão ubíquos,
de tal forma onipresentes, que mal repararemos neles.
Quando desaparecerem, ninguém mais se preocupará
em saber como funcionam. Como estas esferográficas baratas
(por que aquela tinta não vaza?), quando pararem de funcionar,
descarta-se e compra-se outra. Em breve faremos o mesmo com os
computadores (na verdade, já o fazemos: esses cartões
de Natal musicais contém um microprocessador,
ou seja, o cerne de um computador, e são descartáveis).
Em suma: computadores são uma espécie em extinção.
E quando se extinguirem, não haverá mais necessidade
por absoluta falta de interesse de uma coluna como
esta. Então, extinguir-me-ei também.
Ao fim e ao cabo, para usar os termos da moda sou, tipo
assim, um dinossauro...
Feliz 2004.