Sítio do Piropo

B. Piropo

< Trilha Zero >
Volte de onde veio
05/03/2001

< Uma Década >


“Meu primeiro micro tinha um BASIC permanente. Cavalgando essa maravilha da moderna tecnologia, armado com seus singelos oito bits e com o cego entusiasmo dos inocentes, comecei a desbravar a tenebrosa selva da informática a destemidos golpes de BASIC.

“Mantinha com a máquina uma relação amistosa, porém carregada do respeito místico que o desconhecimento impõe. Intimidades, nem pensar. Qualquer tentativa mais ambiciosa era imediatamente fustigada com mensagens ameaçadoras, prenhes de significados ocultos. O primeiro confronto com "Abort, Retry, Ignore" me obrigou a decidir entre três opções terrivelmente drásticas. O primeiro "Fatal error" me fez sentir um homicida. A cada "Bad command or filename" me sentia como o garotinho repreendido pela professora sem nem saber ao certo que erro tinha cometido...

“Mas fomos seguindo adiante, eu e minha máquina. Experiências inesquecíveis foram vividas. Muitas, gratificantes. Algumas, traumáticas.

Isso que vocês acabaram de ler foram as primeiras linhas da primeira Trilha Zero publicada em de 04 de março de 1991 na edição inaugural deste caderno. O título era “Tudo o Que Você Queria Saber Sobre Micros e Tinha Medo de Perguntar” e, se quiser lê-la inteira, visite minha página em <www.bpiropo.com.br> onde ela permanece disponível, juntamente com todas as demais bobagens que tenho insistido em escrever nestes últimos dez anos.

Até então eu era um homem de uma só cara, como convém: um engenheiro especialista em controle da poluição hídrica que foi surpreendido pelo convite da Cora Rónai para escrever uma coluna sobre informática no caderno especializado que o Globo pretendia lançar. Convite que o bom senso recomendava recusar. Mas, como é da natureza humana que toda vez que se travar uma batalha entre o bom senso e a vaidade será sempre a vaidade a emergir vitoriosa, acabei por aceitar. O problema era como assinar, já que não seria recomendável que um especialista em saneamento subitamente passasse a assinar colunas sobre um tema tão alheio a seu campo de trabalho. A solução foi desarquivar o nome do meio, até então resumido a mera inicial em meus cartões de visita, fazendo nascer o B. Piropo há exatos dez anos.

De lá para cá vi muita coisa acontecer. Vi, para minha infinita surpresa, em um par de anos o colunista desconhecido conquistar mais respeito e admiração profissional que o engenheiro que devotou uma vida à sua especialização (não é uma queixa, é uma mera constatação do poder da mídia, já que ninguém melhor que eu sabe que o conhecimento técnico do colunista, até hoje um amador da informática, não passa de uma fração daquele adquirido pelo engenheiro em árduos quarenta anos de estudo e experiência profissional na sua especialidade). Vi o computador evoluir de uma ferramenta de especialistas para um eletrodoméstico inserido na vida diária de todos nós. Vi a Internet crescer e disseminar-se a ponto de mudar o comportamento da sociedade. Vi extinguir-se a malfadada reserva de mercado e os computadores deixarem de ser um sonho inacessível para tornar-se apenas caros. E vi minha vida mudar um bocado. Felizmente, para melhor.

Devo essa mudança à Cora Rónai, de quem tive o privilégio de passar de fã a amigo (sem, contudo, deixar de ser fã, isso vai sem eu dizer). Mas não somente a ela: devo também a vocês, que pacientemente dedicam alguns minutos de sua suada manhã de segunda para ler as bobagens que há dez anos teimo em escrever nesse canto de página. E, tendo sido a mudança grande e para melhor, a dívida excede em muito a minha capacidade de saldá-la. Resta-me então apenas o recurso de agradecer. Obrigado, portanto.

Mas, dentre tantas que mudaram, duas coisas permanecem como no início. A primeira é meu prazer em escrever esta coluna. Acreditem: nesses dez anos, pode ter me faltado inspiração e, reconheço, algumas vezes sentei-me em frente ao teclado em cima da hora de enviar a coluna sem ter idéia sobre o que escrever. Mas prazer jamais me faltou. E, mesmo tendo que entregar religiosamente uma coluna por semana, jamais encarei isso como uma obrigação, sempre um prazer.

A outra coisa que permanece imutável é meu espanto sempre que me dou conta do quão pouco sei sobre aquilo que escrevo. E, já que abri esta coluna com os parágrafos iniciais da primeira, vou encerrá-la citando seu parágrafo final: “Pois, quanto mais aumenta o meu conhecimento, mais me assombra o tamanho de minha ignorância”...

B. Piropo