Sítio do Piropo

B. Piropo

< Coluna em Fórum PCs >
Volte
15/05/2006

< A Dell, o sistema e eu... >


Por artes do destino sou colunista de informática há mais de quinze anos. Nestes três lustros tenho escrito sobre quase tudo o que me dá na veneta, desde a análise de produtos até temas genéricos como a utilidade do computador para as pessoas de terceira idade ou portadoras de deficiências. O que será que me leva a fazer isso?
Bem, posso encontrar dezenas de razões para justificar as colunas e artigos que venho perpetrando por todos esses anos. Mas há uma que é tão mais importante que, sozinha, vale por todas as demais: escrevo sobre computadores porque gosto.
O problema é que essa razão pode ser bastante para mim mas seguramente não basta para vocês. Fazer aquilo que se gosta é muito bom e justifica qualquer atividade, desde que não seja pública. Para justificar atividades públicas, ou seja, aquelas submetidas à atenção de terceiros, é preciso algo mais do que gostar de praticá-la. E a atividade de colunista de informática é, indiscutivelmente, pública.
Então como justificá-la diante de vocês? O fato de eu gostar ou não de escrever colunas não tem a menor importância para quem as lê. Ou será que você estaria lendo estas mal traçadas apenas porque eu tive algum prazer em escrevê-las?
Acredito que, antes de qualquer outro motivo, você está lendo esta coluna porque lhe interessa. O que não quer dizer que você concorde com o que eu escrevo, como ficou claro nas últimas três colunas, mas simplesmente que se interessa pelo assunto. Depois, porque espera ter algum benefício com o que está lendo. Qualquer benefício, não importa qual, mas certamente algum benefício.
Que tipo de benefício? Bem, pode ser o prazer de aprender algo novo. Ou de encontrar um ponto de vista que coincide com o seu. Ou de se divertir com alguma bobagem que eu tenha escrito. Não importa o que seja, mas se você vem beber nesta fonte, certamente é porque espera que o sabor lhe agrade.
Trocando em miúdos: eu escrevo porque tenho prazer em fazê-lo e você lê porque lhe agrada. E, por favor, não conclua que minha reconhecida falta de modéstia me leva a crer que o que escrevo é assim tão prazeroso de ser lido por todo o mundo, muito pelo contrário. Mas o parágrafo anterior foi dirigido especificamente a você, que o leu. Sei que o que escrevo é desprezado por uma legião de pessoas muito maior que aquela que se interessa por estas bobagens mas afinal, se você as está lendo, ou isso lhe agrada ou é masoquista. Acredito na primeira hipótese.
Mas – e fui levado a refletir sobre este ponto após as últimas três colunas aqui publicadas – será que se trata apenas de uma questão de prazer de escrever de minha parte e prazer de ler da sua? Será que as colunas não poderiam ter alguma utilidade? E, se verdadeiro, que utilidade poderia ser esta? Como fazer com que uma coluna sobre informática seja “útil”? Como aferir esta utilidade?
Pois deixemos de blá-blá-blá e vamos a um exemplo antes que você desista de prosseguir a leitura e eu ganhe mais um ex-leitor que se somará aos tantos que acumulei recentemente nas hostes dos defensores do Linux.
Seguinte: em setembro do ano passado, mais precisamente no final de semana correspondente aos dias 24 e 25 daquele mês, a < http://www.dell.com.br > Dell Brasil anunciou em seu sítio um computador Pentium 4/670 de 3,8 GHz por menos de dois mil reais. Um preço que pode ser considerado uma pechincha até mesmo hoje, oito meses depois, em plena era do núcleo múltiplo. Como era de esperar, recebeu um número considerável (não divulgado) de ordens de compra, todas aceitas pela empresa através de mensagem de correio eletrônico enviadas aos compradores com o respectivo código de confirmação do pedido. E, na semana seguinte, todas canceladas sob a alegação que o preço publicado estava equivocado. Justificativa: “erro do sistema”.
Naquela semana e na seguinte recebi dezenas de mensagens de compradores revoltados com o cancelamento. E o assunto me pareceu tão despropositado que, depois de investigar o que de fato havia ocorrido, publiquei em 17/10/2005 a coluna “Erro de Sistema” no jornal O Globo, onde então escrevia.
A coluna ainda está disponível no < http://www.bpiropo.com.br > Sítio do Piropo, seção “Escritos – Coluna do Piropo/Trilha Zero – 2005”. Mas vou poupar-lhe o esforço de lê-la dando aqui um resumo de seu conteúdo:
Comecei relatando o ocorrido. Depois, busquei uma definição de “sistema” que coubesse no contexto alegado pela Dell e concluí que se tratava de seu (dela, Dell), sistema gerenciador do banco de dados, portanto um programa de computador. E concluí afirmando que programas de computador não erram, quem erra é o programador ou o operador. Que, no caso, ou seria um funcionário da própria Dell ou de uma empresa à qual o serviço porventura tivesse sido terceirizado por ela, portanto alguém contratado ou subcontratado pela Dell. O que fazia com que a Dell, e não o sistema, fosse responsável pelo erro (caramba, agora me dei conta que consegui resumir em um parágrafo tudo o que realmente importava de uma coluna inteira! Acho que tenho andado muito prolixo ultimamente...)
Teria aquela coluna sido útil? Vamos ver.
Semana passada recebi por correio eletrônico a mensagem de uma leitora informando o resultado de uma ação judicial. Os dados são públicos (estão disponíveis no sítio do < http://www.tj.rj.gov.br/ > Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e para ter acesso a eles basta visitar o referido sítio, entrar na caixa de entrada de dados “No Processo” do grupo “Consulta a processo” com o número 20058001812878, manter na caixa “Origem” a entrada “Primeira Instância” e clicar em “Pesquisar”), portanto não estou violando a privacidade de ninguém ao divulgá-los aqui: trata-se da ação indenizatória movida por Paulo Roberto Martins Pacheco contra a Dell Inc. do Brasil Ltda que foi julgada procedente pelo M.D. Juiz Flávio Citro, do 2º Juizado Especial Cível do Rio.
Quem desejar mais detalhes sobre a referida ação pode obtê-los diretamente no próprio sítio do Tribunal de Justiça. Basta clicar em qualquer notícia do Informativo TJ (ao alto, à esquerda da pagina principal) e, já na página da Assessoria de Imprensa do TJ, selecionar o mês de maio de 2006 no campo “Índice de notícias” (ao alto, á direita) e na página referente a maio de 2006 clicar na notícia “Dell é condenada a cumprir oferta anunciada na internet” (ou clicar diretamente neste
< http://www.tj.rj.gov.br/assessoria_imprensa/noticia_tj/2006/05/nottj2006-05-31_iii.htm >
atalho). Para quem não quiser se dar ao trabalho de lê-la inteira, aqui vai uma coletânea de seus trechos mais relevantes:
“Oito meses depois de se recusar a cumprir uma oferta anunciada em seu site, a Dell Computadores do Brasil sofreu mais uma derrota na Justiça. Sentença proferida pelo juiz Flávio Citro, do 2º Juizado Especial Cível do Rio, obriga a empresa a entregar dois computadores OptiPlex GX620 pelo preço de R$ 2.216,68 e R$ 1.919,68, respectivamente, a Paulo Roberto Martins Pacheco. O consumidor ganhou ainda o direito a uma indenização de quatro salários-mínimos federais por danos morais.
“Ano passado a Dell pôs à venda os dois modelos equipados com processadores Pentium 4/670 de 3.8GHz. A oferta provocou um número considerável de compras, entre elas, as de Paulo Roberto.
“Para a surpresa do consumidor, no dia 29 do mesmo mês, a Dell do Brasil, através de mensagem eletrônica, comunicou o cancelamento da venda alegando que o preço contratado estava equivocado. O problema teria sido provocado por um “erro de sistema”.
“O juiz afirma na sentença que chegou a realizar diligência pessoal na página da Dell do Brasil na internet.
“Ainda de acordo com a sentença, a conduta da empresa, ao descumprir o contrato e desonrar a oferta, traz insegurança ao mercado virtual. A Dell terá que expedir o boleto bancário relativo à venda das máquinas em oferta e enviá-lo ao endereço de Paulo Roberto no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária de R$ 1 mil”.
Em suma: a Justiça concluiu que se o sistema errou, a culpa é da Dell, que portanto além de honrar o compromisso assumido, deve indenizar o consumidor por danos morais.
Mas o que tem tudo isto a ver com minha coluna?
Bem, a notícia da Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (que foi transcrita integralmente no < http://oglobo.globo.com/online/tecnologia/mat/2006/05/31/251684837.asp > Globo Online de 31/05/2005 sem citar a fonte) menciona o resultado do processo e cita a sentença, mas não integralmente. O que é natural, já que ela tem ao todo dezenove páginas e por isso ainda não foi transcrita no sítio do TJ (mas, segundo eu soube, o será em breve). Porém eu obtive uma cópia, da qual me permito citar um trecho. E antes de prosseguir: sim, eu sei que louvor em boca própria é vitupério, mas quem escreveu o que está abaixo transcrito ipsis litteris não fui eu, foi o juiz Flávio Citro ao lavrar a sentença, portanto me eximo de qualquer responsabilidade sobre o texto – que, incidentalmente, cita igualmente este Fórum PCs. Aqui vai um trecho da sentença transcrito textualmente:
“Portanto, se é verdade que à luz dos artigos 5o da Lei 9099/95 e 6o, VIII, do CDC e 335 do CPC, não podemos solucionar questões técnicas pelas regras de experiência comum, não menos verdadeira também, é a valiosa autorização para que o juiz do JEC se valha do conhecimento técnico de experts que são formadores de opinião nos seus segmentos de especialização.
“É exatamente o caso da coluna especializadíssima de B. Piropo do “Globo”, um exemplo didático da previsão contida no art. 35 da Lei 9099/95, a fornecer conhecimento técnico para formação da convicção do juiz no julgamento de causas que exijam conhecimento especializado de informática.
“Em relação a B. Piropo, no quesito “confiança técnica”, há unanimidade. Desde 1991, colabora com o caderno Informática Etc. do Jornal O Globo, mantém as colunas Trilha Zero e MicroCosmo, além das colunas nas revistas Ele e Ela e Mulher de Hoje, ambas da Editora Bloch; responde cartas de leitores sobre questões técnicas e escreve artigos eventuais sobre software e hardware e possui dois livros publicados sobre informática, ambos editados pela Editora Campus: XTREE, XTREEPRO, XTREEGOLD e OS/2 2.0 - GUIA BÁSICO DA WORKPLACE SHELL. Participa do programa CBN Informática de rede nacional e na Rádio CBN e do programa Informática e Negócios, na TV Manchete, cobrindo os principais eventos de informática no país e no exterior. B. Piropo também é docente da PUC/RJ e da UniverCidade/RJ, dois centros de educação em informática no Brasil. É, portanto, no mercado técnico de informática, uma preferência nacional:

<www.forumpcs.com.br - <em>ATIVIDADES ENCERRADAS EM 2012</em>>
http://oglobo.globo.com/jornal/colunas/dpiropo.asp
,
http://jornal.onorteonline.com.br/terca/bpiropo.htm,
http://www.disquepiropo.com.br.
“E é por essa razão que, para a correta compreensão da lide, temos que nos valer da análise madura de B. Piropo ( www.bpiropo.com.br ), senão vejamos:”
E, a partir daí, o magistrado transcreve, no corpo da sentença, o texto integral de minha coluna “Erro do sistema” (quem quiser consultar a íntegra da Sentença, visite o Sítio do Piropo e procure um atalho para ela nesta mesma coluna quando lá for publicada).
E, ao final da sentença, profere:
“Pelo exposto, julgo procedente em parte o pedido para condenar a reclamada a pagar a quantia líquida de 4 (quatro) salários-mínimos federais da data do efetivo pagamento a título de dano moral, e concedo tutela antecipada para que a ré entregue os DOIS computadores OptiPlex GX620, gabinete MT, processador Intel Pentium 4670, com processadores de 3.8) GHZ, 1.0 GB de memória, HD de 160 GB, gravador de DVD e mouse ótico e OptiPlex GX620, gabinete MT, processador Intel Pentium 4670, com processadores de 3.8) GHZ, 1.0 GB de memória, HD de 80 GB, gravador de DVD e mouse, pelo preço de R$ 2.216,68 e R$ 1.919,68, respectivamente, bem como para que a ré expeça boleto bancário, para o endereço do autor constante da inicial, no prazo de até 10 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, na forma dos artigos 461, 644 e 645 do CPC. Sem custas e honorários. Publicada essa em audiência de leitura de sentença em 26.05.2006 às 17:00h”
Para quem não sabe: conceder “tutela antecipada”, na prática, significa que a Dell deve cumprir a sentença imediatamente (ou seja, pagar a multa e fornecer os dois computadores ao preço por ela anunciado) independente de qualquer recurso que porventura venha a interpor.
Em suma: como a sentença já foi publicada há mais de uma semana, o Sr. Paulo Roberto Pacheco já deve estar – ou muito brevemente estará, pois não creio que a Dell esteja disposta a pagar multa diária de mil reais – de posse de seus dois computadores.
Então, voltando ao tema desta coluna: podem colunas sobre informática ser de alguma utilidade? Bem, pelo menos a coluna “Erro do sistema” parece que foi. Que o diga o Sr. Paulo Roberto Martins Pacheco.
Porém, como eu já havia mencionado na coluna anterior, o conceito do que é ou não útil é extremamente relativo. Se lhe restar alguma dúvida, especificamente no que toca à possível utilidade ou não da coluna citada, pergunte a algum representante da Dell...

 

B. Piropo