Volta e meia um atendente me diz que algo falhou por “erro do sistema”. Sua função é repassar informações. Ele crê que “o sistema” é uma entidade que cuida da organização e administração da empresa em que trabalha e, às vezes, erra. E, conforme consigo depreender pelo tom da resposta, como “o sistema” é um ente abstrato e por isso inimputável, a empresa se exime de qualquer responsabilidade pois a culpa não é dela nem de seus empregados, é “do sistema”. Costumo desculpar a resposta idiota. Afinal, o atendente não é do ramo e para ele o sistema é um ser misterioso e, sobretudo, autônomo.
Quarta-feira passada a seção “Defesa do consumidor” do caderno de Economia publicou o artigo “Descrédito no comércio virtual”. Eu já havia recebido uma penca de mensagens sobre o assunto mas não tinha me pronunciado por se tratar de tema mais ligado à defesa do consumidor que à tecnologia. Para quem não sabe do que se trata, aqui vai um resumo:
Durante o final de semana de 24 e 25 de setembro último o sítio da Dell Brasil (< www.dell.com.br >) pôs à venda um Pentium 4/670 de 3.8GHz por menos de dois mil reais. A sedutora oferta gerou um número considerável de compras, aceitas e confirmadas pela empresa através de mensagens de correio eletrônico com o respectivo código de confirmação. Não obstante, na semana seguinte os compradores receberam nova mensagem cancelando a venda (já aceita e confirmada) alegando que o preço não condizia com a realidade. Justificativa: “erro do sistema”.
Bem, agora a coisa é diferente. Não se trata do garçom do botequim ou do atendente do magazine, trata-se da Dell, uma empresa ligada à área de alta tecnologia, tentando eximir-se de suas responsabilidades apelando para a alegação de “erro do sistema”. O que agrava o prejuízo agregando-lhe insulto.
Então vamos lá: quem ou o que é “o sistema”? Bem, a palavra tem tantas aplicações em informática que o “Dicionário Enciclopédico de Informática” de Fragomeni dedica quase doze páginas a ela. Mas, na acepção usada pelo garçom do botequim, pela atendente e pela Dell, é uma abreviação de “Sistema Gerenciador de Banco de Dados”, um aplicativo programável cuja finalidade é manejar uma grande quantidade de dados e informações. Em suma: um programa de computador. No caso, o que gerencia as vendas da Dell.
Sistema erra? Infelizmente, não. E a razão é simples: computadores são máquinas burras demais para cometerem erros. Pois o erro é conseqüência do arbítrio, um mau julgamento. E computadores até são capazes de tomar decisões, desde que os critérios sejam pré-estabelecidos. Julgar, jamais. Por exemplo: diante do critério “se a média das notas for igual ou maior que sete, o aluno é aprovado” um computador não pode decidir se aquele aluno em particular, de média 6,9, merece o arredondamento de um décimo pelo interesse demonstrado em classe. Para isso é necessário o arbítrio do mestre. Que pode ou não fazer um bom julgamento, cometer um acerto ou um erro. Um computador, jamais. Falta-lhe inteligência para errar. Portanto não há como responsabilizá-lo pelas barbaridades que comete. Como vender por menos de dois mil reais um computador que a concorrência vende pelo dobro.
Então, de onde vêm os “erros do sistema”? Bem, como sabemos, sistema é um aplicativo programável. Alguém o programou. E o erro seguramente foi cometido por essa pessoa, não pelo sistema. Afinal, sabemos todos, errar é humano. E máquinas não são humanas.
Quem é essa pessoa? Ora, como o sistema administra as vendas da Dell, certamente trata-se de um contratado da Dell. Ou de um subcontratado de um seu contratado ou algo parecido. Mas, seja quem for, é alguém em que a Dell confia tanto que lhe dá a missão de gerenciar o preço de suas vendas. Há então uma relação de confiança e responsabilidade mútua entre ele e a Dell. O que faz da Dell a responsável pelos erros do sistema.
A Dell é uma empresa cujo sucesso deve-se a uma política baseada sobretudo em satisfazer o cliente. Que eu saiba, foi a primeira a vender computadores “sob medida” pela Internet. Não creio que por alguns milhares de reais ela arrisque o conceito que levou anos para construir negando-se a assumir uma responsabilidade que claramente lhe compete.
Acredito que ela honrará o compromisso assumido. E aposto que isso será feito assim que Michael Dell souber o que a Dell Brasil está tentando fazer com seu nome.
Afinal, o nome não é só da empresa, é dele também...
B. Piropo