Visão Digital: Vandalismo
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Imagine
que, depois de muito sacrifício, o dono de uma casa humilde conseguiu
realizar um sonho antigo e enfeitou a fachada com um delicado vitral
representando uma paisagem. Era realmente um trabalho bonito e ele
o exibia com enorme prazer para as visitas. Um certo dia, um jovem
que por ali passava de madrugada estilhaçou o vitral a pedradas
e fugiu antes de ser identificado. O jovem não conhecia o dono do
vitral e portanto nada tinha contra ele. Seu ato foi totalmente
desprovido de coragem: a rua estava deserta e ele não poderia ser
surpreendido. A imagem do vitral não tinha nenhum significado político
e não poderia ofender ou atingir os brios de quem quer que fosse.
Não havia nenhuma razão para que ele fizesse o que fez exceto a
vontade de fazê-lo e, eventualmente, o desejo de mais tarde, em
seu grupo de amigos, gabar-se por ter sido o autor daquela ação.
Pergunto:
como você classificaria o ato do jovem? O que diria de seu caráter? Eu não sei qual foi sua resposta, mas imagino. Afinal, arruinar
deliberadamente o produto do trabalho alheio e destruir o fruto
do esforço de desconhecidos pelo simples prazer de fazê-lo certamente
não é uma ação digna de admiração. Provavelmente você encara com
merecido desprezo quem é capaz de praticar um vandalismo desta natureza.
E com justa razão. Agora diga-me lá: o que você acha de uma pessoa capaz de
desenvolver um vírus de computador como o ILOVEYOU que recentemente
contaminou centenas de milhares de máquinas em todo o mundo em menos
de uma semana? Se você nutre por ele algum respeito e o admira por sua engenhosidade
e perícia na arte da programação, pense mais um pouco e responda:
em que, essencialmente, sua ação difere da do jovem do primeiro
parágrafo? Ao que parece, e por razões para mim incompreensíveis, há
uma diferença na forma pela qual a sociedade encara o vândalo que
quebra o vitral e prejudica uma pessoa e o que espalha um vírus
e causa um prejuízo incalculável a centenas de milhares de pessoas.
O primeiro é tido como um bárbaro e desprezado. O segundo adquire
uma aura romântica e chega a ser admirado. Quais seriam os motivos
dessa diferença? O fato de que o autor do vírus lida com tecnologia talvez
tenha alguma influência. Mas se tem, certamente ela é fruto da ignorância.
Pois a admiração que o “homem comum” dedica a quem domina uma tecnologia
que ele desconhece é filha do mesmo sentimento que faz com que o
selvagem atribua poderes divinos a qualquer pessoa que tenha uma
arma de fogo: o medo do desconhecido. Pois o “homem comum” não sabe
que para desenvolver um vírus não é preciso ser nenhum gênio da
informática, muito pelo contrário. Basta ter noções elementares
de programação e alguma falta de caráter. Além disso, ao que parece, há também uma vaga admiração pelo
aparente “poder” de quem é capaz de atingir tanta gente em tantos
lugares diferentes em tão pouco tempo. É como se o indivíduo fosse
quase onipotente e onipresente. Mas quem pensa assim desconhece
que o poder está no meio que disseminou o vírus, a Internet, e não
nas mãos do indivíduo que o criou. Que pode ser qualquer imbecil
com conhecimentos mínimos de informática e acesso a um computador
e uma linha telefônica. Em suma, por mais que se procure razões, sempre há de se
chegar à mesma conclusão: o respeito e a admiração que alguns nutrem
por pessoas que desenvolvem vírus é sempre fruto da ignorância e
do desconhecimento. Porque, ao fim e ao cabo, o autor de um vírus
não é muito diferente de quem apedreja um vitral, de quem picha
uma parede, de quem destrói um orelhão. São todos vândalos de igual
calibre que causam danos por vezes irrecuperáveis a pessoas que
ele nem conhece e que não lhe fizeram mal algum. Portanto, se por acaso você nutria por estes biltres algum
admiração, reconsidere. Eles não a merecem. E se são dignos de que
você lhes dedique algum sentimento, este sentimento não pode ser
outro que não pena ou desprezo.
B.Piropo |