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20/04/1998
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Para que vocês tenham uma ideia de como são as coisas em Lima, cada vez que desço de um taxi sinto saudades do trânsito disciplinado do Rio e de seus motoristas mansos e pacíficos. Ao que parece as autoridades daqui lograram alcançar uma gigantesca simplificação, baseando toda a circulação de veículos em uma única regra: tem sempre a preferência o motorista que exibir mais coragem ("cojones", na gíria local). Com isto, a simples ação de atravessar um cruzamento é mais prenhe de emoção que a mais selvagem montanha russa de parque de diversões. Porque da montanha russa ninguém se surpreende de sair ileso. Já dos taxis de Lima, cada vez que desço incólume de um, renovo a certeza de que não somente Deus existe como ultimamente tem me dedicado uma deferência toda especial. Taxis, por aqui, são um assunto fascinante. Aparentemente, não há nenhum tipo de regulamentação para tal atividade. Ou, se há, ela é solenemente ignorada - como quase todo tipo de regra, código, preceito, ditame, estatuto, fórmula, regulamento, mandamento ou qualquer outra tentativa de disciplinar o comportamento humano. O que faz com que qualquer pessoa que assim o decida possa transformar em taxi qualquer veículo mediante o simples gesto de afixar no parabrisa um plástico com a palavra "Taxi". Como não há taxímetros, cada corrida (termo que, aqui, é sempre tomado ao pé da letra) impõe uma detalhada negociação para fixar o preço. A primeira constatação é que há duas tarifas: com e sem sotaque. Quanto mas evidente o sotaque, maior o preço. O que cria um interessante indicador para aferir a qualidade do portunhol que nosotros brasileros hablamos por acá: o fato de obter tarifas quase iguais às dos nativos para as mesmas corridas é indício seguro que o meu melhora celeremente. O interessante é que esta atitude blasé em relação a regras e regulamentos se estende para muito além do trânsito. Algo particularmente instrutivo é examinar os efeitos deste desdém quando aplicado ao terreno da comercialização de software. Dia destes, indaguei dos colegas do escritório local pelo comércio especializado em informática. Fica no Centro de Lima, disseram. E com a gentileza típica do povo daqui (sem ironia: são mesmo extremamente gentis, especialmente com brasileiros), na hora do almoço um deles me levou até lá. E descobri um lugar tão fascinante que acabei perdendo o almoço enquanto o percorria. Trata-se do Centro Garcilazo de la Vega, uma construção ampla, de quatro pavimentos, no número 1261 da Avenida de mesmo nome, bem no Centro de Lima. Um mercado persa da tecnologia. Depois, soube que nos arredores há diversos no mesmo estilo: uma espécie de cruzamento de centro comercial com aqueles mercados de artesanato típicos do Nordeste brasileiro. Um labirinto de corredores, cada um com dezenas de pequenas lojas, uma ao lado da outra. A maioria não passa de um balcão e um pequeno recinto de quatro ou cinco metros quadrados com prateleiras onde se encontra de tudo, desde placas-mãe relativamente obsoletas até componentes eletrônicos dos mais diversos tipos e das mais obscuras origens. Muitas das lojas são pequenas gráficas com quatro ou cinco micros acoplados a um scanner e rodando um programa gráfico. A clientela, sentada ao lado do operador, vai orientando a feitura do impresso. A produção se estende de cartões de visita a panfletos de propaganda, passando por elaboradíssimas capas de livros. Tudo impresso na hora, a cores, na frente do freguês. Há também os centros de digitação. Por um Novo Sol (cerca de R$ 0,40), digita-se e imprime-se uma página. Há dezenas de lojas oferecendo o serviço. Tudo isto misturado com oficinas para conserto de micros, venda de peças, o diabo. Mas o que mais me impressionou foi o comércio de software. É claro que se você fizer questão consegue pagar algumas centenas de dólares e comprar o produto na caixa. Mas tem que fazer mesmo muita questão. Porque por aqui a forma usual de comercializar programas é, digamos, um atendimento personalizado, de acordo com as necessidades do freguês. O que pode ser feito às claras, em dezenas de lojas abertas ao público, seja neste centro comercial como em diversos outros nos arredores. A coisa funciona assim: você chega ao balcão e pede o catálogo, um conjunto de páginas ensebadas pelo uso, com a lista dos títulos. Que vão desde o Office 97 até os jogos mais recentes, passando por programas gráficos, linguagens de programação, o que você desejar. E jogos, muitos jogos. Há, literalmente, milhares de títulos disponíveis. Alguns "pacotes" estão pré-gravados para facilitar a venda. Mas você pode montar um sob medida para suas necessidades, selecionando os programas que mais lhe interessarem. Quando o espaço total em disco alcançar a capacidade de um CD-ROM, ele é gravado na hora especialmente para você. Cada CD-ROM custa 25 Novos Soles, cerca de R$ 10. Qualquer que seja o conteúdo, não importando o número de programas nem os títulos escolhidos. Um negócio de fazer o Bill Gates chorar de tristeza... B. Piropo |