Escritos
B. Piropo
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Volte de onde veio
09/02/1998

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O portão da garagem abre-se ao reconhecer seu carro e fecha-se mansamente assim que você entra. Ao perceber sua chegada, a casa abandona o "modo morador ausente" e coisas começam a acontecer: a secretária eletrônica desliga-se e deixa piscando apenas o aviso de que há mensagens, a porta de acesso á cozinha destrava-se e o ar condicionado é acionado. Sensores de calor detectam sua presença e ajustam as luzes, acendendo-as assim que você entra em um cômodo e reduzindo a luminosidade nos que você deixou. Naqueles a que você não regressar dentro de alguns minutos, elas se apagarão. Na sala, o aparelho de som começa a tocar uma seleção de músicas do DVD assim que você entra, silencia quando você aponta o controle remoto para a TV mas recomeça a música ao perceber que o controle foi usado apenas para fazer a TV comandar o forno de micro ondas da cozinha para degelar o jantar e informar ao ar condicionado do quarto que deve permanecer ligado mesmo na sua ausência para que a temperatura esteja adequada quando você for se deitar. Depois do jantar você comandará o lavador de pratos através da própria TV, do computador, do receptor FM ou qualquer outro eletrodoméstico, já que todos interagem e são capazes de trocar comandos. E quando você for dormir, a casa entrará no "modo morador dormindo", disparando uma série de ações para poupar energia e ligando os sensores que eventualmente acionarão os alarmes contra ladrão. Regularmente todos os relógios da casa serão aferidos através de uma ligação telefônica e os aparelhos elétricos serão submetidos a um diagnóstico que acionará um aviso caso algum deles necessite de manutenção. Tudo isto automaticamente, sem nenhuma intervenção humana.

Um cenário futurista, sem dúvida. Que, no entanto, está muito mais próximo do que parece e ao alcance do consumidor de classe média. Pelo menos esta é a previsão do CIC (CEBus Industry Council), uma associação de indústrias criada em 1984 para pôr ordem no caos tecnológico gerado pelos primeiros controles remotos de televisões, videocassetes e caixas de comando de TV a cabo. Que consolidou-se quando seus membros perceberam que uma associação como aquela poderia ir muito mais longe, permitindo que os aparelhos elétricos de uma residência interagissem como elementos de um sistema, intercomunicando-se e comandando uns aos outros. Eles perderiam um pouco de sua individualidade, é verdade, mas ganhariam muito em funcionalidade, deixando de ser um aparelho isolado e se transformando em um "Network Product". E o melhor é que isto seria conseguido a custos baixíssimos. As grandes dificuldades estavam na padronização de dois pontos: o meio e a mensagem. Ou seja: a ligação física entre os componentes e os comandos que todos deveriam aceitar.

A primeira dificuldade está sendo transposta com o CEBus, ou Consumer Electronics Bus, o barramento que interligará os componentes e cuja padronização é o objetivo principal do CIC. O padrão, dada a grande diversidade entre os dispositivos a serem interligados (de uma simples lâmpada até um home theater), é bastante flexível e permite troca de informações e comandos através de meios físicos que vão desde a própria fiação elétrica da edificação até fibra ótica, passando por par trançado, cabo coaxial e comunicação por infravermelho ou rádio freqüência, além do "audio-video bus", um barramento ainda em estudos, específico para dispositivos de áudio e vídeo (se você estiver interessado em detalhes, procure-os em [http://www.cebus.org]).

O segundo empecilho está sendo removido com o desenvolvimento da CAL, ou Common Application Language, uma linguagem que padronizará a comunicação e os comandos que fluem no CEBus. Ela é definida no documento EIA-600 da Electronics Industry Association, que congrega praticamente toda a indústria eletrônica americana.

Segundo o padrão, qualquer aparelho pode ser o controlador, ou "cérebro" do sistema. Mas a escolha evidente é o computador doméstico. Por isto não é de estranhar que a indústria da informática tenha aderido com entusiasmo à HomePnP Task Force criada em 1996 para preparar a especificação "Home Plug and Play" que padroniza sistemas de automação doméstica através do uso da linguagem CAL e do barramento CEBus. O objetivo é transformar todo eletrodoméstico em um "network product", tornando-o capaz de interagir com os demais dispositivos da residência, se possível através da simples ligação à tomada elétrica e, eventualmente, a um ponto do barramento CEBus, sem necessidade de nenhum serviço adicional (daí o nome "Plug and Play").

Quando isto vai ocorrer, não sei. Mas desconfio que não demora muito. Consta que a Intel deve incluir suporte para a linguagem CAL em seus novos chipsets e o próprio Windows 98 pode embutir algumas de suas funções. Porque dentre os mais entusiasmados membros da HomePnp Task Force destacam-se a Intel e a Microsoft, que com seu insaciável apetite já não se contentam mais em controlar nossos micros. Agora estão de olho também em nossas torradeiras.

Prepare-se, então, para brevemente saborear torradas com GPF.

B. Piropo