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18/08/1997
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Eu gosto desta língua. Sobretudo por sua riqueza vocabular. Palavras, bem sei, são um pobre instrumento para traduzir emoções, mas dos idiomas que conheço o português é o que chega mais perto de conseguir. Por isto dedico a mais profunda admiração a Chico, Caetano e Gil, não só pela beleza melódica de suas músicas, mas sobretudo pela genialidade com que usam as palavras e brincam com elas. Sem falar no João Ubaldo. Dia destes (5 de agosto, para ser preciso), aqui mesmo no Globo, à propósito do incompreensível jargão usado por alguns cientistas sociais, Luiz Garcia escreveu algo que se aplica igualmente aos técnicos, especialistas e pseudo-gurus da informática. No (excelente) artigo "O que sai no jornal", dizia Garcia: "Uma parcela considerável, por conhecer bem sua especialidade e mal o idioma, acha que precisa inventar ou importar expressões para transmitir o seu pensamento. A propósito deste comportamento, pode-se também dizer que o vocabulário indecifrável seria jogada de poder - tanto quanto a algaravia de um pajé - ou tentativa de esconder a escassez de relevância". E note que ele se referia aos que conhecem bem sua especialidade e nem mencionou aqueles que, justamente por desconhecê-la, valem-se do linguajar técnico indecifrável e do uso indiscriminado de termos em inglês para camuflar sua ignorância. É certo que em uma ciência nova como a informática nem sempre se deve - ou se pode - traduzir tudo. Usar "aglomerado" no lugar de "cluster" pode até ser semanticamente correto, mas decididamente não soa bem. Assim como traduzir "byte" para "octeto" mais parece gozação. Como gozação parece traduzir "mouse" para rato, como fazem os irmãos d'além mar - mesmo porquê "mouse" é camundongo e não rato. Por outro lado, usar termos como "becapear" (de "back up"), "dounloudear" (de "download"), "crashar" (de "crash") e "abendar" (de "ab end", abreviação de "abnormal end") não é demonstração de cultura técnica, como pensam alguns, mas da mais pura e singela ignorância. Assim, falar sobre informática é correr permanente risco de cometer deslizes pavorosos no que toca ao mau uso do idioma. Imagine então escrever sobre informática, particularmente em um jornal de grande circulação. Há alguns anos comecei, de forma jocosa, a usar o verbo "espetar" para designar a ação de encaixar uma placa controladora em seu slot (outro termo que não vejo como traduzir, já que os da placa-mãe são muito mais que meras "fendas"). Pois bem: de uns tempos para cá tenho encontrado o verbo com a mesma acepção nas fontes mais surpreendentes, inclusive publicações técnicas. Moral da história: quem escreve sobre informática não somente corre o risco de errar como também, o que é pior, induzir os outros ao erro. Então, como proceder? Bem, eu uso o bom senso. Termos como "deletar", "displeiar", "ef-discar", "printar" e barbaridades semelhantes estão para sempre banidos destas mal (mas não tanto) traçadas linhas. Já outros são usados no original sempre que, mesmo existindo, a tradução deturpa o sentido ou, simplesmente, "cai mal" a ponto de fazer o vernáculo parecer ridículo (como no caso do "octeto" para "byte"). Por isto mantenho em inglês - e nem me dou ao trabalho de acrescentar aspas - palavras como mouse, slot, byte, bit ou cluster. E, mesmo um tanto contra a vontade, incorporo alguns termos já irremediavelmente aportuguesados, como "formatar" (que já existe no Aurélio, mas não no sentido de formatar um disco) e "diretório" (que também existe no Aurélio, mas não no sentido usado em informática). Em suma: emprego um critério que sei não ser infalível e com o qual muitos de vocês não hão de concordar, mas que foi o melhor que consegui engendrar e que procuro cumprir com seriedade dada a responsabilidade que sinto por escrever para tantos - e, sobretudo, tão bons - leitores. Isto tudo vem a propósito da estranheza que percebo quando uso o termo "sítio" para me referir àquilo que - seja na internet, seja em qualquer outro contexto - em inglês chama-se "site" (note que "site" não é o mesmo que "home page": um "site", ou sítio, é um local onde se encontra um conjunto de páginas, dentre as quais a "home page", ou página principal; e é sempre neste sentido que tenho empregado o termo "sítio"). Porque o mesmo critério que me leva a manter no original termos que seriam deturpados pela tradução, me obriga a traduzir aqueles para os quais existe uma tradução literal, exata e apropriada. Senão vejamos. Diz o Barsa: "site: s. sítio, situação, lugar, local, localização". Diz o Aurélio: "sítio: 1. Lugar que um objeto ocupa. 2... 3. Lugar, local, ponto". Então, se "site" é exata e rigorosamente "sítio" sem tirar nem pôr, por que tanta estranheza quando uso "sítio" ao me referir a "site"? Sei que esta minha luta pela preservação do idioma é um tanto inglória. Mas, como disse, gosto da língua e procuro tratá-la o melhor que posso. Os que não concordam com o que chamam de meu "excesso de purismo" alegam que a língua é uma coisa viva e que não se pode impedir que evolua. Tudo bem, eu sei que é viva. Mas nem por isto é preciso pôr-se a agredi-la só para provar que é imortal. B. Piropo |