Escritos
B. Piropo
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07/07/1997

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Grande parte do tempo que passo em casa é gasto trabalhando. Mas de quando em vez é preciso parar - sob pena de mais nada produzir de útil por puro cansaço. Mas parar somente não basta, já que a cabeça, acelerada, se aferra ao problema em que estava envolvida e querendo-se ou não continua a remoê-lo. Nestes casos é preciso estupidificar-se completamente, ocupando a mente com uma atividade totalmente inútil e desprovida de qualquer sentido lógico, algo absolutamente estúpido, que não exija o concurso de mais que três ou quatro neurônios e ainda assim à meia força. Quando isto ocorre, não apenas paro, mas ligo a televisão. Em geral dez a quinze minutos de TV são o bastante para esvaziar a cabeça de qualquer resquício de inteligência e prepará-la para mais algumas horas de trabalho profícuo. Chamo a isto de "resetar a mente".

Às vezes, porém, me dou mal. Semana passada, numa dessas, acabei me deparando com algo que prendeu minha atenção. Era um canal a cabo com pruridos educativos. O programa, um documentário científico nem tão antigo assim: tinha menos de dez anos. E, afinal, dez anos não são tanto tempo. Veja lá: um filmete sobre os hábitos sexuais do mico-leão, por maior que seja o avanço da permissividade e por mais safados que sejam os macacos, há de estar perfeitamente atualizado mesmo após dez anos. O mesmo ocorreria se o filme fosse sobre a aurora boreal ou as propriedades sonoras dos diapasões, campos nos quais, a exemplo da vida sexual dos macacos, têm havido avanços, mas não vertiginosos (abstendo-nos, evidentemente, de considerar o ponto de vista das macacas). Mas neste caso em particular, dez anos fizeram uma imensa diferença: o documentário era sobre computadores.

No começo, aquela velha ladainha: um computador se compõe de memória, CPU, dispositivos de armazenamento, de entrada e de saída. Parecia o rame-rame de sempre, até me dar conta de que o dispositivo de entrada era um vetusto teclado de oitenta teclas, o de armazenamento fita magnética e o de saída um monitor monocromático de fósforo verde. Foi a partir deste ponto que o filme passou a prender minha atenção. Por seu valor histórico.

O documentário destinava-se a divulgar as maravilhas que poderiam ser feitas com um computador pessoal, no caso um IBM PC - aparentemente um XT. Sentado em frente à máquina, um jovial professor revelava sua imensa utilidade e extraordinária facilidade de uso. No ponto em que comecei a assistir, ele se esforçava para demonstrar que aquela máquina aparentemente assustadora também servia para atividades de lazer: na tela, aparecia um tosco esquema do teclado de um piano e, premindo determinadas teclas no teclado do micro, tocava-se uma musiquinha qualquer - uma monocórdica seqüência de bips pelo alto-falante do XT, naturalmente, que na época placa de som ainda era um sonho futurista. Comparei o programa de lazer daqueles dias com os jogos atuais de última geração em 3D e som estéreo e comecei a achar que o filmete prometia. Deixei o micro de lado e aboletei-me em frente à TV. Não me arrependi.

A interface? De caracteres, naturalmente. O rapaz chegou até a comandar um DIR para mostrar como a coisa era simples e vi deslizar rapidamente na tela alguns nomes conhecidos, como Edlin, Graftabl e Recover. Depois, fez uma vibrante demonstração da imensa utilidade daquela máquina: o cálculo quase instantâneo do valor das prestações mensais de um empréstimo bancário conhecidos o principal, o prazo e a taxa de juros. E fê-lo em alto estilo: carregou um programa (sim, o velho Mortgage.Bas) chamando-o da linha de comando e entrou, um após outro, com os valores dos dados. Depois, um simples ENTER e, voilá: toda a tela cobriu-se com uma tabela que mostrava, além do valor desejado, dezenas de outros correspondendo a pequenas variações do principal e das taxas de juros, permitindo escolher a combinação mais favorável. E, maravilha das maravilhas: aquilo podia ser impresso para consultas posteriores, disse o jovem. Que passou da intenção ao gesto, imprimindo a tralha em uma medonha impressora matricial que repousava ao lado do micro.

Eu disse há pouco que a tela "cobriu-se com uma tabela", mas não informei com que rapidez aquilo foi feito. Porque, apesar da rápida seqüência, deu para perceber que cada caractere surgia no monitor individualmente. O que fez, sim, a tela negra cobrir-se de verde. Mas linha a linha, da esquerda para a direita e de cima para baixo.

E foi neste ponto que me dei conta de já haver visto aquela mesma cena dezenas, centenas, milhares de vezes, tal e qual, igualzinha, sem tirar nem pôr, bem diante de meus olhos: a tela do monitor CGA de meu velho XT cobrindo-se de verde, caractere a caractere, linha a linha, da esquerda para a direita e de cima para baixo.

Desliguei a TV e voltei para meu Pentium 200 sentindo-me o próprio dinossauro da informática.

PS: Me pede o amigo Reinaldo de Medeiros para divulgar a palestra do mestre Antonio Pina na reunião do Grupo de Usuários do OS/2, amanhã, dia 8, às 19hs, no RDC da PUC, na Gávea. Tá divulgado.

B. Piropo