Escritos
B. Piropo
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03/02/1997

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Depois de uma longa temporada discutindo os meandros da memória, voltamos ao nosso esporte predileto: jogar conversa fora. E fa-lo-emos comentando dois fatos que nada têm a ver um com o outro, exceto a estranheza que me causaram.

Em novembro, escrevendo sobre como por vezes a informatização ao invés de ajudar, atrapalha, citei o exemplo da parafernália implementada no shopping Rio Sul para cobrar estacionamento. E comentei que a cobrança era feita abertamente, não obstante ser ilegal no município do Rio. Dias depois um leitor, cujo nome não lembro e cuja mensagem volatilizou-se em minha conturbada caixa postal, escrevia-me informando que eu pagava porque queria. Ele simplesmente se recusava a pagar. E além de ninguém reclamar, deixavam-no sair com seu carro. Achei a atitude correta, embora um tanto radical. Afinal, se o segurança resolvesse criar caso, o que fazer?

Dia destes almocei em um shopping com um grupo de amigos. Na saída, quando me dispunha a pagar o estacionamento, um deles perguntou-me espantado se eu ainda pagava estacionamento em shopping. Pagava, respondi eu. Que remédio? Ora, disse ele, bastava citar a Lei Municipal nr. 2.050 que proibia a cobrança. Por acaso eu não sabia da Lei? Sabia, respondi envergonhado. Mas pagava assim mesmo para evitar discussão. Afinal eram apenas R$ 1,50. Pois fazia muito mal em pagar, disseme ele. Pouco ou muito, a cobrança era ilegal e era meu direito recusar-me a pagar.

Evidentemente, ele estava coberto de razão. Resolvi experimentar. Pois não é que funciona? Nos dois shoppings que mais freqüento, o Rio Sul e o Off Price que fica em frente, a coisa é automática. No primeiro, basta citar a Lei 2050 para a cancela abrir-se milagrosamente como a caverna do Ali Babá. No segundo, exigem que você escreva seu nome e o número da lei no papelucho que seria o recibo. Mas não insistem na cobrança. Nos demais shoppings, a coisa não deve ser diferente.

Em princípio, acho que o valor cobrado nos shoppings até seria razoável, considerando-se que não é muito superior ao preço dos estacionamentos rotativos em plena via pública, onde o IPVA pago anualmente já deveria garantir o direito de circular e estacionar. Portanto, não fosse ilegal, a cobrança seria até justa. Mas sendo, como admitir que seja feita abertamente? Que Município é este que aprova e sanciona uma Lei e permite que ela seja tão escancaradamente desobedecida? Afinal, meu direito não se esgota em não pagar o que me é cobrado ilegalmente, mas também em não ser constrangido, na porta de um shopping, a exigir de um segurança que uma lei seja cumprida. Pois ou ela é obedecida ou revogada. O que não se pode tolerar é que, existindo, seja tão descaradamente ignorada. Atitude que pode levar a uma perigosa ilação: afinal, se esta lei pode ser descumprida, por que não todas as demais?

Depois, o caso da Intel. Que após o lançamento do Pentium MMX passou a declarar que MMX, embora consista essencialmente em aperfeiçoamentos do Pentium para -acelerar a execução de aplicativos ricos em gráficos, áudio e vídeo-, ao contrário do que todos imaginavam não significa MultiMidia eXtensions. Ou seja: o MMX é um Pentium que recebeu alterações que incluem um conjunto adicional de instruções (são extensões, pois não?) para melhorar o desempenho daquilo que costumamos chamar de aplicativos multimídia, mas o -nome- MMX não tem nada a ver com extensões multimídia. Na verdade, segundo a Intel, não significa absolutamente coisa alguma.

Como até pouco tempo a própria Intel admitia que MMX significava justamente aquilo que se pensava, tamanho acesso de amnésia coletiva seria assunto de extrema gravidade não fosse meramente um caso de marketing redirecionado. Porque subitamente, embora tivesse de fato investido pesadamente no aprimoramento do chip para rodar aplicativos multimídia, a Intel acordou para o fato de que quem gosta de multimídia são os usuários domésticos e apreciadores de joguinhos. Que, embora formem um mercado nada desprezível, não são exatamente os campeões de investimento. A grana, mesmo, está nas corporações. Portanto, mesmo levando em conta que o novo chip é o estado da arte para rodar aplicativos multimídia, enfatizar muito esta qualidade é correr o risco de transformá-lo em um produto de nicho, destinado aos usuários de aplicativos multimídia. Resultado: a expressão MultiMidia eXtensions foi banida do dicionário da Intel, cujas apresentações sobre o novo chip, além de mencionar suas qualidades ao rodar aplicativos "ricos em gráficos, áudio e vídeo", enfatizam seu desempenho nos programas de comunicação e de uso geral. Por acaso justamente os que interessam às corporações.

Acha que uma empresa do tamanho da Intel tem mais o que fazer ao invés de perder tempo fingindo que seu chip multimídia não é o que é, mesmo que todos saibam que é justamente isso o que ele é? Pois se engana. Esses caras de marketing sabem muito bem o que fazem. Tanto, que o artigo da PC Computing de fevereiro que analisa o novo Pentium MMX, além de informar ao leitores que MMX -não significa nada-, afirma que o chip -promete beneficiar não apenas os jogos e programas gráficos, mas também aplicativos de grupos de trabalho, banco de dados de meios mistos e até mesmo aplicativos de produtividade usados no dia-a-dia.

Não é que a coisa funciona?

B. Piropo