Recentemente
me referi ao "Silicon Snake Oil - Second Thoughts on the Information
Highway", do Clifford Stoll. Disse que o livro da Anchor Book
tecia alguns comentários interessantes sobre a Internet e
seus desdobramentos. E que o autor, o mesmo de "The Cuckoo's
Egg", o melhor livro de ficção sobre computadores
que já li e o maior sucesso editorial do gênero, era
uma personalidade das mais insuspeitas para criticar a rede.
Naquela ocasião eu estava no início do livro. Terminada
a leitura, sinto-me obrigado a voltar ao assunto. Pois não
se trata de uma análise crítica apenas da internet.
É muito mais. Discute, de uma maneira soberba (embora, aqui
e ali, um tanto exagerada), todo aquele oba-oba sobre o uso de computadores
na vida diária encontrado em livros do tipo do "The
Road Ahead" (cujo título em português é
"A Estrada do Futuro") do Bill Gates. Eu diria que, lido
um deles - qualquer um - o outro é leitura obrigatória.
O interessante é que muito do que encontrei ali já
fazia parte de minhas inquietações. Toda a vez que
assistia a uma destas palestras de abertura de feira de informática,
cantando loas aos computadores e demonstrando como seria impossível
viver sem eles já no mês que vem, assaltava-me uma
difusa sensação do tipo "não é
bem assim". Via ali algum exagero. Só não havia
ainda conseguido delimitá-lo e verbalizá-lo. Pois
agora vem mestre Stoll e tira-me as palavras da boca.
Como seu estilo, mesmo prejudicado por minha tradução,
é muito mais saboroso que o meu, deixo vocês agora
com uma amostra: um trecho do capítulo onde ele discute o
uso dos computadores nas salas de aula (que, além do que
toca à informática, serve para mostrar que também
lá há certos problemas que alguns pensam que só
há cá).
"Nossas escolas enfrentam problemas sérios, que incluem
turmas com excesso de alunos, incompetência dos professores
e falta de segurança. Os orçamentos municipais para
educação mal cobrem salários, livros e papel.
"Computadores não resolvem nenhum destes problemas.
São caros, tornam-se rapidamente obsoletos e drenam os escassos
recursos orçamentários. Não obstante, os administradores
escolares os desejam desesperadamente. O que está errado
neste quadro?
"Ao contrário de livros escolares, papel e giz, os computadores
valem bom dinheiro. Resultado: eles são rotineiramente roubados
das escolas, lugares sabidamente difíceis de garantir segurança.
Você deixaria seu laptop de mil dólares em um armário
de escola? Computadores não são tão baratos
e leves quanto livros - e o valor dos computadores portáteis
tornam os alunos vulneráveis a assaltos e roubos.
"Computadores dão problemas que nem alunos nem professores
podem resolver na hora. Tente dar um boot de um disco rígido
inoperante na frente de trinta ginasianos impacientes. Ou instalar
um programa complexo durante o intervalo de dez minutos entre as
aulas. Este tipo de trabalho adicional e preparação
nunca é considerado pelos que advogam salas de aula high-tech.
"E, mesmo quando os computadores funcionam, não é
fácil usá-los para ensinar. Fique em pé na
frente de uma turma e todos olham para você. Você percebe
quando eles estão prestando atenção, quando
sua explicação foi adequada ou quando é preciso
enfatizar mais algum ponto. Você pode desenhar um diagrama
no quadro negro, andar pela sala e fazer perguntas individuais.
"Mas tente falar para uma turma com computadores em suas carteiras.
Primeiro, os monitores não permitem que você veja a
todos. Os teclados e telas competem com você pela atenção
dos alunos. E você não pode apontar para algo na tela
de um deles de forma que os demais possam ver. Se algum aluno se
perdeu ou não consegue encontrar a tecla 'Control', você
precisa se espremer entre as carteiras para mostrá-la em
seu teclado.
"Os alunos destas turmas levam uma enorme boa vida - podem
se esconder atrás dos monitores para evitar o olhar do mestre.
Eles têm uma desculpa perfeita para não tomar notas:
há um teclado e um monitor no lugar em que deveria estar
o caderno."
O livro inteiro segue esta batida. Aborda praticamente todos os
usos de computadores e seus exageros (o capítulo sobre a
obsolescência dos formatos de arquivos e meios de arquivamento
chega a ser preocupante). Discute previsões futuristas feitas
há alguma décadas sobre computadores e o fiasco em
que resultaram. Sempre no estilo leve, correto e bem humorado deste
misto de astrônomo e professor meio riponga.
Não sei se o livro já foi traduzido para o português.
Creio que não. Se foi, peço à editora que me
informe, para que eu possa divulgar o título em português.
Se não, sugiro às editoras especializadas que providenciem
logo a tradução, antes que também ele se torne
obsoleto. E aos que conseguem lê-lo no original em inglês,
recomendo enfaticamente.
Especialmente para aqueles que acabaram de ler "A Estrada do
Futuro"...
B.
Piropo