Escritos
B. Piropo
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15/07/1996
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Recentemente me referi ao "Silicon Snake Oil - Second Thoughts on the Information Highway", do Clifford Stoll. Disse que o livro da Anchor Book tecia alguns comentários interessantes sobre a Internet e seus desdobramentos. E que o autor, o mesmo de "The Cuckoo's Egg", o melhor livro de ficção sobre computadores que já li e o maior sucesso editorial do gênero, era uma personalidade das mais insuspeitas para criticar a rede.
Naquela ocasião eu estava no início do livro. Terminada a leitura, sinto-me obrigado a voltar ao assunto. Pois não se trata de uma análise crítica apenas da internet. É muito mais. Discute, de uma maneira soberba (embora, aqui e ali, um tanto exagerada), todo aquele oba-oba sobre o uso de computadores na vida diária encontrado em livros do tipo do "The Road Ahead" (cujo título em português é "A Estrada do Futuro") do Bill Gates. Eu diria que, lido um deles - qualquer um - o outro é leitura obrigatória.
O interessante é que muito do que encontrei ali já fazia parte de minhas inquietações. Toda a vez que assistia a uma destas palestras de abertura de feira de informática, cantando loas aos computadores e demonstrando como seria impossível viver sem eles já no mês que vem, assaltava-me uma difusa sensação do tipo "não é bem assim". Via ali algum exagero. Só não havia ainda conseguido delimitá-lo e verbalizá-lo. Pois agora vem mestre Stoll e tira-me as palavras da boca.
Como seu estilo, mesmo prejudicado por minha tradução, é muito mais saboroso que o meu, deixo vocês agora com uma amostra: um trecho do capítulo onde ele discute o uso dos computadores nas salas de aula (que, além do que toca à informática, serve para mostrar que também lá há certos problemas que alguns pensam que só há cá).
"Nossas escolas enfrentam problemas sérios, que incluem turmas com excesso de alunos, incompetência dos professores e falta de segurança. Os orçamentos municipais para educação mal cobrem salários, livros e papel.
"Computadores não resolvem nenhum destes problemas. São caros, tornam-se rapidamente obsoletos e drenam os escassos recursos orçamentários. Não obstante, os administradores escolares os desejam desesperadamente. O que está errado neste quadro?
"Ao contrário de livros escolares, papel e giz, os computadores valem bom dinheiro. Resultado: eles são rotineiramente roubados das escolas, lugares sabidamente difíceis de garantir segurança. Você deixaria seu laptop de mil dólares em um armário de escola? Computadores não são tão baratos e leves quanto livros - e o valor dos computadores portáteis tornam os alunos vulneráveis a assaltos e roubos.
"Computadores dão problemas que nem alunos nem professores podem resolver na hora. Tente dar um boot de um disco rígido inoperante na frente de trinta ginasianos impacientes. Ou instalar um programa complexo durante o intervalo de dez minutos entre as aulas. Este tipo de trabalho adicional e preparação nunca é considerado pelos que advogam salas de aula high-tech.
"E, mesmo quando os computadores funcionam, não é fácil usá-los para ensinar. Fique em pé na frente de uma turma e todos olham para você. Você percebe quando eles estão prestando atenção, quando sua explicação foi adequada ou quando é preciso enfatizar mais algum ponto. Você pode desenhar um diagrama no quadro negro, andar pela sala e fazer perguntas individuais.
"Mas tente falar para uma turma com computadores em suas carteiras. Primeiro, os monitores não permitem que você veja a todos. Os teclados e telas competem com você pela atenção dos alunos. E você não pode apontar para algo na tela de um deles de forma que os demais possam ver. Se algum aluno se perdeu ou não consegue encontrar a tecla 'Control', você precisa se espremer entre as carteiras para mostrá-la em seu teclado.
"Os alunos destas turmas levam uma enorme boa vida - podem se esconder atrás dos monitores para evitar o olhar do mestre. Eles têm uma desculpa perfeita para não tomar notas: há um teclado e um monitor no lugar em que deveria estar o caderno."
O livro inteiro segue esta batida. Aborda praticamente todos os usos de computadores e seus exageros (o capítulo sobre a obsolescência dos formatos de arquivos e meios de arquivamento chega a ser preocupante). Discute previsões futuristas feitas há alguma décadas sobre computadores e o fiasco em que resultaram. Sempre no estilo leve, correto e bem humorado deste misto de astrônomo e professor meio riponga.
Não sei se o livro já foi traduzido para o português. Creio que não. Se foi, peço à editora que me informe, para que eu possa divulgar o título em português. Se não, sugiro às editoras especializadas que providenciem logo a tradução, antes que também ele se torne obsoleto. E aos que conseguem lê-lo no original em inglês, recomendo enfaticamente.
Especialmente para aqueles que acabaram de ler "A Estrada do Futuro"...

B. Piropo