Escritos
B. Piropo
Anteriores:
< Trilha Zero >
Volte de onde veio
08/04/1996
< Olha o Exagero... >

Esta coluna geralmente é escrita nos fins de semana. A de hoje não é exceção. Mas esta, ao contrário das que costumo escrever no sossego de meu escritório, está sendo digitada a bordo de um avião rumo a Salvador. Pois na segunda-feira o batente me espera e como lá passarei não mais que um sábado e um domingo, melhor escrevê-la aqui pois sei de antemão que lá me faltará tempo para isso (mentira: tempo, com certeza terei. O que sei que não vou ter é disposição).

O objetivo deste intróito não foi (somente) deixar vocês com água na boca, mas ensejar um comentário. Sobre um fato - melhor: uma sucessão de fatos - que me impressionou a ponto de mudar o tema que já havia escolhido para esta coluna.

Seguinte: enquanto aguardava o embarque na sala de espera do aeroporto, notei que a jovem sentada a meu lado lia uma reportagem em um jornal. Assunto: internet. Já no avião, depois daquele blá blá blá de costume sobre as saídas de emergência e coisa e tal, avisaram que a companhia aérea já está presente. Na internet, naturalmente. E como estavam com a mão na massa, aproveitaram para distribuir de brinde o IBM Connection Access Kit, que permite conectar-se à IBM e lá abrir uma conta. Na internet, é claro. Na revista que encontrei em minha poltrona há uma crônica do Ruy Castro que discorre longamente sobre os problemas de seu gato (do Ruy) após sua castração (do gato). E, usando como "gancho" a coluna da tia Cora aqui mesmo no caderninho, cita um certo Mr. Puddy que mantém um consultório sentimental para gatos. Como você já deve ter adivinhado, Mr. Puddy pode ser encontrado na internet, evidentemente. E finalmente, leio de soslaio no jornal do cara da poltrona bem aqui na minha frente que segundo previsões de experts, o Brasil, este ano, movimentará 300 milhões de reais. Onde? Na internet, onde mais?

Das duas uma: ou a internet me persegue ou virou moda. E não sendo eu dado a paranóias, não há como fugir das evidências: a moda é a internet. E não busquem aqui nenhum laivo de crítica ou contrariedade: trata-se apenas de uma constatação. Se isto é bom ou ruim é outro papo. O mais provável é que, como tudo na vida, seja um misto do coisas boas e ruins. Dependendo de como se usa a internet.

Por exemplo: ainda ontem meu amigo Evandro avaliava a conveniência de comprar ou não o modem exigido pelo filho Rodrigo para conectar-se a um provedor de acesso. "Eu sei que pode ser útil", dizia. E, referindo-se ao filho: "Ainda ontem ele chegou em casa reclamando que teve que recorrer a um colega para conseguir na internet o material sobre empresas multinacionais que precisava para o trabalho da escola. É claro que seria mais lógico poder conectar-se de casa. Afinal, o micro ele já tem" - ponderava Evandro. Mas, em seguida, desabafava: "O problema é que se eu compro o maldito modem, ele vai se pendurar na internet o dia inteiro e nunca mais eu consigo usar o telefone". Uma preocupação das mais respeitáveis, hão de convir vocês. E um exemplo da mistura de coisas boas e ruins que a internet pode trazer.

É claro que para quem usa a internet com tirocínio, engenho e arte, a soma de coisas boas ultrapassa de muito a de coisas ruins. Se, em vez de surfar sem rumo por horas a fio através de uma fileira interminável de home pages idiotas, você tiver um mínimo de bom senso e alguma perspicácia para procurar, encontrará informações surpreendentes. Por exemplo: dia destes, fuçando na rede, descobri o endereço de um hotel em Chicago onde havia me hospedado há alguns anos e não tinha mais que uma vaga noção da localização. Fora da internet, como achar uma informação destas sem sair de casa? E note que este é um tipo de coisa essencialmente prática. Porque sobre a possibilidade de utilizar os recursos de busca da própria internet para encontrar informações teóricas sobre quase qualquer assunto em qualquer campo do conhecimento humano já falei aqui mesmo e não é o caso de voltar ao tema. Somente de lembrar que os recursos postos à disposição dos usuários são virtualmente inesgotáveis e, pelo menos por enquanto, o custo é praticamente nulo.

E isso sem falar no correio eletrônico. A possibilidade de enviar informações escritas que podem ser recebidas imediatamente pelo destinatário faz com que, em muitos casos, ele seja um meio de comunicação mais conveniente que o telefone, ainda que não se leve em conta a diferença de custo. Duvida? Pois experimente comunicar por telefone e por E-Mail o código de uma reserva de passagem aérea tipo HQV3F6 ou qualquer outro dado que contenha letras e números aparentemente desconexos, como strings de inicialização de modems, e veja qual o mais eficiente. Na verdade, de tudo o que a internet põe à minha disposição, do que mais tenho tirado proveito é justamente o correio eletrônico. Que, além da troca de mensagens eventuais com leitores e amigos em geral, uso com mais freqüência para me comunicar com meu filho no exterior e para enviar estas colunas para o Globo.

Pois é isso. A internet virou moda. E é preciso tomar cuidado. Porque quando algo vira moda, a tendência inevitável é o exagero. Aposto que dentro em breve você receberá um telefonema de um pascácio qualquer lhe recomendando que ligue o computador, acesse a internet e recolha o correio eletrônico para receber um recado urgente que ele lhe enviou (e se você ainda não percebeu o que este comportamento tem de anormal: 1) explico: já que ele estava ao telefone, por que não dar logo o recado de viva voz? 2) aconselho: melhor abandonar a internet por uns tempos).

Por outro lado, a internet é uma realidade mesmo em um país como o nosso, onde as telecomunicações são tão precárias (antes de protestar, lembre-se do dilema do Evandro; não fosse assim, ele simplesmente ligaria para sua companhia telefônica e solicitaria a instalação de uma nova linha só para o modem do filho, que já no dia seguinte estaria conectado à rede). Portanto, é preciso aceitar a inevitabilidade de sua presença, que permeará a nossa vida diária mais cedo do que pensamos.

Como também é preciso evitar os exageros.

Senão, daqui a pouco ninguém mais vai agüentar ouvir falar de internet.

B. Piropo