Escritos
B. Piropo
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Volte de onde veio
18/09/1995

< Um Passo Atrás >


Recentemente, em uma revista americana, uma carta de leitor atraiu minha atenção. Era de um certo Mr. Nick de Tal regozijando-se com a altíssima taxa de renovação do hardware - ou com a imensa rapidez com que a obsolescência chega aos equipamentos de informática, o que dá no mesmo. Na carta ele contava sua satisfação com o lançamento do 486 há alguns anos, já que isso lhe permitiu comprar um 386 DX/40 por menos de cem dólares. E, depois, relatava seu contentamento com o lançamento do Pentium: foi assim que ele comprou seu primeiro 486, um chip de 80 MHz que lhe custou menos de duzentos dólares. No final, ele exorta os demais leitores da revista a migrar o mais rapidamente possível para o P6, porque está doidinho para pôr as mãos em um Pentium e não está disposto a gastar mais de duzentos dólares.

Sujeito esperto. Está sempre um passo atrás, evidentemente. Mas, afinal, é um único passo, e um passo não é uma distância tão grande assim. E faz uma economia considerável. Porque, nesse campo, a vanguarda custa caro. E bota caro nisso...

Descobri o quanto recentemente. Por acaso. Há alguns meses me mudei para um novo apartamento. O velho estava pequeno demais para todos nós (eu e minhas máquinas, os únicos habitantes permanentes desse tugúrio de onde vos falo) e aqui consegui, afinal, concretizar um velho sonho: montar minha oficina. Luxo nenhum: uma bancada, um par de armários com lugar para peças, placas e ferramentas. Tudo em um pequeno cômodo onde pouco cabe além disso. Mas o suficiente para pôr fim à agonia de montar computador na mesa da cozinha. Agora dá para trabalhar com conforto. E, sobretudo, há espaço para meus guardados.

Guardados que até duas semanas, ainda no rescaldo da mudança, estavam empilhados nos armários e no canto da oficina. Mas que, por força da necessidade de pôr um mínimo de ordem no recinto para poder montar uma nova máquina, fui obrigado a arrumar e classificar. E foi então que tomei um susto e me dei conta da pequena fortuna que esse meu vício tem me custado nesses últimos anos.

Vamos lá: pegue uma boa revista, dessas cheias de anúncios, e verifique os preços de drives para CD-ROM. Sem procurar muito você encontra kits multimídia completos por pouco mais de duzentos dólares, incluindo drive de velocidade dupla e placa de som com controladora do drive. Se quiser coisa fina mesmo, encontrará kits com drives de velocidade quádrupla por pouco mais de trezentos dólares. E drives de velocidade sêxtupla são encontrados por quatrocentos e poucos dólares. Garimpando, dá para achar drives de velocidade dupla por menos de cem dólares (exagero nenhum: no Computer Shopper de agosto há um anúncio de um drive CD-ROM double-speed para interface ATAPI por US$ 99). Pois bem: o meu, um Toshiba SCSI double-speed que agora mesmo me olha enviesado de vergonha, me custou mais de seiscentos dólares. Tudo porque foi um dos primeiros de velocidade dupla que apareceram no mercado e eu o comprei quando ainda era novidade.

Tudo bem: esse pelo menos poderá ser útil anos a fio: quando for lento demais para o resto, ainda poderá funcionar como drive extra para conter permanentemente o disco de um dicionário qualquer. Mas e sua placa controladora, pela qual paguei a bagatela de trezentos e cinqüenta dólares porque, na época, era o topo da linha? Uma SCSI barramento ISA que foi para a máquina reserva (a nova usa uma controladora SCSI PCI) e dentro em breve não prestará para mais nada nem valerá um níquel: onde achar uma placa mãe decente com barramento ISA daqui há um ou dois anos?

Minha impressora está viva e passa bem. Mas já está um tanto faisandée. Nada a reclamar: é uma laser 300 dpi, funciona muito bem e, espero, ainda me prestará serviços inestimáveis por anos a fio. O problema é que a comprei quando laser ainda era novidade e por isso paguei quase dois mil dólares por ela. Hoje vale talvez quinhentos. O que ainda é alguma coisa. Pior é meu velho monitor EGA a cores, um dos primeiros que vi no patropi, pelo qual paguei mais de mil dólares e hoje vale menos que o monitor CGA fósforo verde que está encostado no canto da oficina, pelo qual paguei quase quinhentos dólares e que talvez ainda valha uns cinqüenta...

E placas? Em algum lugar por aqui deve haver uma placa aceleradora de vídeo VESA. Uma Orchid. Excelente. Custou-me quase trezentos dólares há um ano e meio. Hoje está encostada sem serventia devido ao falecimento do padrão VESA. Há também uma velha placa SCSI, um monte de placas de vídeo, placas IDE, multi I/O, o diabo. Todas ISA. Sem falar nos modems. Se eu juntar tudo e somar o que paguei pela tralha toda (o que jamais farei: nesse campo, a ignorância é mais saudável), chegaria sem esforço a assustadores milhares de dólares. Já se resolver pôr tudo à venda, não consigo apurar mais de quinhentos. E mesmo assim se encontrar um maluco que esteja disposto a comprar tais velharias. Na verdade, os guardados têm me servido para ser gentil com os amigos ou ajudar a quem precisa: há algum tempo deles saiu quase metade do micro do ex-namorado da filha de minha namorada (tempos gloriosos esses em que vivemos, pois não?; há vinte anos essa frase nem ao menos faria sentido...). E mês passado, saiu da minha oficina quase um micro inteiro para um primo que precisava de uma máquina.

Pois bem: houvera eu sido esperto como Mr. Nick e esperasse cerca de um ano para comprar todo esse hardware, teria hoje exatamente o mesmo equipamento (evidentemente a máquina nova não conta: trata-se de um Pentium 90 recém montado só para provar que ainda não larguei o vício) e seguramente teria poupado alguns milhares de dólares. E, como ele, andaria um passo atrás.

Veja bem que não há nessa última frase sequer um laivo de ironia. No que toca a hardware, não há nada de errado em andar um passo atrás. Pelo contrário: é muito mais barato e pouco se perde em produtividade. Afinal, um 486 DX/2 66 ainda é uma máquina soberba sob qualquer critério. Na verdade, Mr. Nick está coberto de razão. E sua estratégia, definitivamente, é a mais correta, sensata e inteligente.

O problema é que há gente como eu que não suporta andar um passo atrás. Não que precise do topo da linha em hardware por qualquer razão prática. Nem que tenha melhor uso para os poucos minutos por dia que uma máquina mais rápida lhe poupará. Não agüenta, simplesmente porque trata-se de um vício como qualquer outro. Uma compulsão. E compulsão é compulsão: não há como argumentar com um compulsivo.

Por que foi mesmo me lembrei disso agora? Ah, porque tive que arrumar a oficina e me deparei com uma fortuna jogada fora em meus guardados. Mas será que foi por isso mesmo? Ou porque depois que instalei Windows 95 na máquina nova ela me pareceu assim meio lenta, mesmo em se tratando de um Pentium 90?

Talvez ficasse bem melhor se fosse um P6, quem sabe?

B. Piropo