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03/07/1995
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Mundo Pequeno >
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Se, há dez anos, alguém me dissesse que hoje eu estaria escrevendo uma coluna a ser publicada em um caderno de informática, eu daria de ombros, classificaria o pobre coitado de doido varrido (no sentido arcaico) e seguiria adiante sem dar mais atenção ao assunto. Porque, naquela época, eu sabia tanto de informática quanto sei hoje de sânscrito. E de escrever para jornais ou periódicos, minha experiência era nenhuma. Ou melhor: quase nenhuma. Porque, nos anos 70, eu já havia, sim, perpetrado um artigo em uma revista especializada. Porém, especializada em que, vocês jamais adivinhariam. Isso tem a ver com uma velha mania que tenho: manter um hobby que exija algum esforço intelectual e não tenha nenhuma ligação com minhas atividades profissionais. Pois se tem gente que dedica suas horas livres a exercitar os músculos, também há aqueles como eu que preferem usá-las para exercitar o cérebro. O problema é que quando adoto um novo hobby, acabo por dedicar-me a ele compulsivamente. Foi assim com o xadrez. Que, à força de milhares de horas de prática e de estudo, fui um profundo conhecedor e razoável jogador - se bem que jamais cheguei a enxadrista excepcional por absoluta falta de criatividade. Mas me diverti um bocado e, sobretudo, descobri a atividade ideal para matar o tempo que deveria dedicar às aulas nos anos da faculdade. Formado, desisti do xadrez por falta de serventia, já que não mais havia aulas a vadiar, e mudei-me de armas e bagagens para a fotografia. Fui fundo: aprendi a fotografar, revelar e imprimir. Meu equipamento, que uso ainda hoje, era o que havia de mais avançado na época. Tenho ainda alguns metros de estante povoados com livros técnicos sobre o assunto e cheguei a aventurar-me a dar cursos de fotografia - que foram muito bem recebidos pelos alunos. Depois, desisti. E antes de ter a atenção despertada pela informática, dediquei-me à eletrônica. Mais especificamente, eletrônica dirigida à amplificação de som. Foi nessa época que deu-se o causo que vos conto. Comecei com a audiofilia - que não é um vício tão feio quanto o nome faz crer. Mas era um tanto passivo para o meu gosto: ouvir som em alta fidelidade, por mais agradável que fosse, não era uma atividade mental propriamente instigante. Resolvi, então, descobrir como a coisa funcionava e meti-me a fazer cursos de eletrônica. Dei sorte: achei, em plena Praça Mauá, o Curso Magnetron. Onde passei horas agradáveis deslindando os segredos das válvulas e transistores. E montei meu primeiro rádio - de válvulas, deus meu, quanto tempo isso faz (soube, recentemente, que o Curso Magnetron ainda existe, no mesmo lugar e dirigido pela mesma simpática e formidável figura, o imponente Comandante Dunham; e que agora, além dos cursos de eletrônica, incorporou cursos de informática e montagem de computadores; um dia desses passo por lá para matar saudades e rever velhos amigos). Resultado: daí em diante, passei a montar meus próprios amplificadores de áudio. Cada vez mais fieis e mais potentes - e olhe que essas são qualidades que raramente andam juntas, seja qual for o campo. Montava mas não projetava, que os conhecimentos hauridos em cursos tão curtos não bastavam para vôos tão altos. Procurava projetos prontos nas revistas especializadas. Um dia, achei na Eletrônica Popular um projeto que era meu sonho de consumo da época: um amplificador estéreo de alta fidelidade de cem Watts. Tinha tudo o que eu queria: pré-amplificação em ambos os canais, dois poderosíssimos amplificadores de potência, o diabo. Um senhor projeto. Traduzido de um original argentino. Pois foi aí que o carro pegou: o padrão do tamanho dos componentes vendidos na Argentina era, pelo menos naquela época, completamente diferente do padrão nacional. O que deitava a perder todos os desenhos dos circuitos impressos que vinham estampados na revista. Isso, além de alguns erros de impressão, naturais em um projeto de tamanha complexidade, mas que impediam que a trapizonga funcionasse, inutilizava o projeto da forma pela qual foi publicado. O que seria um problema para qualquer outro. Nunca para mim: afinal, o que eu queria mesmo era me distrair com o novo hobby. Consertar o projeto apenas tornava as coisas mais interessantes. Dito e feito. Depois de semanas de trabalho, refiz todos os circuitos. Que, fora um ou dois pequenos detalhes, ficaram nos conformes. Quanto aos pequenos detalhes, só havia uma solução: escrever para a revista e perguntar. Escrevi. E, de volta, recebi um mais que amável telefonema convidando a discutir o assunto pessoalmente na redação. Onde encontrei dois cavalheiros, no sentido mais amplo da palavra: Sérgio Starling Gonçalves, o responsável pelo artigo, e Guilherme Affonso Penna, o editor. Ficamos todos muito bem impressionados: eu com eles e, ao que parece, eles comigo. De minha parte, terminei o projeto e o amplificador funcionou nos conformes. Da parte deles, acharam tão impressionante meu esforço em refazer todo o projeto que, ao invés de se limitarem a publicar as correções que eu havia posto à disposição, me convidaram a escrever um artigo relatando-as. Essa foi minha estréia em letra de forma. Em uma revista especializada em eletrônica... O causo bem que poderia terminar assim, já que o mundo gira, a Lusitana roda e essas voltas me fizeram perder o contato com ambos os cavalheiros. Mas não: como o futebol, a vida é uma caixinha de surpresas. Dia desses recebi uma carta do Sérgio Starling. Uma carta um tanto ressabiada, já que ele não tinha certeza que esse B. Piropo que lia aqui no caderninho era aquela mesma figura que conhecera há vinte anos montando amplificadores. Era. Liguei para ele e descobri que, depois de correr mundo e de mil percalços que não convém relatar, hoje interessava-se por informática e invertera os pólos: agora, era ele o meu leitor. E só para provar como é pequeno o mundo, entre outras atividades o Sérgio hoje dá aulas de informática justamente no Curso Magnetron, que nem ao menos conhecia na época em que eu o freqüentei. Mas não é só isso. Acabo de receber o último número da Eletrônica Popular, agora fundida com sua irmã mais velha, a Antenna. Acompanhada de uma carta do velho amigo Gilberto Affonso Penna, que identificou nesse Piropo seu antigo colaborador. Onde dá conta que a revista passou a dedicar mais espaço, justamente, à informática. Fui conferir. De fato, entre outros voltados exclusivamente à eletrônica (como um circuito de "viva-voz" para telefone que talvez me incentive a desembainhar novamente o ferro de soldar), os artigos lá estão. Nada que se possa encontrar aqui no caderninho ou nas demais revistas especializadas em informática, já que destinam-se ao micreiro com conhecimentos de eletrônica: um artigo sobre manutenção de monitores de vídeo (ilustrando de maneira magistral as diferenças entre os diversos tipos de monitores), uma avaliação de um programa simulador de circuitos eletrônicos e uma coluna, o Byte-Papo, sobre pirataria. Assinada, justamente, pelo Sérgio Starling Gonçalves. Mundinho danado de pequeno esse onde a gente vive... B. Piropo |