Escritos
B. Piropo
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06/03/1995

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Vamos, enfim, começar a discutir alguns interessantíssimos pontos de vista expostos pelo Andrew Schulman em seu excelente livro "Unauthorized Windows 95". O livro já foi comentado aqui mesmo no caderninho por mim e pelo Julio Botelho há menos de um mês, na edição de 13 de fevereiro. Portanto, não vale a pena voltar a ele. Mesmo porque agora nos interessam apenas dois de seus capítulos: "Industry Update", na introdução, e "Microsoft - It's Everywhere You Want to Be", no epílogo. Por outro lado, não teria sentido que eu me pusesse aqui a traduzir os capítulos, por mais interessantes que sejam. O que pretendo é usar algumas informações ali colhidas e temperá-las com minhas próprias observações e conclusões.

Se você é micreiro ou está de algum modo ligado à indústria do software, o que nós vamos discutir a partir de hoje deverá lhe interessar de perto. Pois trata-se do rumo da informática pessoal até o final do milênio. Rumo esse que, ao que tudo indica, está indissoluvelmente ligado à Microsoft, uma gigantesca softhouse que, segundo Schulman, está mais perto do que nunca de atingir ao monopólio de fato tanto no que toca aos sistemas operacionais quanto - e isso pouca gente percebeu - no que concerne aos aplicativos. Na verdade, se o panorama esboçado por Schulman vier a se consubstanciar, dentro de muito pouco tempo a Microsoft vai engolir toda a concorrência, só deixando espaço no mercado para as firmas que vierem a desenvolver os chamados "add-ins" (produtos auxiliares) para seus próprios aplicativos. E note que essa previsão parte de alguém que não morre de amores pela Microsoft . Na verdade, como mencionei semana passada, Schulman é um dos poucos autores americanos absolutamente indiferente à opinião da Microsoft em relação a seus pontos de vista.

Note que a questão básica no que toca ao virtual monopólio da indústria de software não se prende ao fato de que a Microsoft o deseja, mas sim a que esteja tão perto de consegui-lo. Desejar, não é feio nem reprovável. Ao contrário, é perfeitamente lícito. A Microsoft sabe disso e jamais escondeu suas pretensões. Tanto que Mike Maples, Vice-Presidente Senior de Aplicativos da Microsoft, dizia em entrevista à Jane Morrisey publicada pela PC Week em novembro de 1991: "Minha missão é conseguir uma fatia justa do mercado de aplicativos. E, para mim, [a fatia justa] é cem porcento".

Na verdade, toda empresa que pretenda evoluir deve, em princípio, ter como alvo liquidar a concorrência e estabelecer o monopólio de fato em seu campo de atuação. É assim que se consegue motivação para aprimorar o produto e conquistar uma fatia cada vez maior do mercado. O próprio Bill Gates, o todo poderoso chairman da Microsoft, afirmou: "Eu na verdade não deveria dizer isso, mas de certa maneira, se alguém documenta apropriadamente, treina apropriadamente, promove apropriadamente um dado produto e, usando o momentum, lealdade dos usuários, reputação, equipe de vendas e preços, forma uma posição muito forte dentro da categoria, é levado a um monopólio natural em uma dada categoria de produto." E, conforme a biografia de Gates escrita por Stephen Manes e Paul Andrews, essa frase data de 1981. Ou seja: quando o DOS nascia, Bill Gates já pensava em monopólio. Agora, quase quinze anos depois, parece que está perto de consegui-lo.

Mas como a Microsoft alcançou a posição atual de virtual domínio da indústria de software? Bem, tudo começou há quinze anos, quando a IBM procurava alguém para desenvolver o sistema operacional de seu PC. Não vou aqui repetir a surrada lenda que, primeiro, a IBM procurou Gary Kildall, da Digital Research, para portar seu CP/M para o PC e foi esnobada, tomando um chá de cadeira enquanto Kildall passeava em seu avião particular. E não vou repeti-la por duas razões: a primeira, é que não foi bem assim. E a segunda, é que a historinha foi repetida tantas vezes que já ficou chata. Em vez disso, mais proveitoso seria responder a uma questão crucial (embora, por estranho que pareça, pouca gente se dê conta de sua importância): por que a IBM decidiu deixar em mãos de terceiros o desenvolvimento, o código fonte e, principalmente, os direitos sobre o sistema operacional de seu PC e não fez o menor esforço para tirar algum proveito disso? Por menor que fosse a fé que a IBM depositasse em sua nova máquina, uma atitude como essa parece não fazer sentido.

A resposta não é encontrada no livro de Schulman, mas em "A Guerra dos Computadores", de Charles Ferguson e Charles Morris (traduzido para o português e editado pela Ediouro). E as razões da decisão aparentemente desastrada começaram a ser gestadas no final da década de sessenta, quando a IBM detinha uma posição de domínio do mercado ainda maior que a desfrutada hoje pela Microsoft. Tanto que, em janeiro de 1969, o Procurador Geral dos EUA acusou-a de monopólio ilegal da indústria da informática e abriu um processo judicial que se arrastou por treze anos e culminou com a absolvição da IBM e arquivamento, após um singelo despacho de apenas quatro frases do então Procurador Geral, informando que o processo "não tinha mérito". Mas que, apesar disso, foi absolutamente desastroso para a empresa.

Uma demanda judicial que se arrasta por mais de uma década nos tribunais americanos é um monstro devorador de recursos. Frank Cary, executivo da IBM, afirmou que deu ordem ao pessoal da área jurídica gastar o que fosse necessário "e ainda assim eles estouraram o orçamento". No livro, Ferguson e Morris estimam que os gastos da IBM com o processo chegaram à casa do bilhão de dólares. Mas o prejuízo não se limitou a dinheiro. Pelo contrário: o maior dano foi, justamente, a forma pela qual a demanda judicial afetou o processo de tomada de decisões dentro da IBM.

O parecer do Procurador Geral que mandou arquivar o processo por falta de mérito foi exarado em junho de 1982. Portanto, no final de 1980, quando a IBM planejava o lançamento de seu PC (que veio á luz em 12 de agosto de 1981), a demanda estava em pleno andamento. E todas as ações e decisões da IBM eram tomadas cautelosamente, sob o fio da espada da justiça: nada era feito que pudesse, mesmo marginalmente, ensejar a interpretação de algo que levasse ao estabelecimento de um monopólio.

Em "A Guerra dos Computadores", Ferguson e Morris afirmam, sobre as negociações da IBM com Bill Gates: "Após uma breve negociação, [os negociadores da IBM] concordaram que Gates deveria deter a propriedade do sistema e que eles lhe pagariam em sistema de royalties em vez de uma soma bruta. (Por causa da ação antitruste ainda pendente, a IBM estava incerta quanto a possuir o software do sistema operacional, temerosa de ser processada por programadores de software)".

Portanto, por mais irônico que possa parecer, foi justamente um processo contra o monopólio que levou a IBM a tomar uma decisão que, década e meia mais tarde, iria levar a Microsoft a deter o monopólio virtual da indústria do software...

B. Piropo