Escritos
B. Piropo
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30/01/1995
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Depois de quase dois meses escalando a pedreira conceitual dos processadores de 32 bits, vamos arejar um pouco esse pé de página. E falar de generalidades.

Como o affair Pentium, que eclodiu bem no meio da série e foi badaladíssimo. Tanto que rendeu milhares de linhas na imprensa especializada, inclusive aqui no caderninho. Linhas que, com certeza, vocês leram. Mas será que leram também as entrelinhas? Se não, deveriam. Porque resulta em uma leitura decididamente edificante.

Então, vamos lá. E, para refrescar a memória, releremos as linhas. Entremeadas, como convém, das entrelinhas em itálico. Lembrando que as entrelinhas, como era de esperar, são exclusivamente fruto da minha interpretação pessoal. A sua - e certamente a das partes envolvidas - poderá ser totalmente distinta. Isto posto, vamos aos fatos.

Em meados do ano passado, Thomas Nicely, um obscuro matemático americano, suspeitou que havia detectado um erro interno no Pentium, a menina dos olhos da Intel. Como comunicou o fato à Intel e não obteve resposta, postou uma mensagem na Internet com suas inquietações. O erro existiria mesmo ou ele estava enganado?

Mr. Nicely sabia que o erro existia, sim. Mas achou um desaforo não ter recebido satisfação alguma da Intel e decidiu jogar, digamos, o erro, no ventilador.

O tema virou o ti-ti-ti da Internet. Diante da brutal repercussão do assunto, Andy Grove, o CEO da Intel, postou uma mensagem na Internet informando que, de fato, havia um erro, não divulgado porque já detectado e corrigido pela Intel mesmo antes da constatação de Mr. Nicely. Como a "máscara" de fabricação do chip havia sido corrigida, os novos Pentium já não apresentavam o defeito. E ninguém precisaria se desfazer dos velhos, visto que a probabilidade do erro se manifestar era de uma vez cada 27 mil anos. A não ser, é claro, em máquinas de matemáticos como Mr. Nicely, que efetuam cálculos complexos regular e intensamente. Por essa razão, se alguém desejasse substituir o chip, a Intel estaria disposta a discutir, caso a caso, se a troca era realmente necessária. E substituir se ela, Intel, comprovasse a necessidade.

Diante das evidências, por maior que fosse a vontade de deixar o assunto morrer, a Intel foi obrigada a se manifestar. Acostumada a negociar com as grandes corporações, adotou uma postura eminentemente técnica, voltada para seus compradores, os fabricantes de máquinas: admitiu a existência do erro nos chips antigos, reduziu-o às suas devidas proporções e declarou-se disposta a substituir apenas os chips de quem, de fato, pudesse ser prejudicado. Uma atitude tecnicamente correta, mas desastrosa do ponto de vista de marketing...

Os usuários do Pentium não ficaram nada contentes, mas mesmo assim as discussões já amainavam quando a IBM anunciou ter constatado que a probabilidade de ocorrência do erro era de uma vez cada 24 dias, bem maior que a estimada pela Intel. E que, por isso, decidira retirar do mercado as máquinas IBM equipadas com o chip Pentium.

A arena para a grande disputa do final da década já está armada: chips CISC, como o Pentium, contra chips RISC, como o Power PC, o recente lançamento conjunto da Motorola, Apple e IBM. Trata-se de um mercado de bilhões de dólares, e nessa briga de cachorro grande, a real necessidade da substituição do chip cai para segundo plano. A disputa se desenrola em um campo onde não se deixa passar em branco a oportunidade de assestar um golpe firme no mais poderoso adversário...

O anúncio da IBM causou enorme celeuma. Prontamente grandes corporações, incluindo softhouses como a Microsoft e fabricantes de periféricos e clones da linha PC acorreram em socorro da Intel, reafirmando de público sua fé no Pentium.

Quanto aos fabricantes, abandonar um microprocessador implica trocar a arquitetura dos micros e exige investimentos pesadíssimos, portanto melhor manter a confiança do público naquele que se está usando. Já quanto às softhouses, basta lembrar que Windows 95, por exemplo, só vai rodar nos chips da linha Intel...

A Intel reagiu prontamente, informando que, já que um número "razoável" de usuários havia manifestado a intenção de substituir seus chips antigos, ela decidiu adotar a política de troca sem discussões.

Finalmente a Intel descobriu que, embora seus compradores diretos sejam os fabricantes, quem usa os chips é o público. E ninguém se sente confortável tendo em sua máquina um chip capaz de cometer um erro, por menos que consiga compreender a real natureza do erro e mesmo sabendo que ele se manifesta apenas uma vez a cada 27 mil anos. Se o público perdesse a confiança no chip, se recusaria a comprar máquinas Pentium e os fabricantes procurariam outro fornecedor. Portanto, trocar sem discussões mesmo entendendo, de boa fé, que a troca não era realmente necessária, do ponto de vista de mercado era a única alternativa para manter a credibilidade dos produtos Intel. E com o mercado não se discute...

A Intel informou, então, não ser preciso justificar a troca, que seria feita sem custo algum. Bastava o usuário ligar para um número 800 (ligação gratuita) e solicitá-la, dando o número de seu cartão de crédito. A Intel enviaria um Pentium novo, o próprio usuário faria a substituição e devolveria o velho na mesma embalagem, porte pago pela Intel. Na ocasião da solicitação, o usuário seria informado que se a Intel não recebesse o chip velho de volta em 30 dias, debitaria o preço do novo (de cerca de quinhentos a mil dólares, dependendo do modelo) em seu cartão de crédito.

Portanto, se algum esperto imaginasse que, só porque tinha um Pentium bichado, receberia um novo, compraria uma placa-mãe por uma bagatela, instalaria o velho e ficaria com duas máquinas Pentium, poderia retirar o bucéfalo da intempérie (para vocês, que não lêem o Aurélio: tirar o cavalo da chuva...)

E, por fim, para tranqüilizar seus acionistas (assustados com a brusca queda de dez porcento das ações da empresa, que tinham acabado de ser apontadas como o negócio de melhor rentabilidade do ano), a Intel anunciou que os enormes custos da troca seriam cobertos pela reserva de faturamento da empresa no quarto trimestre de 94.

Perceberam o recado? A reserva do faturamento de apenas um trimestre...

Assim como quem compra uma Ferrari Testarossa nova, desgostoso apenas porque o manobreiro arranhou o pára-choques da velha, e paga com o troco do bolsinho do colete...

E, a partir daí, ninguém falou mais no assunto...

B. Piropo