Escritos
B. Piropo
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28/11/1994

< Office Layout >


Há algumas semanas precisei desenhar a planta de um imóvel. Tudo bem: afinal, sou engenheiro e em princípio isso não seria um problema. Uma prancheta, régua tê, dois esquadros, um bom tira-linhas e alguma paciência era todo o necessário. Em um par de horas o problema estaria resolvido. Mas isso é coisa do tempo que eu não "entendia de computador". Agora, apelar para a força bruta seria uma vergonha. Afinal, a informática está aí mesmo para facilitar nossa vida e poupar tempo. Com um bom programa eu poderia fazer a planta em alguns minutos e usar o resto do tempo para algo mais profícuo. Só faltava um bom programa para fazer plantas. Alguém conhecia?

A Cristina de Luca, que tudo sabe e tudo conhece, conhecia. Mais que isso: tinha um. Chamava-se Office Layout, era da AutoDesk e há algum tempo foi enviado para avaliação. Por falta de experts em desenhos de plantas e coisas afins, até então não havia sido avaliado. Não quereria eu aproveitar e matar dois coelhos com uma só cajadada? (Essa é outra daquelas frases que adoro, sempre quis usar e nunca tive oportunidade; aproveitei aqui, se bem que jamais usaria um cajado, muito menos para matar dois pobres coelhos....) Quereria sim: desenharia minha planta e aproveitaria para escrever sobre o produto. Peguei o programa e mandei ver.

A instalação foi indolor: o programa detecta placa de vídeo, mouse e mais o que precisa saber para se acomodar no disco rígido, copia os arquivos para o diretório e a única coisa que se precisa informar é o tipo de dispositivo de saída: plotter ou impressora, marca e modelo. Tudo muito simples. Instalado, para rodar basta entrar no diretório e chamá-lo do prompt do DOS. Sim, pois trata-se de um programa DOS - que, no entanto, roda sem problemas tanto dentro de Windows quanto do OS/2.

Office Layout é um programa da AutoDesk e a AutoDesk é a softhouse que desenvolveu o AutoCad. Portanto não é de surpreender que o programa seja a cara do AutoCad. Na verdade, parece mesmo um AutoCad simplificado e adaptado ao fim a que de destina. E o fim a que se destina não é meramente o desenho de plantas de imóveis. É mais que isso: como bem diz o nome, trata-se de um programa destinado a projetar escritórios. Escritórios americanos, infelizmente (logo veremos o porquê desse "infelizmente"). O programa traz um conjunto de gabaritos que permite inserir nos locais desejados desde mesas, cadeiras, escrivaninhas, arquivos e mais uma infinidade de equipamentos para escritório, incluindo geladeiras, telefones, máquinas fax, máquinas de escrever, copiadoras tipo Xerox, até computadores (chegando ao desplante de ter gabaritos diferentes para PC e Mac) além de impressoras e plotters. E, como não poderia faltar em um escritório americano, "vending machines", aquelas indefectíveis maquinetas para vender refrigerantes e porcarias em geral. E, depois de feita a planta, basta entrar no menu "File" e clicar na entrada "Inventory" para incluir a lista de móveis e utensílios no desenho. Em inglês, naturalmente.

No meu caso, bastava desenhar a planta. E fui em frente. Quem está acostumado com os menus do AutoCad para DOS sente-se em casa. Quem não está, encontra alguma dificuldade: desde os tempos que fiz um cursinho de AutoCad com o mestre Mauro Caldas que acho seus menus pouco intuitivos. Pois o Office Layout usa exatamente o mesmo estilo: até parece um daqueles menus personalizados do AutoCad. Mas, depois de algum tempo e de muita consulta ao manual, a gente acaba se acostumando. E a coisa fica fácil: quer desenhar uma parede? Pois passe para o menu "Walls", entre com a espessura da parede, a direção e o comprimento: o programa desenha as duas linhas paralelas e começa a "construir" a planta. Para colocar portas e janelas, basta passar para os menus "Doors" ou "Windows", marcar o local, tamanho e, no caso das portas, o lado da dobradiça e o sentido da abertura: o programa põe o símbolo correspondente bonitinho no lugar exato. Para fazer a planta do banheiro, basta passar para o menu "Symbols", entrar no sub-menu "Fixtures", escolher o gabarito do aparelho sanitário desejado, clicar no local e informar a posição. Estão todos lá, menos o bidê, evidentemente (nada que dois arcos e um par de retas paralelas não resolva).

O programa tem algumas características interessantes. Por exemplo: em uma planta mais complexa, você terá que desenhar paredes que se emendam ou se cruzam. Pois não é preciso se preocupar com isso enquanto se desenha: postas as paredes em seus devidos lugares, basta apelar para a opção "Wall Clean" e clicar no ponto de confluência das paredes. Movendo-se cursor do mouse em torno da emenda, o programa vai mostrando as diversas opções de acabamento possíveis. Quando aparecer a que você deseja, um clique e as emendas se ajustam de acordo.

Parece uma maravilha. Mas não é. E por uma razão quase inacreditável: o programa só aceita e exibe medidas em pés e polegadas. Desde a espessura das paredes até tamanho dos móveis, utensílios e portas (que obedecem ao padrão americano, indo de 24" a 42", de duas em duas polegadas e não admitem medidas intermediárias). O que o torna praticamente inútil nos países que adotam o sistema decimal. Pois se você desejar (e é impossível não desejar, já que uma planta sem as dimensões de nada serve) o programa desenha as linhas de cota e distâncias entre quaisquer pontos indicados. Mas de que adianta saber que minha sala mede 22' 9" 7/8 por 10' 5" 9/16?

Quando me deparei com isso, quase desisti. Mas como havia prometido fazer a avaliação, resolvi continuar. Munido de uma calculadora que converte centímetros em polegadas e vice-versa, que não sou leão. Pegava o esboço, lia a distância no sistema decimal, convertia para polegadas e mandava o programa desenhar. Um trabalho de chinês. Feito o desenho, mandei o programa medir cada distância que eu desejava cotar, converti para decimal e substitui o valor da medida na munheca.

Enquanto fazia isso, não pude deixar de refletir sobre como uma visão estreita pode dar cabo de um bom produto. Porque o programa faz o mais difícil, e faz bem. Mas o mais fácil (qualquer estagiário de programação é capaz de desenvolver uma série de rotinas para converter pés e polegadas para decimal e vice-versa) fica por fazer. E, afinal, até os americanos já se deram conta que devem mudar para o sistema decimal. Custava dotar o programa de uma opção para unidades de medida?

Acabei por fazer minha planta. O produto final ficou uma beleza: bonitinho, na escala desejada (1:75, para caber no papel ofício), com todos os detalhes. Mas só depois de três dias de trabalho, já que qualquer erro nas medidas levava uma eternidade para ser identificado e sanado.

Tudo bem, a vida é essa. Afinal, como disse lá em cima, a informática está aí mesmo para facilitar nossa vida e poupar tempo...

B. Piropo