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14/11/1994
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O Piropo nada tinha a fazer em Buenos Aires. Porém o outro, o engenheiro, havia que apresentar um trabalho técnico em um congresso por aquelas bandas. Como em todo caso de dupla personalidade ambas compartilham o mesmo velho esqueleto, lá se foram os dois para as plagas portenhas. E, embora não sendo o objetivo da viagem, como para um Piropo é impossível passar uma semana em terra alheia sem fuçar as coisas de informática, essa coluna vai em ritmo de tango, embalada que está sendo pelos discos de Piazzolla e Gardel trazidos diretamente da fonte. Em um país como a Argentina, que não padeceu a carregada e tenebrosa reserva de mercado, a informática faz parte do cotidiano do cidadão comum. O comércio adotou-a como ferramenta de trabalho e a conta de qualquer botequim vem impressa em matricial - se bem que, com aqueles preços, dava fácil para imprimir a laser. Há lojas e lojinhas especializadas em informática espalhadas por todo o centro de Buenos Aires e as grandes lojas de departamento ostentam orgulhosas computadores e notebooks nas vitrines ao lado de máquinas de lavar roupa e televisões. Cheguei mesmo a tropeçar em uma superstore digna do nome: um pequeno supermercado de informática na Av. Córdoba onde se podia encontrar de tudo, desde um desktop multimídia com tudo que tinha direito até caixas e gavetinhas para disquetes. Uma festa. Os preços, naturalmente, não eram exatamente aquilo que se pode chamar de pechincha. O que não é de estranhar em uma cidade onde paga-se seis dólares por uma cerveja e três por um mísero cafezinho. Mas ainda assim, bastante mais baratos que no Brasil. Encontrei um notebook 486 com 4Mb de RAM, HD de 180Mb, modem-fax e mais uns tantos penduricalhos por pouco mais de U$ 1800. Na loja, com nota fiscal e garantia. E nem pesquisei preços: esse foi um exemplo ao acaso, encontrado em uma casa não especializada. Procurando um pouco, com certeza apareceria coisa melhor. Grandes novidades, não havia. Pelo menos nada que espantasse. Nesse campo, parece, estamos um passo adiante: mesmo com nossas escorchantes taxas de importação e impostos em cascata que dobram os preços dos bens de informática, os fabricantes descobriram aqui um imenso e ávido mercado, de modo que tudo que é novo e importante pinta logo no pedaço. Na verdade, muito provavelmente essa coluna nem mencionaria as terras portenhas não fosse por um detalhe: foi lá, em pleno Paseo La Plaza, entre Sarmiento e Corrientes, que vivi minha primeira experiência com a realidade virtual. E certas primeiras experiências, vocês sabem, a gente nunca esquece. Paseo La Plaza é um lugar encantador: meio quarteirão, quase um shopping, apinhado de bares e restaurantes. Fica a uma quadra do local onde se realizou o congresso, e pintei por lá para jantar depois de um dia de trabalho. Jantado, uma voltinha para explorar os arredores, que ninguém é de ferro. E eis que de repente, não mais que de repente, deparo-me com a Realidad Virtual. Assim mesmo, em luminosas letras refulgindo sobre amplo portal. Lá dentro, umas maquinetas estranhíssimas. Impossível não entrar. E mais impossível ainda não experimentar. Entrei e experimentei. Segundo RV (Realidad Virtual S.A.), a firma associada à Virtuality Plc. inglesa (fabricante dos equipamentos) que explora o negócio na Argentina desde final do ano passado, trata-se "de um mundo tridimensional e interativo gerado por um computador que simula a realidade, onde a pessoa se encontra imersa. Essa imersão se produz através do uso de um capacete com dois monitores de cristal líquido, um para cada olho, em ângulo de defasagem que cria a tridimensionalidade, e um sensor de movimentos que permite visualizar a imagem acima, abaixo, na frente e atrás. O capacete dispõe de áudio e vídeo e pode-se usar uma luva com sensores. O capacete permite ver e ouvir no mundo virtual e a luva permite manipular objetos." Lendo, assim, parece uma maravilha. Na loja havia quatro tipos de jogos: duas batalhas aéreas, um "combate entre robôs em uma cidade virtual" e uma "luta entre gladiadores futuristas em um super-estádio". Duravam de três a cinco minutos e custavam três dólares até as cinco da tarde e cinco daí em diante. Meu amigo Pacheco também estava lá, mas declinou da rara oportunidade de mergulhar no virtual por receio de se separar de cinco reais. De modo que vocês ficarão aqui com minha solitária opinião. Primeiro as batalhas aéreas: uma, à jato, outra em um biplano da primeira guerra mundial. Sentei-me no cockpit, agarrei o manche e afivelaram-me o capacete, uma enorme e pesada trapizonga que se fechou hermeticamente sobre minha cabeça e embaçou impiedosamente meus óculos. Embora com alguma dificuldade, consegue-se enxergar alguma coisa. Movendo a cabeça para os lados, para cima e para baixo, o trambolho reage de acordo e dá para distinguir a paisagem dos dois lados da aeronave, o céu, acima, e o painel de instrumentos entre minhas mãos invisíveis. A imagem é pífia: lembra muito a dos velhos monitores CGA em dezesseis cores e resolução de 640x200. Em suma: um videogame meio vagabundo. No biplano, que no nível de dificuldade mais baixo fazia com que os inimigos se postassem docilmente à minha frente, tive algum sucesso e abati cinco deles. No outro, mais difícil, consegui fulminar três, mas fui impiedosamente destroçado por um mais esperto que eu. Depois, o "combate entre robôs". Joga-se em pé no interior de um círculo cheio de sensores, segurando-se uma pistola com os braços estendidos para que se possa vê-la à frente e com o maldito capacete embotando os sentidos. A imagem é igualmente pífia, mas depois de algum tempo percebe-se que se está em um ambiente composto de planos diferentes, interligados por escadas e cheios de obstáculos. Um gatilho disparava a pistola e um botão na coronha movia-me sempre para a frente - mas para voltar, bastava me virar (literalmente) dentro do círculo. A imagem reagia imediatamente aos movimentos do corpo e da cabeça, mostrando a "paisagem" aos lados, acima e abaixo. Um boneco estranho, movendo-se com ademanes de manequim efeminado, estava sempre me caçando. Como, pelo jeitão, suas intenções não eram nem um pouco confessáveis, eu disparava sempre que achava que poderia atingi-lo. Tive sucesso cinco vezes e ele explodiu lindamente. Mas me pegou duas. Felizmente nada mais fez que me arremessar para o alto, dando-me uma visão panorâmica de todo o universo virtual e, presumivelmente, matando-me. Mas a morte virtual, asseguro, não é dolorosa. Para a "luta entre gladiadores futuristas" faltou-me tempo e disposição. Pois é isso. A realidade virtual, pelo menos no atual estágio de desenvolvimento, me pareceu um tanto desapontadora. Uma espécie de mágica besta. E aos puritanos, que se preocupam com a perniciosa influência do sexo virtual na juventude, garanto: por enquanto, podem ficar tranqüilos. Para alguém usufruir algum prazer com aquele negócio, tem que ter tanta imaginação, mas tanta mesmo, que pode prescindir do computador: casando com uma boneca inflável, destas de pornoshop, enquanto ela não vazar, dá para serem felizes para sempre... B. Piropo |