Escritos
B. Piropo
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Volte de onde veio
24/10/1994

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Quando comprei meu primeiro PC não havia interfaces gráficas. Quem desejasse se tornar um micreiro decente tinha que se enfronhar nos mistérios da linha de comando. E a linha de comando escondia perigos insondáveis. Sem mencionar seu inflexível amor pelos detalhes: uma única tecla errada no meio de um comando e o resultado poderia ser um desastre medonho. Se eu ganhasse um centavo por vez que alguém digitou um "C" no lugar do "B" no comando "FORMAT B:" seria um homem abastado.

Vocês lembram do "RECOVER"? Um único setor defeituoso basta para impedir o DOS de ler um arquivo. O RECOVER juntava os "pedaços" dos setores em bom estado, criava um novo arquivo com o nome de File0001.Rec e eliminava o arquivo original. Se você recuperasse mais um, o nome seria File0002.Rec e assim por diante. É claro que só fazia sentido com arquivos de dados nos quais se podia reconstituir o "pedaço" que faltava. O RECOVER não discutia ordens: se você mandasse recuperar um arquivo em bom estado, realocava o arquivo e mudava o nome para Filexxxx.Rec. O problema é que pouca gente conhecia sua sintaxe, que exigia como parâmetros a via de diretório e o nome do arquivo a ser recuperado. Entrando com o comando sem parâmetros, o sistema presumia que se desejava recuperar todos os arquivos do disco corrente. Resultado: trazia-os todos para o diretório raiz e os renomeava para Filexxxx.Rec. O resultado era pior que formatar o disco: uma formatação acidental sempre podia ser recuperada com um bom utilitário, mas desfazer a cangancha que o RECOVER fazia, nem com reza braba. E quantos discos foram embaralhados só porque o usuário curioso digitava aquele comando de nome aparentemente inofensivo apenas para ver o que ele fazia. Nessa, dançou até um HD aqui desse vosso criado...

O resultado disso é que usava-se a linha de comando apenas para o indispensável: carregar programas, mudar de diretórios ou, eventualmente, copiar um ou outro arquivo. Para afazeres mais rudes, como criar diversos níveis de diretórios e copiar grupos de arquivos, usavam-se os famosos "utilitários de disco".

Os mais populares eram o PCTools e o Norton Utilities. E havia um terceiro "correndo por fora", o XTree. Que, confesso, quando conheci, não me despertou grande simpatia. Até o dia em que, em máquina alienígena e na falta de outro, fui obrigado a usá-lo por algum tempo. Me apaixonei perdidamente. E hoje, que me considero capitão de longo curso nos bravios mares da alta micraria, digo sem receio de errar: jamais conheci um programa tão bom. Uma pérola. Uma coisa de gênio. Uma jóia rara. Um primor. E mais não digo porque me faltam adjetivos para qualificá-lo.

Nunca mais nos separamos. Mora no meu "startup folder" e é carregado tão logo a máquina é ligada. Se não preciso dele, minimizo-o. Quando preciso, um clique e ele aparece lépido e fagueiro. Não me lembro de uma única sessão de trabalho sem tê-lo usado ao menos uma vez. Para mim, se a palavra "indispensável" se aplica a um programa, é ao XTree. Temos um longo caso de amor. Que, como convém aos casos de amor assim ardentes, gerou frutos: meu primeiro livro foi sobre ele.

O XTree nasceu há quase dez anos. Em primeiro de abril de 1985, para ser exato. Seu criador, Jeffrey C. Johnson, era um programador da Executive Systems que resolveu desenvolvê-lo para uso interno na empresa, buscando facilitar a vida dos colegas de trabalho que se enrolavam ao pular de galho em galho da árvore de diretórios. Fez tanto sucesso na firma que resolveram lança-lo comercialmente.

O programa foi muito bem recebido pelo público e evoluiu. Em 1987 adquiriu tantas novas funções que mudou de nome para XTreePro. Mais tarde, em 1989, evoluiu ainda mais e virou XTreePro Gold. E, finalmente, em janeiro de 91, a Executive Systems decidiu lançar uma versão simplificada (o XTree Easy, que não "pegou") e aperfeiçoar ainda mais o produto completo, que passou a se chamar XTreeGold.

Como aos bons vinhos, o tempo fez bem ao XTree. Com ele, consegue-se fazer milagres. Transitar pela árvore de diretórios de mais de um disco simultaneamente, comparar arquivos, classificá-los por tamanho, data, nome ou extensão, exibir na mesma janela todos os arquivos do disco ou de um ramo da árvore de diretórios com todos os seus subdiretórios, renomear arquivos e diretórios e fazer poderosíssimas operações com grupos de arquivos. Tem até um editorzinho de textos simples mas poderoso, minha ferramenta preferida para editar Configs, Autoexecs e Inis. Eu não concebo trabalhar em um micro sem ele. Quando algum amigo me pede para "dar uma olhada em sua máquina", sento-me ao teclado e a primeira coisa que procuro é pelo XTree. Se não o encontro, sinto-me mais perdido que cachorro em procissão.

Mas o XTree era filho do DOS. Foi concebido juntamente com a árvore de diretório e se desenvolveu em seus galhos. O surgimento de Windows foi um golpe que jamais conseguiu absorver. Não que deixasse de ser útil. Ao contrário: rodava perfeitamente sob Windows, em tela cheia ou em janela, e com ele destrinchei exércitos de arquivos Ini e encontrei batalhões de DLLs perdidas. Mas quem queria rodar um programa em tela de caracteres nos tempos da graciosa interface gráfica? As vendas caíram e foi lançada a versão para Windows. Bonita, poderosa, mas infelizmente não "pegou". Era a cara do File Manager. Não era a mesma coisa. Tanto que eu, usuário fanático, nunca o usei nem jamais topei com ele nas máquinas que freqüento.

Definhou. Em novembro do ano passado a Executive Systems foi absorvida pela concorrente Central Point, a do PCTools. Que teve o bom senso de manter o XTree no mercado. Mas há poucos meses a própria Central Point foi, por sua vez, absorvida pela Symantec, a do Norton. E nuvens negras se alevantaram nos céus do XTree.

Pois não faria sentido para uma única softhouse manter três produtos concorrentes no mercado. Por enquanto - e não sei ainda por quanto tempo - o PCTools sobrevive. Mas acabo de saber que o XTree foi descontinuado.

Então, voltando ao título: com a alma destroçada e o coração em frangalhos, cumpro o doloroso dever de comunicar o falecimento de meu dileto amigo XTree. Que, evidentemente, vai continuar em minha máquina. Ao menos até inventarem alguma modificação na estrutura de arquivos que o torne inoperante, quando terei que me separar dele. O golpe será enorme. Mesmo que surja um substituto, vocês sabem como são essas coisas: o primeiro amor a gente nunca esquece.

Mas não adianta chorar: o fato é que XTree morreu. O que leva a uma outra questão.

Vocês aí, que continuam aferrados ao DOS, sua linha de comando e sua interface de caracteres: por quanto tempo vocês acham que essa sopa ainda vai durar?

Dou dois anos. E olhe lá...

B. Piropo