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22/08/1994
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Eu já ando cansado de discutir os problemas de vocês. Hoje, só para variar, vamos discutir o meu. Na verdade, não é um problema. Não seria justo chamá-lo de problema. No máximo, inquietação. Seguinte: eu tenho três máquinas. Não que eu precise: precisar mesmo, preciso de uma e olhe lá. Afinal, vivi mais de quarenta anos sem nenhuma e sobrevivi perfeitamente. Mas tenho três. Por que três? Frescura mesmo. Tem gente que coleciona selos, há quem colecione carros. Tive uma namorada que colecionava corujas. A Cora coleciona gatos: pintados, desenhados, modelados, esculpidos e vivos. Sei de gente que coleciona bibelôs, caixa de fósforos, lápis de propaganda, lata de cerveja e tampinha de garrafa. Imagine uma porcaria qualquer e encontrará quem a colecione. Eu coleciono micros. Homem de hábitos simples e modestos, quase espartanos, esse é meu único luxo. Meu hobby. Mais que hobby: vício. O único além do cigarro, e pelo menos esse não vai me matar como o outro. Portanto, acho que tenho direito a ele. Das máquinas, duas são desktops e a outra um palmtop. Eu as justifico com a desculpa esfarrapada que preciso de um desktop para trabalhar em casa, do palmtop para andar comigo pra cima e pra baixo e do outro desktop - que na verdade foi feito com sobras de upgrades do primeiro - para testar programas e sistemas operacionais, versões beta que não ouso instalar no outro. Mas não acreditem. É vício mesmo. E como todo viciado, sou obsedado por tudo quanto é porcaria que aparece para encaixar, espetar ou pendurar em um micro. Pior: preciso, compulsivamente, de estar no topo da pirâmide, na cutting edge, na última palavra. Se não for, não serve. Quando vejo uma máquina mais rápida na casa de um amigo, um monitor maior e mais colorido, um periférico mais evoluído, morro de inveja. Babo. Estrebucho. Não sossego enquanto não comprar um igual. Ou, de preferência, melhor. O que já joguei de dinheiro fora com essa mania não tem medida. Sei que de fato não preciso de nada daquilo. Mas não me emendo: vício é vício e não tem jeito. O mais grave é que não pretendo abandonar o vício. Estou até satisfeito com ele. Acontece justamente o contrário. A questão é que meu equipamento está desatualizado. Desatualizadíssimo: há muito tempo não me sinto tão longe do topo. E isso me deixa em um estado de profunda frustração. E o pior é que não consigo me atualizar por pura indecisão. Essa é a razão da inquietação. Como disse, não é um problema. Em um país como o nosso, onde são tantos os que não tem meios de atender sequer as mais básicas necessidades, com tanta gente precisando de um micro para trabalhar sem conseguir comprar nem um XT, chamar isso de problema seria uma estupidez que eu não cometeria. Na verdade me considero mesmo um privilegiado. Mas vício é vício, e essa situação está me deixando, se não infeliz, pelo menos bastante desconfortável. Vejamos: meu desktop de fé ainda é um 486 DX/33. Uma placa mãe velha de dois anos. Que atende a todas as minhas necessidades básicas e muito mais, mas não ao vício: está pelo menos dois patamares abaixo do topo. Entre ela e o topo, os DX2/66. E no topo, os Pentium e os DX4/99. E, breve, os Power PC. É claro que nem penso nos DX2/66: irei, compulsivamente, direto para o topo. Mas que topo? Pentium ou DX4? Ou espero pelo Power PC? Há dois meses, em pleno salão da Comdex de Atlanta, mordido pelo vício e decidido a fazer o upgrade ali mesmo, perguntei a um fornecedor de placas-mãe qual ele me aconselharia. E ele me aconselhou esperar. Do ponto de vista técnico, é de fato o mais sensato: espera-se um pouco até que os bugs sejam todos extirpados, um novo barramento se consolide e os preços caiam. Mas o que menos interessa a um viciado é a sensatez. Esperar como, depois de ver uma máquina Pentium dar o boot com o OS/2 em segundos? Esperar como, depois de ver as telas gráficas de Windows se renovarem em um piscar de olhos em um DX4 com placa aceleradora? Esperar como, deus meu? Uma placa mãe dessas, qualquer uma, custaria um pouco mais do que me custou a atual quando a comprei. Não é que a grana ande sobrando, mas vício é vício e apertando aqui e ali sempre se consegue dar um jeito. Mas ainda não comprei. Estou esperando. Aflito, babando, mas esperando. Para um viciado, é duro... E o palmtop? Ah, é uma gracinha. Pesa menos de meio quilo com bateria e tudo. Mas é um XT. Um XT! Um pobre, mísero e ultrapassado XT! Roda qualquer programa que rode em um XT, inclusive o Works para DOS com um editor de textos, uma planilha e um banco de dados mais que suficientes para o dia a dia. Além de trazer gravado em ROM um utilitário com uma agenda de compromissos que organiza toda minha vida. É leve, usa pilhas comuns e tem uma tela LCD que não é nenhuma brastemp mas é perfeitamente legível. Em suma: supre as minhas necessidades básicas. Mas é um XT. Vocês podem imaginar tamanha obsolescência na pasta de um Piropo? Um viciado em micros carregando um XT pra cima e pra baixo? Uma vergonha... Então, há que comprar pelo menos um 386. Mais perto do topo. Bem, pelo menos não tão longe: o topo em subnotebooks anda pela casa dos sete mil dólares, o que é demais até para um viciado irrecuperável como eu. Mas, na faixa dos dois mil, há excelentes portáteis com vídeo a cores. O problema é o peso e a duração da bateria: os menores desses bichinhos pesam quase três quilos e as baterias de níquel-cádmio são pesadas e duram menos de duas horas. E minha velha coluna não vai agüentar carregar o tempo todo um brinquedo desses mais uma bateria reserva. Mas as baterias de lítio e de hidreto, mais leves e com carga mais durável, estão se disseminando e os preços caindo. Comprar agora seria uma bobagem: melhor esperar. De novo, esperar. Enquanto babo e estrebucho olhando os portáteis dos amigos rodarem Windows. É duro... Pois é isso. Essa é a questão: querer evoluir, mas sem resolver para onde. Olhar com olho comprido as soberbas máquinas que andam pipocando por aí sem decidir por nenhuma. Remoendo o vício insatisfeito. Me mordendo de inveja. Ainda acabo fazendo uma besteira e compro a primeira porcaria que me aparecer pela frente. Por enquanto tenho conseguido refrear o impulso. E só por uma razão: para um viciado como eu, que sente a maldita compulsão de se manter no topo mesmo quando não precisa, só há uma coisa pior que ter uma máquina ultrapassada. É passar por basbaque comprando a máquina errada... B. Piropo |