Escritos
B. Piropo
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18/07/94

< Mercado de Informática >


Dos classificados: um 386SX 40 MHz com HD de 170Mb, 2Mb de memória RAM e monitor VGA mono por US$ 765 - na loja, com nota fiscal e garantia. Já um 486DLC de 40MHz com HD de 250Mb, vídeo SVGA colorido com dot pitch de 0,28mm e 4Mb de RAM sai por US$ 1330. E olhe só que beleza: um 486 DX2 66MHz novo, na loja, com nota, garantia, HD de 130Mb, 2Mb de RAM, drive de 1,44 e monitor VGA mono pela bagatela de US$ 1260. E olhe que se você preferir monitor colorido, basta acrescentar mais US$ 183. É pechincha ou não é?

Se você largou essa Trilha Zero, correu para os classificados para comprar antes que acabe o estoque e não encontrou os anúncios, desculpe. É que eles não estão no Globo: foram escolhidos quase que ao acaso na seção de classificados da edição de domingo do El Mercurio. Do Chile, um país cuja população é pouco maior que a do Grande Rio: quinze milhões de habitantes dos quais cerca de um terço vivem na capital, a agradabilíssima Santiago. Onde se encontra anúncio do Word Perfect no metrô e da Epson, Apple e similares em outdoors espalhados por toda a cidade.

Há duas semanas realizou-se por lá a Softel, uma feira de informática e comunicações com o que há de melhor e mais novo no setor, que atraiu mais de sessenta mil pessoas. Paralelamente, houve uma "Oficina de Engenharia de Sistemas" da qual participaram dois mil profissionais locais. O que não é de admirar, já que o Chile exporta software: este ano, US$ 38 milhões e ano que vem, espera-se, cerca de US$ 50 milhões. Noventa porcento disto para a América Latina, mas estão de olho no mercado europeu e americano - tanto que sete de suas softhouses estão solicitando o certificado de qualidade ISO 9001. Quando o obtiverem, o Chile será o primeiro país latino-americano a consegui-lo no setor.

Por lá, também, há pirataria. Mas até as softhouses concordam que está diminuindo: nas grandes empresas, em dois anos, caiu de uma taxa estimada de 97% para cerca de 44%, e nas pequenas empresas e mercado doméstico, baixou para 86%. Como estas estimativas são feitas pela ADS, a Associação de Distribuidores de Software de lá, baseadas em um critério que compara as vendas reais com um certo "potencial de vendas" que só Deus e a ADS sabem como foi estimado, podemos considerar que a coisa está em um nível suportável. E a porcentagem de programas piratas continua caindo. Por que razões? Ah, dizem eles que devido a campanhas educativas, medidas punitivas (que eles acreditam que funcionam) e ao fato dos preços de software terem baixado cinco vezes em menos de dois anos (que eu acredito ser a verdadeira razão).

Estive em uma empresa chilena prestadora de serviços públicos. Tem menos de mil e duzentos empregados. Não tem mainframe: usa uma rede de mini-computadores para serviços pesados, como emissão de mais de um milhão de contas, folha de pagamento e coisas que tais. As contas são emitidas com base em dados coletados no campo e transferidos diretamente para os minis via porta serial.

Além dos minis a empresa tem em seus escritórios, por enquanto, trezentos e sessenta micros - sem contar os terminais ligados diretamente aos minis. O que corresponde a um micro para pouco mais de três empregados. Se levarmos em conta que o total de empregados inclui operários, serventes, contínuos e outras funções que não necessitam de um computador, não é de espantar que, nos escritórios, encontre-se um micro em cima de quase todas as mesas.

Que micros? Bem, atualmente só compram 486. Mas como a informatização da empresa já começou há muito tempo, ainda há muitos 386. E cerca de oitenta 286 e XTs. Que, muito em breve, serão todos substituídos por 486. Ainda estão estudando o que fazer com os velhos XT e 286. Alguns irão substituir as poucas máquinas de escrever que ainda restam na empresa. Outros, substituirão alguns terminais burros. O resto será simplesmente sucateado.

Passei uma tarde conversando com os responsáveis pela informática na empresa. Por solicitação deles: queriam ouvir um brasileiro "expierto" em informática. Sem dúvida alguma, foi uma tarde um bocado instrutiva. Para mim, é claro: algum dia comentarei sobre o espertíssimo esquema que eles adotam para resolver o problema de virus e backup em quase quatrocentos micros espalhados pela empresa com apenas cinco funcionários encarregados do suporte. Um negócio danado de inteligente...

O Chile é um país e tanto. E Santiago, uma cidade encantadora. A vida é cara, tem uma miserável poluição atmosférica e um trânsito engarrafado demais para meu gosto, mas afinal nada é perfeito. Em contrapartida, é fácil fugir destes atropelos: nessa época do ano, Santiago fica a uma hora da neve. E, o ano todo, a duas do mar. Tem um metrô limpo, eficiente e agradável. A comida é saborosa, os restaurantes magníficos e com um serviço de primeira. É uma cidade segura - quase um paraíso para quem vive na guerrilha urbana de Rio e São Paulo. E o povo é de uma gentileza absurdamente encantadora. Até os motoristas de taxi, quem diria, são delicadíssimos. Os irmãos chilenos recebem a nós, brasileiros, com uma comovente amizade fraterna. Assistem religiosamente aos jogos da copa, vestiram a camisa de latinoamérica e torcem pelo Brasil.

No que toca à informática, estão um bocado adiantados. O parque instalado cresce a uma taxa de 20% ao ano. O governo nunca se meteu no assunto: somente agora discute-se a possibilidade de criar um organismo governamental, a Comissão Nacional de Informática, cuja finalidade será promover a exploração racional e otimização dos recursos da informática nos órgãos públicos. Que espero que não criem - ou, se criarem, que não se meta nos privados, que vão indo muito bem sem ingerência do governo. Aqueles preços lá de cima são possíveis devido a uma política simples e transparente de impostos: importa-se o que se desejar, desde que se pague uma taxa de importação de 18% e um imposto local de 11%.

Ah, e mais um detalhe que talvez seja importante: o Chile não tem, nunca teve e, presumo, jamais terá uma lei de reserva de mercado de informática.

B. Piropo