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07/02/94
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< Português ou Inglês? > |
Há alguns anos quase não havia versões em português de programas e sistemas operacionais. Então, não havia opção: se você quisesse rodar um programa made in USA, havia que se entender com menus, telas de ajuda e mensagens de erro em inglês. Em português, quase que só os programas nacionais. Que nem sempre podiam substituir software importado. E não me refiro somente à qualidade, mas à própria finalidade do programa: tanto quanto eu saiba não existe, mesmo hoje, um bom compilador nacional. Como o que não tem remédio remediado está, naqueles tempos todo mundo tinha que aprender a se entender com os programas "decorando" que ações correspondiam a determinados termos. Que muitos não faziam a menor idéia do que significavam. O que gerou, entre outras coisas, uma estranha linguagem mista, com coisas horríveis como "abendar" (de ab end, abreviatura de abnormal end, significando a interrupção abrupta de um programa por erro interno), "sortar" (de sort, ou ordenar), "butar" (de boot) e outras tantas bobagens de arrepiar, que sozinhas dariam assunto para mais uma coluna. Depois, começaram a surgir as versões traduzidas dos programas em inglês. Hoje, pode-se escolher o idioma de quase qualquer programa. E quem prefere a versão em português nem tem que esperar muito: por vezes ela já está disponível menos de um mês após o lançamento da original. Uma informação não oficial da Microsoft dá conta de que as versões em português correspondem a mais de 85% do software por ela distribuído no país. O que significa que quase nove de cada dez cópias comercializadas pela MS do Brasil são de produtos traduzidos. Ou "localizados", como costuma dizer a própria Microsoft. Para mim, confesso, nunca fez muita diferença: meu inglês sempre deu para o gasto. É verdade que, ainda principiante, tive um bocado de trabalho para entender que a estranha mensagem "I/O error" significava erro de Entrada/Saída e não erro de divisão por zero, mas isso foi pura falta de prática. Logo aprendi que em um computador, um "1" e um "I" são coisas tão diferentes quanto um zero e um "O" e tudo se encaixou. E desde então eu e meus programas em inglês temos convivido muito bem, obrigado. Mas, com o advento do software em português surgiu a inevitável questão: usar a versão em português ou em inglês? Até recentemente eu respondia que, se o usuário entendesse o mínimo de inglês necessário para manejar os menus, desse preferência para a versão original. No fim das contas, original era original, e sempre que possível, era melhor trabalhar com o original. E nem deveria ser tão difícil assim: afinal, aprender um punhado de termos técnicos em inglês, mesmo para quem não falava o idioma, não era propriamente um trabalho de Hércules. Mas nada como sofrer na pele a desgraça para saber como dói. Recentemente mantive contato profissional com dois engenheiros europeus. Eram jovens recém-formados que aqui vieram para um estágio. Eu me entendia com eles em inglês, o esperanto da tecnologia, e tudo corria razoavelmente bem. Como o trabalho que lhes coube exigia o uso de um micro, trouxeram o software necessário. Eram programas altamente especializados, modelos matemáticos de processo que rodavam sob Windows. Por isso trouxeram também sua própria cópia de Windows. E tudo corria na santa paz. Pelo menos até o dia em que tiveram um problema com a configuração de Windows para máquina onde o instalaram. E alguém lembrou que havia por ali um outro engenheiro que "entendia de computador" e talvez pudesse ajudar. Vocês já adivinharam quem foi a vítima... Tudo bem, não custava nada ajudar os meninos. Diante de respeitosa platéia, prestes a assistir B. Piropo praticar mais uma de suas admiráveis façanhas, sentei-me diante do teclado, com aquele ar de quem sabe o que está fazendo, certo que não haveria de perder mais que dez minutos com aquela bobagem e que logo a máquina estaria nos conformes. Carreguei Windows e, não mais que de repente, explodiu bem na minha cara uma janela com uma mensagem de erro. Em dinamarquês... Vocês já viram alguma coisa escrita em dinamarquês? Quando eu não entendia coisa alguma de alguma coisa, costumava dizer: "Isso, para mim, é grego". Agora estou seriamente tentado a substituir o grego pelo dinamarquês. Excusado dizer que frustrei a platéia e nem com a ajuda dos rapazes traduzindo as janelas consegui resolver o problema. Que talvez não fosse assim tão difícil. Desde que eu tivesse a mínima idéia do que se tratava... Então, face a experiência tão traumática, penitencio-me publicamente ante aqueles que foram na minha conversa e compraram programas em inglês sem dominar o idioma. E mudo, desde agora, meu conselho. Que, de hoje em diante, fica assim: quem tiver conhecimento suficiente de inglês para entender o que consta dos menus, das janelas, das mensagens de erro e das telas de ajuda, usem o programa em inglês, pois afinal original é original e coisa e tal... Caso contrário, prefiram a versão em português mesmo. Melhor se acostumar com algumas traduções esdrúxulas que se ver perdido diante de uma mensagem ininteligível sem ter a menor idéia de como seguir adiante. E mais: estou programando para breve, quem sabe durante o carnaval, instalar uns novos babilaques em meu micro e, aproveitando o embalo, reformatar meus discos rígidos e reinstalar todos os sistemas operacionais e programas para me ver livre de umas tantas DLLs espúrias e zilhões de arquivos que sedimentaram-se ao longo dos anos nessa pobre e sofrida máquina onde tantos programas já foram instalados e removidos. Em suma: fazer uma faxina. E, já que vou mesmo reinstalar tudo, estou pensando seriamente em começar a trabalhar com as versões em português. Senão, dentro de algum tempo, corro o risco de me ver na desconfortável situação de quem está falando sozinho. Em inglês, naturalmente... B. Piropo |