Escritos
B. Piropo
Anteriores:
< Trilha Zero >
Volte de onde veio
13/12/1993

< Esmeraldite >


Vocês sabem o que é esmeraldite? Consta que é um mal que só afeta famílias de médicos. O nome deriva da esmeralda do anel dos médicos. Não é propriamente uma enfermidade: é só um caso muito complicado de qualquer coisa. Uma doença besta qualquer, mas que complica miseravelmente. Ou o sujeito cura ou se desmoraliza perante a família. Pois eu descobri que um mal parecido afeta os micros. Pelo menos os daqui da editoria, que é uma grande família. E, mais particularmente, a máquina da Cora.

Pois há algum tempo me cabe a tarefa de executar as cirurgias mais delicadas em tal paciente. A anamnese, curativos e assepsias a Cora mesmo faz, mas quando o diagnóstico recomenda intervenções mais profundas, ela me dá a honra de convocar meus préstimos. Que presto, evidentemente, com muito prazer. Há dois anos instalei o OS/2 2.0, um novo HD e mais uns tantos periféricos na paciente em questão. O caso obrigou internação: trouxe a máquina aqui para casa. Mas cometi a imprudência de não trazer a impressora. Resultado: quando a bichinha voltou ao lar, recusava-se terminantemente a imprimir sob OS/2. Isto acontece muito raramente. É que, ao contrário do DOS, o OS/2 só imprime se todos os pinos da porta paralela estiverem ligados, e no cabo da Cora faltavam conexões. Como o cabo ficou lá, o problema só apareceu depois de tudo instalado. Um caso típico de esmeraldite, porém moderado.

Há poucas semanas a máquina fez um caso agudo de indigestão (médicos dizem que a gente "faz" enfermidades; deve ser para deixar claro que a culpa não é deles). De tanto engolir programas, já não havia mais que um mísero mega livre em seu disco rígido. E a Cora relutava em decidir o que remover de lá. Não por isso, disse eu. Já que a casa da Cora estava tomada pela classe operária (revolução não: obras), eu levaria a máquina novamente para a minha, faria um check-up, instalaria a versão 2.1 do OS/2 juntamente com o stacker e a brindaria com pelo menos mais 150 megas. Ela concordou alegremente. Eu trouxe a máquina, desta vez com a impressora e todos os penduricalhos. E enfrentei o mais terrível caso de esmeraldite de que jamais se teve notícia.

No começo, como sempre, tudo bem. Preparativos habituais: rodar um programa de diagnósticos para descobrir quem usa que interrupções, anotar os dados do CMOS e posições de jumpers, fazer um backup completo. Depois, para não comprimir o disco de boot com o stacker, rodar o Fdisk para subdividir o HD em duas partições e instalar o DOS. E já que iria instalar, porque não o DOS 6? Então vamos a ele. Que aninhou-se sem dificuldades nas entranhas da máquina. Os problemas começaram quando tentei combiná-lo com o QEMM 7.1. Não se entenderam nem a pau. Tudo bem: afinal, a maior parte do tempo a máquina vai rodar mesmo sob OS/2. Então nem vale a pena pegar o upgrade do QEMM 7.03. Melhor reinstalar mesmo o velho DOS 5 e seu fiel escudeiro QEMM 6.x, que sempre se deram muito bem. Dito e feito: depois, foi só restaurar Windows no drive D e testar. Tudo OK. Agora, ao OS/2. Vai ser fácil, pensei.

Deus meu, como eu estava enganado! Por já ter instalado dezenas de vezes o OS/2, achei que poderia prescindir da leitura do manual. E meti as caras. A instalação foi tranqüila: tanto no início, nas telas texto, quanto na parte das telas gráficas. Nestas, com a ajuda do mouse. Feita a instalação, vamos ao primeiro boot. E à mensagem de erro: o driver Vmouse.Sys não havia sido carregado. E OS/2 sem mouse não é um sistema operacional: é um martírio.

Troquei o driver: nada. Reinstalei o OS/2: nada. O mouse não era reconhecido nem à porrete. Mas como, se durante a instalação ele funcionou tão bem? Troquei o mouse: nada. Depois de três mouses (um bus, um InPort e um serial) e uma nova placa de vídeo (com mouse, que sempre funcionou no meu sistema), eu estava beirando o colapso nervoso. Comecei a disparar frenéticos pedidos de socorro pelos BBS. E recebi de volta uma mensagem do Savio da IBM: verifique se o arquivo Mouse.Sys do OS/2 é igual ao do disco de boot. Não era. Bendito Savio. Por não ter lido o manual, não "esvaziei" o diretório raiz, como recomendado. E o OS/2 engoliu o driver Mouse.Sys do DOS, que lá estava. E não servia, evidentemente.

O Vmouse.Sys só não era carregado porque o Mouse.Sys estava corrompido. Troquei o Mouse.Sys e tudo funcionou perfeitamente. Voltei ao DOS e testei: tudo na mais perfeita. Agora, novo boot para instalar o stacker. E a máquina ficou doida. Começou a procurar desesperadamente por um disco de boot no drive B. Mas porque no drive B? O que houve com o setup? Vamos ver: reset e Esc, para entrar no setup. E apareceu a mensagem tenebrosa diante de meus olhos atônitos: entre com a senha. Mas que senha? Eu já tinha entrado no setup mais de dez vezes sem senha, porque isso agora? Por que essas coisas acontecem logo comigo? Por que, senhor meu!

Pois aconteceu: sem mais aquela, os dados do CMOS se embaralharam de tal forma que tudo ficou completamente doido. Nem a senha default adiantou. Resultado: fechei um curto circuito na bateria para descarregá-la. Liguei a máquina: pediu senha. Novo curto, novo pedido de senha. Demorou uma noite inteira em curto. Só na manhã seguinte deu para entrar no setup, refazer os dados, dar o boot e instalar o stacker. E restaurar o resto dos arquivos.

Isso, que gastou uma coluna para contar, consumiu-me três semanas de trabalho duro. Depois já dei dezenas de boots pelo OS/2 e pelo DOS, que eu não sou besta,. Testei todos os programas. Muitos ao mesmo tempo. Sob OS/2, sob Windows, sob DOS e, quando possível, sob todos os três. Imprimi de todos os meios e modos. Testei modem e fax. Deixei a máquina ligada toda uma noite. Resetei no meio de programas, fiz o diabo. Parece que está tudo nos conformes. A máquina ainda está aqui, na mesa ao lado. Vou devolvê-la amanhã. De vez em quando olho pra ela meio de esguelha. E ela para mim, de soslaio. Definitivamente, não confiamos um no outro.

E tenho certeza que amanhã ela ainda vai me aprontar alguma...

PS: Amanhã, dia 14, nova reunião do Grupo de Usuários do OS/2. No auditório do RDC, na PUC, às 19 horas. Como sempre, não é necessária inscrição prévia. Basta aparecer para bater papo.

B. Piropo