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22/03/1993
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Vocês se lembram da carta do Mauro Roitman, que consumiu todo o Prezado Globo no número de aniversário? Pois nela há uma série de sugestões. Dentre elas, uma me pareceu particularmente interessante: sem reduzir o nível de informação, o Mauro quer mais opinião. Ele acha importante, além de saber o que nós sabemos, saber o que nós pensamos. Chega até a me ameaçar com mais uma coluna. A idéia é boa, Mauro, mas outra coluna, não dá. A Trilha, e agora as dicas, já me tomam tempo bastante para atrasar em quase dois meses as respostas às cartas. Então, o jeito é mesclar as duas coisas na mesma coluna. O que, aliás, já venho fazendo há muito tempo. Se bem que não exatamente no contexto que você propõe. O que tenho feito é mais ou menos o seguinte: nas cartas, nas dificuldades que noto conversando com amigos, nos papos de esquina e em outras fontes igualmente fidedignas, detecto um tema que vos faz sofrer. Então, em uma coluna ou, mais comumente, em uma série delas, procuro descascar o abacaxi. Mas aí, acontece uma coisa inevitável: para quem não está interessado naquele assunto em particular, a coluna fica chata. Pior: fica quase ininteligível. Pois não há como evitar descer a detalhes técnicos sobre determinados temas. E começam a pingar cartas reclamando. Se a série se alonga demais, os pingos viram chuva copiosa. Então, eu intercalo. Termino um tema mais pesado e passo algumas semanas no item "assuntos gerais", emitindo as opiniões que o Mauro pede. Não se trata de "encher lingüiça", mas da busca do equilíbrio. Abordar temas mais leves depois de algumas semanas de um negócio pesado como a HMA dá tempo para vocês respirarem e para eu detectar o próximo. E aí começam as cartas reclamando que eu abandonei os pobres micreiros à sua própria sorte e estou jogando conversa fora. Se você, nesta altura dos acontecimentos, acha tudo natural e murmura com seu fecho-eclér (já não se usam mais botões como antigamente) que não se pode contentar a todos, engana-se. Pois justamente esta é a minha obrigação. E a maneira que me parece mais viável é intercalar. Portanto, se você acha, agora, que estou jogando conversa fora, tenha um pouco de paciência que logo adiante volto carregado de bits e bytes para despejar sobre sua máquina. Por outro lado, se é dos que pensam que aquele papo sobre hexadecimal quase a abalou nossa amizade, não se preocupe: a coisa é cíclica. Relaxe e aproveite, que estamos nas semanas light. Então, feito o inevitável intróito, vamos à carta do Ernie, que transcrevi aqui semana passada. E dêem licença para conversar um pouco com ele, que o rapaz tem idéias. Não se assuste com o mundo que você sonhou, caro Ernie. Pelo contrário: acostume-se a ele. Um mundo no qual, como você teve clarividência suficiente para suspeitar, a grande revolução não será da informática, mas da comunicação. E num sentido muito mais amplo do que a palavra abarca hoje. Os computadores terão, evidentemente, um papel destacado nesta revolução. Serão, como você também já percebeu, muito menores do que este trambolho que repousa sobre minha mesa. E muito mais baratos. Mas não será nem o tamanho nem o preço, mas o dispositivo de entrada, que fará com que eles venham a ser tão comuns quanto, por exemplo, as televisões são hoje (não sei se deu para pegar o espírito da coisa: o que pretendo dizer é que penso que, em um futuro não muito distante, computadores pessoais serão bens de consumo que permanecerão acessíveis apenas à parcela da sociedade com poder aquisitivo para adquiri-los. Mas esta parcela será muito mais ampla do que é hoje. Penso que corresponderá, proporcionalmente, àquela que atualmente pode dispor de uma TV). Qual será o novo dispositivo de entrada? Não sei. Mas sei que não será este maldito teclado. Reconhecimento de voz? Duvido: por mais que evolua a inteligência artificial, a comunicação por voz traz problemas de contexto que não creio venham a ser resolvidos. Penso que será algo próximo aos "pen based computers" (se bem que os que conheço ainda são bastante canhestros). Mas garanto que o teclado será banido. E este será o grande impulso na disseminação dos computadores. Mas como lhe disse, Ernie, computadores serão meros coadjuvantes na grande sinfonia da comunicação. Cuja ouverture já se faz ouvir: ano passado, em Chicago, para ir à Comdex eu chamava taxi por telefone. E não ligava para a central, mas para o próprio motorista, que me atendia em seu telefone celular. Naquelas bandas, quase todo motorista tem um. E nem se trata de sonho de primeiro mundo: tanto aqui no Rio quanto aí na sua Brasília eles já são relativamente comuns. E serão ainda mais, tão logo os preços se tornem mais acessíveis. Você sabia que já se discute seriamente a possibilidade de que cada telefone tenha um número único? Acha que já tem? Mas não me refiro aos da sua cidade ou da minha: me refiro a todos mesmo. E não vai demorar muito. Então, para ligar para seu amigo de Jacarta, disque apenas o número, sem se preocupar com códigos DDI ou DDD. Vai ser um telefonema como outro qualquer. Na medida que este tipo de serviço for usado mais intensamente, as tarifas vão baixar. Junte isto à brutal evolução das taxas de transmissão de dados, que deverão chegar muito breve aos 100 Megabits por segundo, e receba no HD de uma polegada de seu pen based computer com tela colorida de alta resolução toda a edição do USA Today. Ou do Corriere della Sera. Ou do Asahi Shimbum. Antes que eles cheguem às bancas de Los Angeles, Roma ou Tóquio. Se é que ainda haverá bancas... E, mais uma vez, Ernie, você está certo. A conjugação da informática com a comunicação vai deslocar o eixo de poder. Que mudará de mãos, já que não faz sentido, em um mundo onde todos terão acesso à informação, que ele se concentre nas mão de quem a detém. Ele passará para aqueles que puderem controlar sua disseminação, como a Microsoft. E para os que a puderem absorver, como você. Pois o universo de informação será tão vasto, que não bastará dispor dela, mas será preciso saber selecionar e absorver apenas a que for de interesse. Então, cuide-se Ernie. E acostume-se a idéia de seu novo mundo. É nele que você vai viver, certamente muito mais tempo que eu, já que toda uma geração nos separa. Afinal, você é pouco mais jovem que meu filho. Mas não se preocupe: não creio que muita coisa nos separe além disto. A julgar por sua carta, também você me pareceu um grande papo, destes de passar horas a fio jogando conversa fora. Quando aportar por estas bandas, avise, para tirarmos a prova.
B. Piropo |