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06/07/1992
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< PROFISSÃO DE FÉ > |
Em junho de 92 estive na InRio 92, uma feira pequena porém simpática. Na sessão de encerramento participei de um debate sobre o papel da imprensa no escorregadio terreno da informática tupiniquim. Como em toda discussão, os melhores argumentos apareceram depois de terminada. Sorte a minha que posso expô-los aqui em vez de ficar a ruminá-los pelos cantos. Me parece que a indústria brasileira de informática atualmente corre de um lado para outro sem rumo aparente, como barata que levou chinelada. No caso, a chinelada foi o pseudo cancelamento da reserva de mercado. Pseudo para nós, usuários, que ainda continuamos a pagar quase três vezes mais por um produto importado legalmente que pelo mesmo produto importabandeado. Para eles a coisa é outra, já que a diferença corre por conta da carga tributária, pesada tanto para quem importa como para quem produz. Mas creio que a situação é transitória. Ao contrário da barata, que acaba por morrer em um canto qualquer, nossa indústria vai encontrar seu rumo. Não será o confortável caminho pavimentado pelo mercado cativo que a reserva garantia, mas o da sadia concorrência onde somente sobreviverão os mais aptos. Em suma, saem os picaretas que se aproveitavam da reserva para não evoluir (pervertendo seus efeitos, já que foi criada, em tese, justamente para possibilitar essa evolução) e permanecerão apenas os que podem garantir um produto de qualidade a preços decentes. Que são muitos e, brevemente, serão mais ainda. Acredito que a grande vocação do país está mais no campo do software que do hardware, mas isso o tempo e o mercado decidirão. De qualquer forma, estão todos em busca de seu caminho. Nessa busca, é natural que se procure abrir portas. A InRio foi uma delas. E parece que funcionou: uma feira que soube delimitar seus objetivos e os alcançou. Outra seria a divulgação dos produtos pela imprensa. E no debate notei não exatamente uma queixa, mas, digamos, um lamento, pelo aparente privilégio na divulgação e análise de produtos estrangeiros em detrimento dos nacionais. Mas será que é mesmo assim? Há, realmente, uma discriminação contra o produto nacional? Bem, não seria eu, um mero colaborador com menos de dois anos de estrada, a me arvorar em arauto da imprensa. Nem do caderno de informática do Globo, cujos critérios transparentes bem conheço, mas cujo mérito e responsabilidade são de Cora Rónai, a editora e quem cabe falar por ele. Mas posso, tranqüilo, falar por mim e por meus critérios, visto que jamais foram contestados: dentre as muitas qualidades da Cora, a que mais admiro é justamente seu profundo respeito pela liberdade de opiniões e idéias alheias. O que, se me dá absoluta liberdade de escrever o que penso, faz pesar sobre meus ombros uma não menor responsabilidade sobre o que escrevo. Responsabilidade que leva justamente ao ponto crucial da questão: a quem prestar contas quando se escreve sobre um produto? Em um mundo de intrincadas relações como o que vivemos, a coisa nunca é simples. Há sempre uma hierarquia. Que na ponta de baixo, começa pelo próprio autor do produto. Pois, descontando meia dúzia de picaretas que não merecem satisfação alguma, a maioria dedica tempo, dinheiro e um mundo de boas intenções para desenvolver um produto de qualidade. E há que se respeitar essa dedicação: é duro ver criticado o que se procurou fazer bem feito. Mas há que se entender que a perfeição é inatingível e manter o espírito aberto a críticas. Por outro lado sei também que a brincadeira, a crítica mal posta com o objetivo de fazer humor, pode ter efeitos devastadores sobre um produto. E essa responsabilidade pesa. Depois e acima, na cadeia hierárquica, está o jornal onde escrevo minhas colunas, O Globo. Que, por mais liberdade que me dê, em última análise é co-responsável pela publicação. E, acima dele, a editora do Caderno, Cora Rónai, que ao fim e ao cabo é quem terá que prestar contas de meus eventuais deslizes. E talvez possa parecer que a cadeia se encerra nela. Mas não: há alguém acima. E esse alguém sois vós, amo e leitor. Não, isso não é rasgar de sedas. Penso mesmo assim. Desde o momento que me dispus a escrever minha primeira linha em um meio de divulgação poderoso como o Globo, me imbuí do peso da responsabilidade de fazê-lo. E aqui vai minha profissão de fé: creio que a maior obrigação de qualquer pessoa que escreve para mais de dez leitores é servi-los. E note que não disse informá-los. Pois a informação pode ser dirigida, e informação dirigida é um desserviço. Portanto as satisfações maiores devem ser prestadas a quem lê. Pois, sem leitor, não há sentido em escrever. É daí que derivam meus critérios para a escolha de assunto. Já li, sem exagero, centenas e centenas de cartas de leitores. E elas me dão uma boa imagem de seus interesses, desejos, dúvidas e anseios. Por que tenho dedicado tantas (e ainda dedicarei mais algumas) dessas Trilhas aos arquivos de configuração do DOS? Porque localizei aí o trecho mais escorregadio do tortuoso caminho entre os desvãos da informática pessoal. Pelo menos metade dos problemas podem ser resolvidos com um razoável conhecimento sobre o que enfiar no Autoexec.Bat e Config.Sys. Garanto que me dá prazer maior elogiar o Fácil ou o DIC que o QEMM ou o XTree. E dói mais (pois em mim sempre dói apontar defeitos na obra alheia) criticar suas falhas. Se analisasse apenas produtos nacionais, estaria prestando um serviço à nossa indústria. Duvidoso serviço, já que logo os leitores perceberiam a tramóia e escafeder-se-iam. Mas estaria eu servindo a quem me lê? Certamente que não. E enquanto pensar assim sigo escrevendo sobre assuntos que conseguir detectar como sendo o desejo dos leitores. E no que diz respeito a produtos, estou convencido que preferem ver analisados os que possam vir a lhes ser úteis, venham de onde vierem. E que sejam apontados tanto qualidades quanto defeitos. E, por fim, mais um ponto: não se analisa o que não se conhece. Portanto, se alguém deseja ter um produto, nacional ou não, por mim analisado, envie-o para teste. Se eu julgar que é do interesse do leitor, analiso e submeto à Cora para publicação. Sem compromisso de elogiar, evidentemente: se não quiser ver os defeitos apontados ao lado das qualidades, melhor nem se dar ao trabalho de mandar. E, por favor: jamais programas protegidos. A proteção contra cópia, além de não inibir a pirataria, é um desrespeito a quem compra o produto. E por respeito aos leitores, nem me dou ao trabalho de instalar soft protegido. Questão de princípios... B. Piropo |