Escritos
B. Piropo
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08/06/1992

< CASOS DE AMOR >


Passei os últimos anos usando programas. Melhores uns, piores outros. Alguns até se revelaram magníficas ferramentas de trabalho. E como no trabalho (e em tudo o mais), só se faz bem o que se faz com amor, surgiram inevitáveis casos de amor com algumas delas.

Tarefa delicada o falar dos próprios amores. Principalmente quando muitos. Corre-se riscos. Seja de, esquecendo algum, despertar doridas queixas, seja de, citando demasiados, parecer promíscuo. E hoje a promiscuidade é mal vista e perigosa, capaz de provocar fatais contaminações (felizmente, com as precauções devidas, tenho escapado dos virus). Mas não me entendam mal: foram poucas as paixões avassaladoras. É verdade que namoricos sem grandes conseqüências houve muitos. Mas nenhum assim intenso como os que relato hoje.

Certamente a paixão maior foi por XTree. Amor antigo (o que prova que, se promíscuo, ao menos não sou volúvel). Uma bela história: quando a conheci, ela jovem, eu inexperiente, não surgiu interesse maior. Depois, o contato eventual foi desvendando aos poucos suas qualidades. E ela, pouco a pouco amadurecendo, foi se tornando cada vez mais importante em minha vida. Dai para encontros diários foi um pulo. E o amor, crescendo aos poucos, se tornou firme e duradouro como o dos romances antigos. Hoje, depois de tantos encontros, tendo vivido juntos momentos inesquecíveis, acabei por desvendar cada detalhe de sua anatomia. E de tanto a conhecer, escrevi um livro a seu respeito.

Mas houve outras. QEMM, por exemplo: que ferramenta fantástica! Discretíssima, nem um pouco dada a exibicionismos, nunca assume o primeiro plano. Mas que desempenho extraordinário! Jamais nos encontramos às claras: ela sempre se esconde à sombra das outras. Mas, quando a procuro lá está ela, firme, disposta. E prendadíssima: organiza toda minha máquina com desvelo e eficiência.

E não posso me esquecer de Fácil! Simplesinha, sem grandes enfeites, porém simpática. Não se destaca pelo desempenho, mas pela eficiência: cuida tão bem de meus textos, revê minha ortografia tão carinhosamente que acabei por me acostumar a ela. Encontramo-nos regularmente pelo menos uma vez por semana para escrever minha coluna no Globo. E, se bem que jamais tenha me levado a êxtases, nunca me frustrou. Temos nos dado muito bem: só reclamo do fato de ser ela assim tão protegida.

E que ingratidão: pois não é que quase me esqueço de TurboC! Fizemos, juntos, programas inexcedíveis, daqueles de varar madrugadas. Ao final, exausto, mal conseguia dormir - e quando, enfim, adormecia, ainda sonhava com ela. Em nossos últimos encontros, já orientados para objetos, perpetramos as maiores loucuras. Mas ela é exigente, devoradora, exclusivista: se não se dedicar só a ela, você acaba por quase esquecê-la. Por absoluta falta de tempo nossos encontros foram se rarefazendo tanto que já nem me lembro do último. Mas jamais a esquecerei por completo...

E Windows? Esfuziante, cheia de enfeites, badaladíssima. Mas, aqui entre nós, um desempenho apenas sofrível. Nosso caso de amor tem sido assim, tipo "entre tapas e beijos": às vezes me leva a momentos de êxtase absoluto, às vezes à beira do desespero. Lindíssima, capaz de coisas inacreditáveis, mas tão instável! Já me deu tanto prazer quanto sofrimento. Um relacionamento conflituoso, ainda a ser resolvido. Mas, inegavelmente, ela tem charme...

Nesse ponto talvez vocês se perguntem por que, tão de repente, resolvi abrir o coração e desnudar suas intimidades. Mas é que acabo de me envolver novamente, e parece que desta vez a coisa é séria. E uma nova paixão provoca reações assim inesperadas. Seu nome é OS/2. Temos vivido juntos esses últimos meses. E quando nasce um amor, essa fase inicial de mútua descoberta é deslumbrante: todo o dia se desvenda uma nova faceta, um trejeito, um modo novo de fazer as mesmas coisas, um detalhe fascinante.

Ela é uma ferramenta e tanto. De família tradicional, nosso primeiro encontro foi profissional: ela me foi apresentada na redação do Globo, onde me pediram para testá-la. Levei-a para casa, confesso, com um certo temor e enfado. Temor por se tratar de um sistema operacional, coisa que se não for bem feita, provoca horríveis estragos. E enfado por ter que conviver com ela por obrigação, a pior maneira de se começar um relacionamento.

Mas, logo em nossos primeiros folguedos, descobri que estava diante de algo especial. E, com menos de três semanas de convívio, transportei-a de minha máquina reserva para a principal, uma sólida prova de confiança. Que ela não desmereceu: tanto assim que se aconchega agora no coração de ambas. Vivemos hoje o começo de um relacionamento que, tudo leva a crer, será intenso e duradouro. Mesmo porque ela não se dá ares de exclusividade: convive e colabora com todas as demais. Algumas até, que só faziam suas artes na presença de Windows, se mostram agora muito mais estáveis e se entendem melhor com a nova anfitriã. E temos sido, todos, muito felizes em nosso novo ambiente multitarefas.

B. Piropo