Escritos
B. Piropo
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12/08/1991

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Há pouco mais de dez anos, em 12 de agosto de 1981, a IBM lançava seu primeiro PC. Um gesto singelo, um simples produto a mais que ninguém - muito menos a própria IBM - saberia dizer se iria dar certo. Mas que acabou por alterar decisivamente todo o comportamento da sociedade, liberando os até então ocultos poderes da informática de suas magníficas fortalezas refrigeradas e despejando-os sem a menor cerimônia sobre nossas mesas de trabalho e de lazer. Um gesto que deu ensejo a que hoje a administração de uma empresa possa ser totalmente executada dedilhando o teclado de um PC (e, eventualmente, completamente embaralhada por um "crash" de disco rígido, mas isso é outra história). Um gesto que alterou a rotina de um infinito número de profissionais, desde os da ciência e tecnologia que mudam os destinos da humanidade manejando suas planilhas e bancos de dados com as sementes das futuras invenções até os das artes que tornam esses destinos mais amenos extraindo das entranhas de seus micros as imagens, músicas e palavras que deliciarão nossos espíritos. Um gesto que teve as conseqüências mais surpreendentes. Inclusive, dentre tantas outras maiores e mais significativas, a de transformar este vosso criado em um esforçado escrevinhador e permitir esse agradável papo semanal que me tem feito acumular mais da única riqueza que realmente vale a pena: amigos. Um brinde, pois, à IBM por, inda que involuntariamente, me ter propiciado tanto.

Mas voltemos às memórias. E desta vez vamos alçar a vista e a imaginação para horizontes mais amplos. Pois que até agora temos nos cingido ao estreito limite de um mega, como se além dele nada mais existisse. E, para um XT, com sua CPU 8088 ou 8086, realmente assim é: suas 20 linhas de endereços não lhe permitem enxergar um único bit acima de 1Mb. Daí para a frente ele é irremediavelmente cego, e seu universo se restringe a esses parcos 1024K. Esta, aliás, é a razão que fez tantos e tão incautos micreiros abandonarem seus XT e mergulharem no novo universo dos AT que, com a CPU 80286 escandindo suas vibrantes 24 linhas de endereçamento, prometiam ilimitado acesso a um inacreditável campo contínuo de 16Mb. E então descobrirem, desconsolados, que os 15Mb adicionais servem para pouco ou quase nada. E correrem para os manuais sequiosos para descobrir o significado de um termo novo, de nome promissor e sentido decepcionante: memória estendida.

O que será isso? Bem, o significado não poderia ser mais lógico: memória estendida é toda a memória que avança, ou se estende, além do primeiro mega do campo de endereços. E podemos, agora, traçar uma linha indelével exatamente no endereço 1Mb: tudo que se situa entre zero e 1Mb chamaremos de "memória convencional". E todo endereço localizado acima de 1Mb ficará na "memória estendida". O que faz tudo parecer enganosamente simples.

Para entender melhor, vamos examinar a razão dessa distinção aparentemente ilógica. Pois se olharmos para os bancos de memória de um AT que contenha, digamos, 4Mb de memória na placa mãe, parece não haver diferença alguma entre os chips do primeiro banco e os dos três últimos. E, na verdade, não há. Então, porquê essa fronteira arbitrária? E qual o mistério que impede a utilização da memória estendida pelos programas? Esse assunto é tão importante para nós micreiros que, mesmo correndo o risco de parecer repetitivo, vou tentar esclarecer melhor. E voltar a mencionar a primeira grande evolução da linha PC, o lançamento do AT com sua CPU 80286.

Vocês certamente se recordam que a grande diferença entre o AT e seu antecessor, o XT, foi o fato de ser o AT um micro realmente de 16 bits, cuja CPU maneja um barramento de 24 linhas de endereçamento. E que essas linhas podem acessar qualquer endereço contido em um campo contínuo de 16Mb, o maior número que se pode armazenar em 24 bits. O que nos levaria à precipitada conclusão de que, nessas condições, programas e dados poderiam se espalhar alegremente por todos esses 16Mb. Correto?

Infelizmente, não. Pois se vocês remexerem no baú das recordações vão se lembrar que uma das primeiras noções abordadas nessa Trilha Zero foi que programas, para serem executados, precisam do apoio do sistema operacional. É ele que, através de suas rotinas (ou "serviços"), permite que os programas rodem. E é também ele que executa o gerenciamento da memória para os programas. E aí está a razão da maior de nossas agruras: quem executa o gerenciamento da memória é o sistema operacional!

Nesse ponto, um desavisado micreiro pode perguntar: e daí? Não pode o sistema operacional, rodando em um AT, enxergar o que está acima de 1Mb? Pode sim. Desde que esse sistema operacional não seja o DOS!. Agora deu para entender? Percebeu que a irremovível linha que separa os endereços acima a abaixo de 1Mb deve-se apenas à uma limitação congênita do famigerado DOS? Que, tendo sido desenvolvido especificamente para o primeiro PC, com sua CPU 8088 limitada a 1Mb de endereçamento, não foi "ensinado" a enxergar nada que se ocultasse além a acima da barreira de 1Mb?

Pois é. A triste verdade é que quando a CPU 286 foi desenvolvida - e, mais tarde, os chips 386 e 486 - ninguém apostaria na sobrevivência do DOS por muito tempo. Pensava-se que, com as imensas potencialidades das novas máquinas, ele estaria fadado a ser substituido por um novo sistema operacional capaz de explorá-las. Mas ocorreu exatamente o oposto: a inesperada sobrevida do DOS é que acabou por limitar a utilização daquelas potencialidades. Inclusive, e principalmente, o uso da memória.

O AT foi lançado em 1984. A partir desse momento ficaram todos esperando o falecimento do DOS por morte natural. Mas, como aqueles maridos velhos e ricos das histórias policiais, ele teimosamente insistia em continuar vivo. E cada vez mais saudável. No princípio, toda a indústria de hardware e software assistia curiosa e um tanto passiva àquela teimosia, enquanto aguardava o desenlace. E nada. Até que, percebendo que os rumos previamente traçados teriam que ser modificados, algumas indústrias e softhouses começaram a tomar consciência de que deveria ser feito exatamente o oposto daquilo para o que haviam se preparado: era necessário desenvolver ferramentas que permitissem explorar as potencialidades das novas CPU em programas que rodassem sob o DOS, já que este, com sua impensável teimosia, continuava recusando-se a morrer. E assim foi feito.

Como? De vários meios e modos. Que começaremos a discutir na próxima semana. Até lá.

B. Piropo