Sítio do Piropo

B. Piropo

< Trilha Zero >
Volte de onde veio
28/11/2005

< Abrindo Formatos >


Semana passada recebi uma mensagem de um leitor aflito que tinha alguns velhos arquivos criados pelo vetusto editor de textos WordStar (lembram dele?), precisava consultá-los mas sempre que os abria no Word o texto aparecia entremeado por uma enorme quantidade de estranhos caracteres. O que era aquilo?
“Aquilo” eram os símbolos usados para armazenar a formatação do documento. Cada editor de textos usa um conjunto destes símbolos que definem o “formato” do arquivo. Para abrir em um editor de textos um arquivo criado por outro programa é preciso substituir os símbolos de formatação de um pelos correspondentes do outro. A isso se chama “converter o formato” do arquivo. Sugeri ao leitor que usasse um dos conversores gratuitos disponíveis na Internet (antes que perguntem: aconselhei o HABit, que pode ser encontrado em < http://www.hotkey.net.au/~hambar/habit/wsconvrm.htm > e faz a conversão para texto puro, sem formatação, que pode ser aberto no Word).
Depois, fiquei matutando cá com meus botões: se este problema afligia a meu leitor, o que não dizer de uma instituição de maior porte? Digamos, o Governo do Estado de Massaschusetts, nos EUA?
Este exemplo aparentemente estrambótico não me ocorreu por acaso. Pois acontece que justamente para evitar que dentro de alguns anos os documentos manuseados pela burocracia estatal venham a correr o mesmo risco que os do leitor, em setembro passado o referido Governo tomou uma decisão radical: informou que a partir de primeiro de janeiro de 2007 todos os seus órgãos (“state-affiliated offices”) apenas produzirão e aceitarão documentos eletrônicos em formatos não-proprietários, ou padrões abertos (cujos direitos sobre seu formato não pertençam exclusivamente a uma empresa). A íntegra da resolução está no “Enterprise Technical Reference Model – Version 3.5” em < www.mass.gov/portal/ >. Os padrões abertos escolhidos pelo Governo de Massachussetts foram os formatos PDF e o recém aprovado Open Document Format for Office Applications, mais conhecido por ODF, baseado na XML (eXtensible Markup Language), uma “linguagem de marcação” que permite gerar documentos em que o conteúdo independe da formatação. Que, aliás, será adotada pela própria MS (a linguagem XML, não o padrão OpenOffice) na próxima versão do pacote integrado MS Office, o Office 12 ainda em gestação.
Tem gente que gostou disso. Os defensores do software livre, por exemplo, exultaram e com justa razão. Afinal, se a decisão for seguida por outras instituições governamentais (e tudo indica que será), seu movimento em prol dos padrões abertos ganhará uma força considerável. Mas, naturalmente também teve gente que não gostou. E não só o pessoal da Microsoft: houve quem considerasse a decisão “burra” (“dumb”) como David Coursey, do sítio eWeek (< www.eweek.com/article2/0,1895,1863061,00.asp >), por não ser suportada por qualquer pacote de aplicativos exceto o OpenOffice, que na ocasião da decisão ainda estava no estágio beta. Mas a chiadeira maior veio do pessoal da MS mesmo. Em seu blog (< http://blogs.msdn.com/brian_jones/archive/2005/08/31/458879.aspx >) Brian Jones, um dos técnicos da empresa, declara-se um tanto “chocado” (“stunned”) pela decisão, que considera “míope e desnecessariamente excludente”.
A Microsoft acusou o golpe e anunciou terça-feira passada que ofereceu seu futuro formato, o Office XML Reference Schema, para ser ratificado pela organização internacional de padrões (ISO) como padrão internacional. Proposta que foi endossada por um grupo de instituições, entre as quais a Apple, Intel e Toshiba.
Parece apenas mais um capítulo da briga entre a MS e o resto do mundo e talvez seja mesmo só isso. Mas também pode ser o primeiro passo para uma efetiva padronização dos formatos de documentos que venha a evitar problemas como o do leitor lá de cima, que não sabe o que fazer com seus velhos arquivos gerados em um formato que se tornou obsoleto.

PS: Há duas semanas estive na simpaticíssima Carangola, MG, para proferir uma palestra na Fundação FAFILE sobre o que se espera da evolução tecnológica nos próximos anos. A jornada foi dura (o trecho da BR 116 entre Além Paraíba e Leopoldina está uma vergonha), mas a audiência foi tão simpática e receptiva que a viagem tornou-se um prazer. Fica aqui meu agradecimento aos alunos e demais participantes pela fraterna acolhida.

B. Piropo