< Trilha Zero >
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04/04/2005
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< Rebanho de Gatos > |
Semana passada recebi uma mensagem do Marcelo Sávio, um bom amigo desde os tempos do OS/2, que trazia em anexo um artigo seu sobre o controle de nomes de domínio na Internet. Eu, que sempre me preocupei com os aspectos técnicos do problema, li e fiquei abismado. O vulto das implicações políticas me assustou. Tratarei delas aqui apenas superficialmente, resumindo o artigo. Recomendo a quem quiser saber mais (e o faço enfaticamente) que consulte o documento original do Marcelo Sávio em < www.socid.org.br/files/governanca.pdf >. A Internet consiste de dois sistemas, um para comunicação, outro para endereçamento. O primeiro é a face que todo internauta conhece: um conjunto descentralizado de redes independentes que trocam pacotes de dados por múltiplos caminhos usando protocolos de comunicação. O segundo é a face oculta: o DNS, um sistema altamente centralizado que contém uma lista que todo computador deve consultar para ter acesso a outro. Isso porque o usuário fornece um nome, como < www.bpiropo.com.br > e o computador precisa de um endereço, como 200.185.109.86. Quem converte nomes em endereços é o Domain Name System. No seu coração mora o “namespace”, uma coleção de nomes ligados a seus respectivos endereços. Remover uma entrada desta coleção significa expulsar um computador da Internet. O namespace foi concebido sob os princípios da unicidade e centralização. Só pode existir um namespace com a lista dos computadores da Internet (pode haver cópias, mas nunca namespaces independentes) e ele tem que ser administrado por uma única instituição. Na prática, é um imenso banco de dados distribuído (se fosse único seria imediatamente sobrecarregado pelo imenso número de consultas) em um conjunto de bancos de dados parciais (ou “zonas”), cada um com um trecho da lista. Cada zona se hospeda em um computador e está associada a um programa “servidor de nomes”. O sistema de zonas obedece a uma hierarquia em cujo topo reina, soberana, a zona raiz ou Zona A. Abaixo dela estão as zonas de primeiro nível (ou Top Level Domains, como br, ch, com, org, edu, etc.) cada uma das quais pode conter outras zonas. O controle é do tipo “de-cima-para-baixo”, ou seja, se uma zona (na verdade, seu computador hospedeiro) for desligada, todos os computadores dela e das a ela subordinadas simplesmente desaparecerão da Internet. Cada zona tem um administrador que exerce total controle sobre ela e sobre as que estão sob ela. Conclusão: quem administra a Zona A controla a Internet. Quando o DNS foi implementado em 1984, a Defense Communications Agency dos EUA escolheu o Information Sciences Institute da University of Southern California (ISI/USC) para esta tarefa. Em 1991 ela foi transferida para uma empresa, a Government Systems Inc. (GSI), que terceirizou sua operação para a Network Solutions Inc (NSI). A partir desse momento, todo o controle da Zona A passou para as mãos da iniciativa privada americana. E a NSI passou a estabelecer unilateralmente regras de propriedade intelectual para aprovação de domínios e resolução de disputas. Em 1998 o Governo americano criou a ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), com sede na Califórnia, e manteve a administração da Zona A com a NSI. Surgiu então um movimento para internacionalizar essa administração. E, naturalmente, uma oposição a ele nos EUA. No seu documento, Sávio cita o seguinte trecho da carta de representantes do Congresso ao Secretário do Comércio dos EUA em março de 2002: “Finalmente, queremos fortemente reiterar nosso apoio à continuidade do controle do Departamento de Comércio sobre o chamado servidor-raiz A. Acreditamos que suposição de controle sobre este ativo por qualquer entidade externa seria contrária aos interesses econômicos e de segurança nacional dos Estados Unidos da América” (o texto integral da carta está em < www.icannwatch.org/article.pl?sid=02/03/14/122633 >). O problema da internacionalização tem desdobramentos importantes, como reconhecimento de soberania (por exemplo, de Formosa, Palestina e Hong Kong), distribuição geográfica de endereços IP, localização de servidores-raiz em países não desenvolvidos e permissão do uso de caracteres inexistentes no alfabeto do idioma inglês em nomes de domínio. A coisa é realmente complexa. Sávio cita, em seu trabalho, uma frase de Tom Stark: “A tarefa de governar a Internet pode ser comparada à de conduzir um rebanho de gatos”. Parece verdade. O problema é decidir a quem cabe a tarefa de conduzir esse rebanho. E é bom ficar atento. B. Piropo |