O Vale do Silício se estende ao sul de San Francisco, cortado por um emaranhado de vias expressas cercadas por monolitos de concreto e vidro coroados com os nomes dos maiores gigantes da informática em néon multicolorido. Um paraíso raitéque.
Atravesse-o, e o panorama só muda depois de San Jose, rumo sul pelo antigo Camiño Real, hoje US 101. Os prédios se rarefazem, o casario é menos modernoso. Saindo do Camiño Real pela Bernal Road você perceberá um jeitão de interior. Quando notar um curral junto a um descampado, achará que, enfim, reencontrou a natureza. Logo adiante atravessará um pórtico e penetrará em uma reserva natural sem nada além da mirrada vegetação da região e um ou outro animal arisco escondido entre as moitas ralas. Acreditará que o mundo da tecnologia ficou para trás.
Isso, naturalmente, se não reparar, ao lado do pórtico, em um discreto logotipo de apenas três letras: IBM. Sinal que você está se aproximando de um dos mais avançados centros de alta tecnologia do planeta, o IBM Almaden Research Center, no topo da colina que coroa a reserva natural. Sete prédios interligados onde a segurança é tanta que as únicas portas que se abrem sem exigir identificação eletrônica são – graças a Deus – as dos banheiros.
Se um dia lá entrar, percorra aqueles corredores com o devido respeito. Ali foram concebidos os bancos de dados relacionais e a linguagem FORTRAN, desenvolvida a tecnologia de reconhecimento de voz, inventado o disco rígido e projetado o Deep Blue, o computador que derrotou Kasparov. Hoje, o objetivo das preocupações das mentes mais brilhantes deste santuário do conhecimento é a nanotecnologia.
“Nano” é um prefixo grego. Significa “de excessiva pequenez”. Você conhece pelo menos dois vocábulos dele derivados: “anão” e “nanico”. Foi adotado para identificar o submúltiplo correspondente a um bilionésimo da unidade (por exemplo: um nanômetro, ou nm, é igual a um bilionésimo do metro, ou um milionésimo do milímetro). Em suma: “nano” se refere a algo pequenininho pracacete, a beça ou mais. E “nanotecnologia” é o ramo da tecnologia que busca o controle da matéria na escala em que suas propriedades básicas são determinadas, portanto na escala molecular. Ou seja: que lida individualmente com as moléculas e seus átomos.
Mas por que uma empresa grande como a IBM há de se interessar por um treco pequeno como esse? Bem, razões não faltam. Por exemplo: lembra da “Lei de Moore”, que preconiza que a capacidade de processamento dos microprocessadores dobra a cada dezoito meses? Ela vem se confirmando há três décadas, mas não deverá se estender por outras tantas. Isso porque um dos fatores fundamentais para aumentar a capacidade de processamento é reduzir a espessura da camada de silício onde são moldados os transistores de que são feitos os microprocessadores. Atualmente essa espessura anda pela faixa dos 90 nm e continua se reduzindo. Há, porém, um limite intransponível: o tamanho da molécula do silício (não se pode construir uma camada cuja espessura seja “meia molécula” de alguma coisa). E não estamos muito longe disso.
Solução? Buscar outros meios de representar e armazenar bits. Meus alunos sabem que qualquer coisa que possa assumir dois estados mutuamente exclusivos, que possa alternar entre eles pelo menos uma vez e que permita determinar seu estado em um dado momento pode servir para isso.
Elétrons giram em torno de seu eixo (esse movimento chama-se “spin”). Então, um elétron girando em um sentido pode representar o bit “zero” e, no sentido oposto, o bit “um”. Para usar essa propriedade para armazenar bits basta ter acesso a elétrons individualmente, determinar seu sentido de rotação e mudar esse sentido quando desejado. Qualquer pessoa que tenha a noção do tamanho e das propriedades de um elétron provavelmente achará isso impossível.
Pois bem: em Almaden a IBM já conseguiu montar estruturas de átomos em posições determinadas (vá até <www.bpiropo.com.br e veja>, junto a esta coluna, algumas fotos extraordinárias), determinar o sentido de rotação de elétrons usando microscopia de ressonância de força magnética e alterá-lo usando uma tecnologia denominada “Junção de Túnel Magnético”. Tudo isso ainda em escala de laboratório. Mas estão trabalhando para chegar à escala industrial.
Calma: esta não é a primeira de uma série de colunas sobre esse espinhoso tema. Minha intenção é tão somente apontar o rumo das pesquisas de alta tecnologia e suas imensas potencialidades. Mas se você se interessa pelos detalhes, sempre pode visitar o IBM Research Center. Fica logo ali em <http://researchweb.watson.ibm.com/about/arc.shtml>. Boa viagem.
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Arranjo de átomos de cobalto dispostos ao longo de uma elipse sobre uma superfície de cobre, com um átomo adicional de cobalto em um dos focos. Notar, á direita, no gráfico do campo gerado por esta disposição espacial, como a deformação do campo no ponto correspondente ao foco que contém o átomo adicional se "projeta", com menor intensidade, no ponto correspondente ao outro foco. |
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Sigla "IBM" formada com átomos "arrumados" em um plano. |
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Arranjos de átomos (de ferro sobre uma superfície de cobre) em disposição elipsóide e circular (com átomos adicionais no centro e no exterior do círculo). |
B. Piropo
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