Orgulho-me de meus leitores. São poucos, mas bons. Eles mantêm meu cérebro afiado, impedindo-me de escrever besteiras. Quer dizer: impedir, não impedem. Volta e meia uma escapa. Mas quando escapa vem de lá, inexorável, uma paulada tão implacável que fico esperto e as bobagens rareiam por algum tempo.
Semana passada publiquei um artigo (leia-o na seção “Escritos/ Artigos no Globo” de meu sítio em <www.bpiropo.com.br>) sobre pirataria de filmes citando uma pesquisa que constatou que dentre os 24% de piratas encontrados entre os 3600 usuários pesquisados, 44% pretendiam abandonar a prática e apenas 17% dos não piratas pretendiam aderir. E concluí apressadamente que o número de piratas diminuiria porque a porcentagem dos que pretendem se regenerar é maior que a dos que almejam bandalhar. Parece lógico, pois não?
Pois não. No mesmo dia chegou uma mensagem argumentando: “Acho que as estatísticas apresentadas no seu artigo apontam uma tendência de aumento da pirataria, ao contrário do que você inferiu. Vejamos: Seja K o tamanho do universo de onde saiu a amostragem. Então hoje temos 0,24K piratas e 0,76K não piratas. Se 56% dos piratas continuarem piratas e 17% dos não piratas passarem a piratas, teremos o seguinte número de piratas: 0,56 x 0,24K + 0,17 x 0,76K = 0,1344K +0,1292K = 0,2636K, o que representa um aumento de 9,8%”. Feitas as contas, o leitor tem razão. Movido pela curiosidade e admitindo que aqueles porcentuais de piratas desistentes e não piratas aderentes fossem taxas anuais fixas, projetei a evolução de seu número em 20 anos. E descobri que a curva é assimptótica, ou seja, o crescimento do número de piratas se reduziria paulatinamente e em cerca de seis anos os números se estabilizariam (a cada novo pirata corresponderia um desistente), fixando-se a porcentagem de piratas em 27,87%.
O que se pode deduzir disso? Absolutamente nada. É apenas um exercício inócuo de estatística (a planilha e o gráfico estão disponíveis junto a este artigo na seção “Escritos” de meu sítio) para fingir uma certa erudição (notaram o “assimptótica” lá de cima? O “p” é mudo...) cujo único objetivo é desviar a atenção de vocês da besteira que escrevi semana passada. Mas o fenômeno não deixa de ser curioso...
Porém o que me levou a citar a mensagem foi seu fecho. Diz o leitor: “Concordo que falta conceber um sistema legal e barato de distribuição de filmes pela internet... Já me perguntei algumas vezes por que isto ainda não aconteceu. Desconfio que a coisa não é tão simples quanto parece... Por exemplo, dependendo do preço cobrado por um filme via internet, a migração de freqüentadores de cinema para a internet poderia ocorrer de tal forma que o resultado global seria uma perda de receita para os produtores”.
Ora, perda de receita não quebra empresa. O que quebra é prejuízo. Basta então fixar um preço que os usuários considerem justo e permita aos detentores dos direitos auferirem um lucro decente. E a chave da questão é justamente essa: lucro “decente”. Porque o obtido hoje claramente não é. E a MPAA (associação da indústria cinematográfica americana) parece não pretender abdicar dele.
Uma pena. Porque “para conceber um sistema legal e barato de distribuição de filmes pela internet”, como deseja o leitor, a tecnologia está pronta e disponível. Meios de armazenar, proteger contra cópias ilegais, distribuir e cobrar pelos produtos já existem e não cessam de evoluir. O aumento da pirataria cinematográfica ainda é lento exclusivamente devido à demora da transferência dos imensos arquivos de filmes. Mas com a Internet rápida se disseminando, logo isso não mais será um obstáculo. A MPAA tem uma oportunidade única de aproveitar-se desse hiato e começar a implementar um sistema de distribuição a preços razoáveis, criando a noção de que mais vale pagar o justo que violar a lei (a pesquisa citada revelou que o principal obstáculo à disseminação da pirataria é o fato dela ser ilegal). Uma estratégia infinitamente melhor que a antipática “prende e arrebenta” adotada pela RIAA (associação das gravadoras americanas) que usa uma legislação injusta e draconiana para processar crianças e velhotes que nem ao menos têm consciência de estar praticando um ato ilícito quando transferem arquivos musicais via Internet.
É bom ter em mente a afirmação de Tom Freeburg: “Sempre que houve um confronto entre a tecnologia e o sistema legal, a tecnologia venceu”. E não há como lutar contra isso. Portanto, melhor há de ser uma moderada perda de receita causada pela mudança da via de distribuição que a inevitável quebra provocada pela pirataria.
B.
Piropo