Sítio do Piropo

B. Piropo

< Trilha Zero >
Volte de onde veio
23/02/2004

< Histeria ou o poder da grana? >


VoIP é o acrônimo de “Voice over Internet Protocol”. Uma tecnologia que permite usar conexões Internet (principalmente de alta taxa, ou “banda larga”) para transmissão de voz. Simplificando: fazer chamadas telefônicas através da Internet em vez da rede telefônica. Para isso basta digitalizar a voz na origem, codificando os sons em uma sucessão de bytes como se faz para gravar um CD de áudio, e transmiti-los em “pacotes” através da Internet. Como o conjunto de bytes que contém um trecho de conversação digitalizada não se distingue de qualquer outro conjunto de bytes que transporta outros dados, não há empecilhos para transmiti-los via Internet. O problema é que, para viabilizar uma conversação, tudo isso tem que ser feito em “tempo real”, ou seja, a voz deve ser digitalizada, transmitida e recebida pelo interlocutor praticamente ao mesmo tempo em que as palavras são pronunciadas (para saber mais detalhes sobre a tecnologia VoIP consulte o excelente sítio “VoIP Howto”, de Roberto Arcomano, em <www.tldp.org/HOWTO/VoIP-HOWTO.html> – infelizmente apenas em inglês).
Com a evolução do hardware e com o aumento da rapidez das conexões Internet, do ponto de vista tecnológico implementar uma conexão VoIP hoje é brincadeira de criança. Ou seja: em tese, nada impede que você e um interlocutor, digamos, em Tóquio, mantenham uma conversa em tempo real usando seus computadores equipados com placas de som “full-duplex” (que transmitem e recebem simultaneamente) e o software adequado. E se isso ainda não se espalhou no Brasil deve-se a problemas legais (não é preciso muito esforço para imaginar qual a opinião das empresas telefônicas convencionais sobre esta tecnologia e dos esforços que fazem para impedir que se dissemine).
Mas nos EUA é diferente. Lá, apesar do esperneio – inclusive judicial – das teles, existem diversos provedores que oferecem o serviço. Pelo menos dois gratuitos: o Skype, em <www.skype.com/> e o FreeWorld Dialup, em <www.freeworldialup.com/> (atenção: apesar de citá-los aqui, jamais usei seus serviços, não sei em que condições a gratuidade é oferecida nem se eles instalam “spywares” ou “adwares” juntamente com o software que fornecem, se a qualidade das ligações é aceitável ou se há algum impedimento legal para usá-los aqui no patropi; o assunto desta coluna não é sua existência, mas um curioso desdobramento disso, como se verá adiante; portanto não os estou recomendando ou referendando, apenas citando, e quem quiser experimentá-los, que o faça por sua conta e risco). Além de outros, como o Vonage, em <www.vonage.com/> e “8x8”, em <www.8x8.com/>, que exploram comercialmente serviços de VoIP.
Como eu disse, eles não são o assunto desta coluna – o que talvez lhe cause espécie, já que passamos da metade dela e não falamos de outra coisa. Mas logo você entenderá o porquê disso.
Acontece que depois do malfadado onze de setembro, os Estados Unidos se viram tomados por uma histeria coletiva. E desandaram a aprovar e aplicar leis anti-terrorismo. Um efeito direto disso é a decisão de cumprir a exigência de uma lei de 1994 (CALEA, “Communications Assistance for Law Enforcement Act”) que obriga os responsáveis por serviços de telecomunicações a oferecerem meios de gravar quaisquer conversas telefônicas (desde que, naturalmente, solicitadas pela autoridade judicial competente). Uma coisa muito fácil de ser feita nas centrais telefônicas, naturalmente.
Mas como fazê-la nos serviços VoIP, onde as conversas são codificadas em pacotes de bytes transmitidos sucessivamente, cada um por uma rota diferente, e absolutamente indistinguíveis de quaisquer outros pacotes de dados? Hoje, não existe tecnologia para isso. Jeff Pulver, fundador de um dos provedores gratuitos acima citados (o FWD), declarou que apenas para verificar se isso pode ser feito ele necessitaria desenvolver “um projeto científico com duração de meses” (veja artigo de Bem Charny em <http://zdnet.com.com/2100-1103_2-5159159.html>).
Em suma: os provedores de serviço VoIP nos EUA estão diante de uma exigência legal relativa a assunto de segurança nacional que simplesmente não podem cumprir. E estão sendo instados a fazê-lo pela FCC, órgão do Governo americano responsável pelas telecomunicações.
Conversando sobre o assunto com uma pessoa sensata, comentei até que ponto a histeria coletiva anti-terrorismo pode chegar. E ouvi como resposta: “Histeria nada! Aposto que por trás disso tem o dedo das teles americanas”.
Será? Sei não. Mas, se non é vero...

B. Piropo