O que
faz a comunidade informata se dividir em tribos? Por são
elas tão aguerridas? Por que os usuários se aferram
a seus micros mesmo que apareçam máquinas melhores?
Para entender isso é preciso, antes de tudo, esclarecer o
que é uma máquina melhor. Seria a mais
rápida? A que aceita mais periféricos? A mais versátil?
Nada disso. Para o usuário doméstico, o micro melhor
é o que preenche satisfatoriamente suas necessidades e expectativas
individuais. O que o faz mais feliz. É por isso que o usuário
do MacIntosh está cheio de razão quando diz que o
MacIntosh é melhor que o PC. E nem por isso tem
menos razão o usuário do PC quando afirma que o PC
é melhor que o Mac. E quando usuário de
MSX garante que sua máquina é infinitamente melhor
que o PC e o Mac juntos, tem tanta razão quanto os demais.
Eu disse tanta? Disse-o mal. Na verdade, tem mais. Porque o PC e
o Mac existem apesar de seus usuários. Mas se o MSX existe
hoje, é exclusivamente por causa deles.
A história do MSX é triste. O padrão foi encomendado
pela Microsoft em 1983 para micros de oito bits. Cansada de adaptar
seus programas para cada marca existente no mercado, a MS decidiu
conceber uma arquitetura baseada no processador Z-80 da Zilog e
desenvolver um sistema operacional para ser usado gratuitamente
por qualquer fabricante que aderisse ao padrão. Com isso,
ganhavam os fabricantes, que não precisariam desenvolver
o sistema operacional, os usuários, que poderiam intercambiar
arquivos entre máquinas diferentes e, evidentemente, a MS,
que desenvolveria programas apenas uma vez. Diversos fabricantes
aderiram. Se bem me lembro, oito no Japão, dois ou três
na Europa, um na Argentina e dois no Brasil: Sharp, com o HotBit,
e Gradiente, com o Expert.
A coisa não vingou porque o padrão foi lançado
tarde demais. Em 84 e 87 surgiram as máquinas de 16 e 32
bits e o mercado de oito bits murchou. Paralelamente, o surgimento
dos clones da linha PC fez o sonho da MS tornar-se realidade:
seus programas rodavam em micros de qualquer fabricante. E, tangidos
pela força do mercado, todos viraram as costas para o MSX.
Se não me falha a memória, o último a ser produzido
industrialmente saiu da linha de montagem no início dos anos
90.
Acontece que o MSX não é uma máquina comum.
Ao contrário das demais, ferramentas de trabalho adaptadas
para uso no lazer, o MSX foi concebido para dar prazer. Numa época
em que a tela de um PC era um triste campo negro salpicado de caracteres
verdes, a do MSX era uma esfuziante arena de cores brilhantes e
figuras em movimento. Tudo no MSX era vivo e colorido. É
fácil se apaixonar por uma máquina assim.
O resultado é que, apesar de abandonados pela indústria,
os usuários do MSX simplesmente se recusaram a deixá-lo
morrer. No início, foram iniciativas isoladas. Depois, juntaram-se
aqui e ali, formaram grupos. Gente séria e dedicada, os de
maiores inclinações técnicas não somente
mantiveram as máquinas antigas funcionando como as aperfeiçoaram.
Em um esforço comovente, implementaram na marra
o padrão MSX 2 (que chegou a florescer no Japão mas
nunca foi produzido industrialmente no Brasil), desenvolveram controladoras
para discos rígidos e mouses, engendraram formas de atualizar
as máquinas (visite à página do Ademir Carchano,
um desses abnegados, em <www.msxprojetos.com.br>).
Depois, a Internet deu o empurrão que faltava. E, unidos
em nível mundial (fora do Japão, as comunidades mais
atuantes estão na Holanda e no Brasil), passaram a trocar
experiências e programas pela rede, a organizar encontros,
em suma, a manter acesa a chama de uma paixão (visite <www.msx.org>
e <www.msxpro.cjb.net/>).
A turma é denodada. Há alguns anos, um comentário
infeliz que fiz sobre o micrinho fez desabar um dilúvio de
ferocíssimas mensagens sobre esse pobre escriba. Agora, uma
empresa japonesa adquiriu os direitos sobre a marca MSX, pretende
voltar a fabricar o micro e fundou a MSX Association. O problema
é que não estão dando bola para as opiniões
da comunidade no que toca à arquitetura do futuro MSX. O
que é, no mínimo, uma falta de consideração,
pois foi justamente essa comunidade que manteve o padrão
vivo por todos esses anos. Seus membros são gente séria,
merecem admiração e respeito e têm todo o direito
de dar seus pitacos. Não é à toa que já
estão se movimentando contra a tal associação.
Quanto a mim, declaro-me total, completa e irrestritamente do lado
da comunidade, da qual já fiz parte e à qual, humildemente,
solicito minha readmissão honorária. E prometo selar
a paz comparecendo ao próximo encontro realizado aqui pelas
bandas do Rio de Janeiro. Isso, se for aceito, naturalmente...
B.
Piropo