< Trilha Zero >
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25/06/2001
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< Um “Espaço” Peculiar. > |
Interessante, a repercussão da coluna da semana passada. Os velhos usuários indignaram-se com a safadeza perpetrada contra um ícone da informática como Gibson. Meu amigo Alexandre Souza, por exemplo (que ainda não chegou aos 30, mas tem estrada suficiente para ser considerado um “velho usuário”), diz que “Quando o destino do site de alguém como o Steve Gibson está nas mãos de um moleque de 13 anos, alguma coisa está muito errada”. Mas houve também observações como a do leitor José Bittencourt que considera “as lamentações do Gibson ... choradeira de ego ferido”. E como ele me pediu que as comentasse, comentá-las-ei. A mensagem é interessante e eu transcrevê-la-ia integralmente não fosse tão longa. Tentarei citar os trechos que me parecem refletir melhor o “espírito da coisa”. Diz Bittencourt: “O problema é que a Rede Mundial tem se tornado ... um território internacional, com moral, ética e regras próprias. Eu mesmo já sofri ataque de vírus ... e me sinto mais ou menos como o cara a quem resta reclamar ao bispo. O fato é que a Internet é um espaço no qual parecem prevalecer regras muito próximas ao que postulavam os anarquistas de tendência backuniana: quanto menos regras, melhor ... Agora, ... quem vai estabelecer tais regras? ... quem vai implementar a aplicação e policiar o sistema? Não creio que a pura e simples criminalização seja a solução (posso estar enganado, mas tenho a impressão de que você – tanto quanto o Gibson – seriam favoráveis a tal) ... A criação e forte implementação ... de preceitos éticos equalitários e eficazes é alguma coisa que devia ter começado a ser discutida... ontem. Em seguida Bittencourt revela sua indignação com empresas que, acobertadas por um nebuloso contrato de adesão, usam programas tipo “spyware” (assunto esgotado por mestre C@T em colunas recentes que recomendo veementemente consultar) para “chupar” informações de usuários incautos, comportamento que considera tão ou mais danoso que o do menino que atacou o sítio de Gibson. Conclui Bittencourt que, como o problema transcende a falta de juízo de adolescentes problemáticos, a solução seria implementar uma ética específica para a rede. Diz: “Necessário é que uma ética para a Rede Mundial seja ... implementada ... ‘Implementar’ não significa pôr o FBI atrás de cada infrator mas, por exemplo, introduzir disciplinas no curso básico que trabalhem com as consciências em formação ... Toda criança é perversa, mas poucas crianças perversas se transformam em adultos perversos, pois a sociedade, quando bem estruturada, molda-lhes o caráter de forma a torná-las ‘do bem’. A ética não é um dado natural, mas uma construção social." Em suma: pelo que entendi, Bittencourt considera a internet um “espaço” que demanda a implementação de ética própria que, depois de implementada, resolveria os problemas sem necessidade de “criminalizar” os transgressores. Recebi a mensagem de Bittencourt no mesmo dia em que li uma notícia intitulada “Assédio a jovens na internet” relatando que uma pesquisa da Universidade de New Hampshire constatou que “um em cada cinco adolescentes americanos que se conecta regularmente à internet recebe propostas sexuais indesejadas através da rede”. A pesquisa define como “propostas sexuais indesejadas” convites para relacionamento sexual e conversas sobre sexo ou informações pessoais de caráter sexual. Ao que parece, os autores da pesquisa – e da notícia – também consideram a internet um “espaço” peculiar e, aparentemente, muito perigoso. Impossível não repetir a pergunta já feita aqui em circunstâncias similares: quantos, entre os adolescentes NÃO conectados à internet, recebem esse mesmo tipo de propostas em festinhas, reuniões, bares, lanchonetes, shopping centers e até mesmo na escola? Seriam esses ambientes mais ou menos perigosos? Necessitariam, também eles, da “implementação de ética própria”? Ou será que nós, humanos, devemos manter um comportamento eticamente correto qualquer que seja o “espaço”? Que a internet nada mais é que uma extensão do “espaço” em que vivemos, nos relacionamos e interagimos? Que é da própria natureza humana alguns indivíduos entenderem que devem pautar sua vida segundo princípios éticos que levem em conta o respeito aos direitos e aspirações dos demais enquanto outros, ao contrário, desprezem esses mesmos princípios, direitos e aspirações e ajam de forma egoísta e predatória? E, sendo assim, como deve a sociedade se comportar em relação a esses últimos? Esta, penso eu, é a questão fundamental. B. Piropo |