< Trilha Zero >
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02/10/2000
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< Qüingentésima > |
Eram os idos de 1986. A caixa, embora de tamanho alentado, coube na garupa da moto – que, naquele tempo, eu era dado a semelhantes desatinos. Não lembro exatamente onde comprei, mas sei que foi no Centro. Recordo, porém, de voltar para casa carregando aquele trambolho sem fazer a menor idéia do efeito que teria em minha vida. Era meu primeiro micro. Até então eu não sentia interesse algum por informática. O que me levou a comprar o computador foi a convicção recém adquirida que, se não descobrisse como usar aquela máquina diabólica que começava a invadir meu mundo, não dava para continuar sendo engenheiro. É verdade que tudo seria diferente não sofresse eu de um mal congênito, uma pertinaz moléstia cujo único sintoma é jamais conseguir dormir em paz enquanto não descubro como as coisas funcionam. Doença que, já na tenra infância, me fez desmantelar metade de meus brinquedos. E se tem brinquedo prenhe de mistérios e desafios, era justamente aquele que eu havia acabado de comprar. Portanto não tardou muito para que, de mera ferramenta para atingir a um objetivo, se convertesse em um objetivo em si mesmo. E um objetivo absolutamente obsessivo. Pois não seria eu que iria capitular diante daquela esfinge diabólica que se recusava obstinadamente a obedecer à minha vontade e, quando muito, respondia com uma cabalística e ininteligível mensagem de erro que mais parecia um dar de ombros frente a meu desespero. Havia que devorá-la antes que me devorasse. E a devorá-la dediquei-me com afinco e brio. É verdade que não sem ajuda: lia tudo o que me caía nas mãos sobre computadores. E, dentre as coisas que lia, a que mais prazer me dava era uma coluna assinada por uma certa Cora Rónai que tratava do assunto com tamanha leveza, tal sensatez e defendia seus pontos de vista com tanto destemor (acreditem: ser contra a reserva de mercado naqueles dias carecia de um bocado de destemor) que logo se tornou imperdível. E, convertido em fã, passei a lê-la religiosamente (continuo fã e até hoje a primeira coisa que leio neste caderninho, antes mesmo de verificar se essa Trilha saiu nos conformes, é a coluna da Cora – e aos que eventualmente venham a me acusar de aleivosia, informo para os devidos fins que já há muito passei da idade de puxar saco de quem quer que seja). Lia e escrevia. Porque de quando em vez, abusado que era e já tendo aprendido um tico sobre computadores, tinha eu a desfaçatez de dar pitaco sobre coisas que lia na coluna dela. E Cora, delicadamente, respondia. Um dia, suprema glória, chegou mesmo a me citar no jornal. Seguiam assim as coisas sem percalços até o dia em que perdi a coluna imperdível: para desespero meu e de todos os demais leitores, ela simplesmente desapareceu do jornal onde era publicada. Desconsolado fiquei por algumas semanas, até receber um telefonema da Cora dando conta que interrompera a coluna por ter sido convidada a criar o primeiro caderno de informática de um jornal carioca, justamente esse que ora repousa em vossas mãos. E, para minha imensa surpresa, o telefonema era não apenas para informar-me disso mas também para convidar-me a escrever uma coluna no indigitado caderno. Seguiu-se um curioso diálogo em que eu, sem saber se me sentia mais honrado com o convite que apavorado com a missão, recusava alegando que jamais havia escrito nada exceto dúzia e meia de chatíssimos trabalhos técnicos e não fazia idéia de como escrever uma coluna. Enquanto Cora insistia afirmando que bastaria usar exatamente o mesmo estilo das cartas que eventualmente mandava para ela. Quando a batalha entre as duas forças da natureza que então travou-se em meu coração findou com o bom senso vergonhosamente derrotado pela vaidade, enfim aceitei. E foi assim que em quatro de março de 1991 a edição inaugural do caderninho publicou a primeira Trilha Zero. E mudou minha vida, trazendo para ela muito mais prazer (e menos dinheiro, mas isso não é o mais importante...) do que vocês imaginam, tornando-me conhecido a ponto de, em menos de dois anos, receber quase duzentos mil visitantes em minha página pessoal (que, aliás, está de cara nova; verifique, em <www.bpiropo.com.br>). Porque me lembrei disso justamente hoje? Bem, é que esta é a qüingentésima Trilha Zero. Meio milhar (se você fizer as contas e descobrir que deveriam ser 501, saiba que a Trilha Zero não foi publicada em 28/12/92, a única edição do caderninho que saiu sem ela). Um marco, meu amigo. Um marco notável de um caminho percorrido com imensa alegria. Um marco no qual nada me resta senão agradecer. Vocês, que têm me acompanhado nessa jornada, e Cora, hoje minha amiga Corinha, a quem devo esse pedaço tão especial de minha vida, aceitem um enorme, sincero e emocionado obrigado. B. Piropo |