Sítio do Piropo

B. Piropo

< Trilha Zero >
Volte de onde veio
19/06/2000

< Internet e Imprensas >


A Internet é nova, mas não tanto. Portanto já dá e sobra para que os profissionais da imprensa tenham um razoável conhecimento dela e uma idéia fiel de sua força e fraqueza, qualidades, defeitos e características principais. Na verdade, eu mesmo não consigo conceber um jornalista que se preze que não passe uma boa parte de seu tempo pendurado na Internet. Logo, é perfeitamente lícito supor que, nos dias de hoje, não haja profissional de comunicação que desconheça a rede e seus desvãos. No entanto basta ler os jornais para detectar (pelo menos) duas formas da imprensa abordar o tema. E se eu procurasse exemplos para ilustrar a questão, não encontraria melhores que dois artigos publicados aqui mesmo no Globo, por acaso ambos na edição de sexta-feira, dia nove deste mês.

O primeiro trata especificamente de crimes na Internet. É a coluna de Márcio Moreira Alves relatando o seminário promovido pela Firjan sobre o tema. Com seu impecável estilo Márcio descreve os principais tipos de atividades ilegais na rede, fala sobre os hackers, aborda a questão dos vírus e a precariedade da legislação brasileira sobre o assunto. Cita uma pesquisa da Módulo dando conta que uma dentre três empresas brasileiras sofreram algum tipo de invasão nos últimos dois anos e quase a metade delas nem ao menos se deu conta disso. Informa que, apesar das dificuldades de quantificar os danos, estima-se que uma em cada oito dessas empresas sofreram prejuízos superiores a um milhão de reais. Elucida que, ao contrário do que a maior parte das pessoas supõe, o número de ataques desferidos por empregados atuais ou recentemente despedidos é quase três vezes superior ao de ataques desfechados por hackers estranhos à empresa e espanta-se ao constatar que, apesar de tudo isso, a maior parte das corporações não implantou uma política de defesa. E fecha a coluna com um toque de humor desferindo uma estocada no Everardo Maciel ao criticar a Receita Federal pelo inexplicável vazamento de dados confidenciais dos contribuintes, anunciados nos jornais e postos à venda a quem se interessar pudesse. Esta forma de falar sobre a Internet é a de quem sabe do que está falando.

Mas há uma outra, a de quem ignora o que realmente é a Internet – ou, pior, explora a ignorância alheia sobre ela. Na página 38 da mesma edição pode-se encontrar o artigo "Assédio sexual atinge 20% dos jovens na Web". Pelo jeito, trata-se de tradução de material veiculado por agência de notícias, portanto o jornalista que o traduziu nada tem a ver com o tom do artigo, um excelente exemplo da "outra" maneira de discutir Internet.

O artigo afirma que um estudo de uma universidade americana concluiu que 20% dos jovens americanos com menos de 17 anos que freqüentam salas de bate-papo na Internet já receberam propostas para praticar sexo virtual com um estranho, que 68% dessas propostas foram feitas a meninas e que 48% delas partiram de outros menores de idade. Diz ainda, em tom preocupado, que 70% dos jovens estavam navegando em casa ao receber tais propostas – quando, a meu ver, deveria se preocupar com os 30% que não estavam. Recheado de porcentagens, que lhe concedem uma certa seriedade, e provindo de uma universidade americana, o artigo impressiona. Parece que a intenção é alertar os pais para a ameaça que a Internet representa para a virgindade (virtual, no caso, dada a natureza das propostas) de suas filhas.

Talvez represente mesmo. Mas, analisando com atenção, o que realmente o artigo afirma é que nas salas de bate-papo um entre cada cinco jovens, dois terços dos quais são meninas, receberam propostas para praticar sexo (no caso, virtual), metade das quais partiram de outros jovens. Pergunto: quantos, de cada cinco jovens, recebem propostas de outros jovens para fazer sexo (real, não virtual) fora da Internet (na rua, em barzinhos, clubes ou seja lá que lugares eles freqüentam para, em seu jargão, "azarar")? E, destes, quantos são meninas? Será que a proporção é muito diferente da determinada pela pesquisa?

Longe de mim advogar total permissividade ou liberação do sexo entre jovens, assunto grave que deve ser tratado com a devida seriedade, mas não neste canto de página. Aqui, estou apenas tentando entender o que a "Web", como diz o título do artigo, tem a ver com isso. Porque quem o escreveu parece achar que esse negócio de meninos convidarem meninas para fazer sexo é uma novidade que surgiu com a Internet, esquecendo-se talvez que a primeira destas propostas sobreveio logo após Eva morder a maçã.

Ora, pelamordedeus, tenham paciência! Já é hora de despir a Internet de seu manto de exotismo e encará-la com a devida seriedade. Afinal, trata-se de uma nova mídia que está alterando o perfil de nossa sociedade e merece ser tratada com mais respeito...

B. Piropo