< Trilha Zero >
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15/05/2000
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< O gênio da informática > |
O assunto do dia é o "ILOVEYOU". Aqui não falaremos dele, mas de seu autor – que, quando você estiver lendo esta coluna talvez já tenha sido identificado, mas no momento em que escrevo ainda não se sabe quem é. Eu tive a duvidosa honra de ser um dos primeiros a receber o vírus diretamente dos EUA. O meu veio de uma fonte insuspeita, um conhecido profissional da imprensa especializada. Não fossem meus hábitos pétreos de jamais abrir anexos não solicitados, minha máquina teria sido atingida. Não foi. Mas tive a oportunidade de inspecionar o código do vírus. Que é, realmente, engenhoso. Como igualmente talentosa foi a escolha do nome, explorando as fraquezas humanas: que mortal deixa de baixar a guarda diante de uma declaração de amor? Essas qualidades do vírus fazem com que algumas pessoas encarem o mequetrefe que o engendrou com admiração e respeito. Conheço quem pense assim, e trata-se de gente cuja opinião tenho em alta conta. Mas, no que toca ao biltre em questão, não poderíamos estar menos de acordo. Respeito, o calhorda não me inspira nenhum, muito pelo contrário. Admiração, menos ainda. Sinto por ele muita repulsa, um bocado de desprezo e alguma pena. A maior parte dos prejuízos foi causada a grandes corporações. Que, admito, não são instituições das mais simpáticas e dificilmente seriam alvo de sentimentos como piedade e compaixão, posto que seu caráter impessoal dilui qualquer tipo de comiseração. Porém, grande parte dos danos – alguns dos quais impossíveis de quantificar em dinheiro, como a perda do único exemplar da foto em JPG de um ente querido já falecido – foi causada a pessoas comuns. Gente que usa o micro como ferramenta de trabalho, como meio de subsistência. Gente que depende de seu computador para prover o sustento da família. Quanto prejuízo, quanta dor, quanta avaria foi infligida a pessoas assim? Quantos arquivos irrecuperáveis foram perdidos? Quanto sofrimento foi provocado? Mesmo aqueles que dão de ombros face aos danos sofridos por corporações haverão de ser tocados pela amargura causada a gente como essa. Que, se chegarem a 1% do total de máquinas afetadas, chegam a meio milhão de indivíduos como eu e você. Que tipo de demente é capaz de espalhar tanto sofrimento, causar tanto prejuízo, infligir tanta dor a quem nem ao menos conhece? Que sentimentos abriga seu coração nefando? O que se esconde em sua mente insana capaz de, consciente e deliberadamente, usar tanto engenho e arte para desenvolver um artefato cujo único objetivo é molestar, causar dano, amargura e incômodo a pessoas que jamais lhe fizeram mal? Que doentio rebotalho social é este que, das sombras de seu covil, destilando ódio e almejando apenas a aprovação de seus pares infames, segrega tanto mal contra a sociedade que o cerca? Sarah Gordon, uma especialista em segurança da informação, publicou um artigo sobre a personalidade e os valores éticos do desenvolvedor de vírus ("The generic virus writer", em <www.av.ibm.com/ScientificPapers/Gordon/GenericVi rusWriter.html>). No final, despe todo o caráter "romântico" da atividade ao comparar o desenvolvedor de vírus a um reles delinqüente juvenil. Citando o sociólogo Jack Katz, diz que a principal motivação para tais atos anti-sociais é a "sedução do crime". E afirma que este tipo de comportamento dificilmente será coibido apenas pelo medo das punições. Ao contrário, diz: "Existem maiores evidências de que o receio da desaprovação social e penas informais, críticas e reprimendas de pais e amigos podem efetivamente ser mais eficazes para deter este tipo de crime que punições legais". Em suma: a conclusão que se impõe é que, se este aleijão social existe, a culpa é nossa. E continuará existindo enquanto houver quem incense seu comportamento imbecilóide e encare esse tipo de doente mental como "gênio da informática" somente porque foi capaz de juntar meia dúzia de linhas de código para desenvolver um vírus. Ao invés disso, enfoquemos a imagem correta: trata-se de um pobre coitado imaturo e irresponsável digno apenas de desprezo e comiseração.
B. Piropo |