< Trilha Zero >
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08/05/2000
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< Privacidade > |
Semana passada um leitor – cujo nome me abstenho de citar em respeito à sua privacidade –recomendou-me a leitura do artigo de Jeffrey Rosen "The eroded self" na New York Times Magazine, disponível em <www.nytimes.com/library/magazine/home/20000430mag-internetprivacy.html>. Para acessá-lo é necessário cadastrar-se. O cadastro é gratuito, portanto nada o impede de fazê-lo. Exceto, é claro, o receio de comprometer sua privacidade fornecendo os dados solicitados. A preocupação com a invasão da privacidade propiciada pela Internet e pelo comércio eletrônico foi matéria de capa da edição de março da PC Computing e vem se tornando um tema recorrente na imprensa americana. No princípio eu a encarava como mais uma "paranóia de americano". Hoje, confesso, minha opinião mudou. As razões da mudança vinham se acumulando de forma um tanto difusa em minha mente. O artigo do Prof. Rosen ordenou-as. Nele é citado o caso da DoubleClick, uma empresa americana que colecionou durante anos informações sobre os hábitos de navegação na rede de milhões de usuários instalando "cookies" em seus discos rígidos (veja mais informações sobre cookies no excelente artigo do mestre C@T, "De olho grande em você", matéria de capa do caderninho de 13 de março último). O objetivo era conhecer os gostos dos usuários para personalizar a publicidade durante suas visitas a sítios de clientes da DoubleClick. Como, em princípio, as identidades eletrônicas não seriam ligadas aos nomes reais, tudo corria na santa paz. Pelo menos até a DoubleClick comprar a Abacus Direct, um imenso banco de dados sobre 90 milhões de consumidores americanos, com nomes, endereços e informações sobre suas compras (reais, no comércio varejista) e começar a correlacioná-lo com seus próprios dados, transformando informações anônimas em detalhadas fichas de consumo. Que poderiam permitir, por exemplo, constatar que na noite em que deveria estar fazendo serão, um certo cidadão comum comprou uma garrafa de champanhe e pagou as contas de um restaurante de luxo e do motel. Sem falar nas camisinhas, que os tempos assim o exigem. Assim que se deu conta do vívido interesse que dados deste jaez poderiam despertar tanto em seu patrão quanto em sua esposa, o supracitado cidadão comum criou tamanha alaúza que a DoubleClick suspendeu o trabalho e jurou somente prosseguir quando o Governo americano e as organizações privadas de comércio eletrônico fecharem acordo sobre uma política aceitável de preservação de privacidade. O que não somente ilustra o fato de que todo cidadão comum tem seus podres a esconder (com duas evidentes, nobres e honrosas exceções: eu mesmo, que não sou besta de admitir, e o marido da prezada leitora, que não estou aqui para dedurar ninguém), como também dá a medida exata do alcance e dos desdobramentos até agora insuspeitados das questões sobre privacidade em uma sociedade em que a tecnologia permite o acúmulo e o cruzamento de informações pessoais incrivelmente detalhadas em níveis até recentemente impossíveis. Se acha a preocupação exagerada, considere a advertência do Prof. Rosen sobre o perigo de confundir "informação" com "conhecimento". Quando uma informação sobre você trafega no círculo restrito de seus amigos, que têm conhecimento de seu caráter, pode ser confrontada com outros aspectos de sua personalidade e reduzida às suas devidas dimensões. Quando esta mesma informação é "pescada" ao acaso em um banco de dados e exposta fora de qualquer contexto a um público de estranhos, pode propiciar a formação de uma imagem totalmente distorcida. Baseada, por exemplo, no dado verídico que em uma dada ocasião você acessou um sítio sobre pedofilia. Não importa se aquela foi a única vez em que isso ocorreu, se o acesso se deu por engano e se você saiu dali horrorizado tão logo percebeu do que se tratava: sua pegada ficou marcada permanentemente por programas que não apenas registram cada passo que você dá na rede como também oferecem esta informação para o próximo servidor que você acessar. E pode ser incluída em um banco de dados sobre seus hábitos pessoais. Não é caso de passar noites insones, eu sei. Mas que o assunto deve ser encarado com seriedade, disso não tenho dúvidas. B. Piropo
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