< Trilha Zero >
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24/01/2000
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< Língua > |
Na semana anterior à sua publicação, enviei minha coluna de 10/01 para o Carlos Alberto Teixeira anexada a uma mensagem na qual solicitava o sacrifício de ler até o último parágrafo, onde era citado nominalmente. Fi-lo tentando evitar o risco de ser mal interpretado pois se ele se sentisse de alguma forma melindrado pela citação, teria oportunidade de me fazer ciente antes da publicação, que seria evitada. Recebi, na mesma semana, uma resposta elegantíssima, da qual cito textualmente o trecho: " Puxa, sacrifício nenhum... belíssima pesquisa. E a citação final só me enche de orgulho. Essa polêmica é bem legal". Por isso mantive o comentário. Ao ler a coluna do CAT da semana passada, também antecipadamente, constatei que, embora inadvertidamente, eu havia ferido os sentimentos de um amigo. Quando, em uma conversa fraternal que varou madrugada, lhe perguntei porque não me tinha feito ciente disto a tempo de evitar a publicação, ele me fez ver que considerava interferir no que eu escrevo uma impertinência que seria incapaz de cometer. Só me resta, então, vir de público me desculpar pela grosseria, ainda que involuntária, e reiterar que considero o CAT um dos profissionais mais competentes do jornalismo especializado. Afirmando que, embora não concorde, reconheço e respeito seu direito de usar os termos e neologismos que melhor lhe aprouverem para transmitir sua idéias, coisa que sabe fazer com maestria. E reitero a parte inicial do comentário que gerou tudo isso: "Se tem um cara que eu respeito e admiro é Mestre Carlos Alberto Teixeira, o CAT aqui do caderninho". Mas como não pretendo voltar ao assunto, creio valer a pena esclarecer pela última vez as razões pelas quais sempre procuro usar palavras que me parecem mais apropriadas. Venho há mais de meio século lidando com esta língua admirável. Comecei a saboreá-la ainda criança nos textos de Monteiro Lobato e da Sra. Leandro Dupré (alguém lembra?), passei por Eça, pelo velho Machado e por um mundo de outros até chegar aos grandes Jorge Amado e João Ubaldo. Sem esquecer de Caetano, Chico e Gil – este, uma das poucas pessoas que se exprime coloquialmente usando o idioma culto. Através dos textos admiráveis destes mestres aprendi a gostar da língua. Por isso creio ser meu dever defendê-la. Talvez seja exagero, quem sabe, mas mesmo reconhecendo a inevitabilidade de sua evolução, acho que esta defesa inclui abster-me de incorporar a ela termos supérfluos, desnecessários, para exprimir uma idéia para a qual há um equivalente exato. E evito usá-los. Evito não apenas por não gostar deles mas por estar imbuído da responsabilidade de quem escreve em um jornal lido por centenas de milhares de pessoas. E que, voluntária ou involuntariamente, acaba tornando-se uma referência e correndo o risco de ser tomado como modelo. Abraçar neologismos disseminados por aqueles que admiramos é uma tendência natural. Eu não sei quem "inventou" a palavra "micreiro". Mas sei que a primeira vez que a li foi na coluna "Circuito Integrado" do JB, ainda nos anos 80. Gostei, achei que ilustrava muito bem a idéia que procurava exprimir e, como sempre admirei o texto da então signatária da coluna, adotei-a e a uso correntemente desde então. Mas não me ocorreu que o mesmo poderia acontecer comigo. Pois bem: há alguns anos, para não incluir duas vezes no mesmo parágrafo o verbo "encaixar", escrevi que uma determinada placa poderia ser "espetada" em um slot. Jamais havia visto o termo usado nesta acepção, mas achei-o "engraçadinho" e passei a adotá-lo de quando em vez. Até começar a encontrá-lo em textos alheios, alguns de muito boa qualidade como o excelente artigo sobre USB de Denise Goya e Sheila Zabeu na PC World de janeiro. A revista (aliás, ótima) está nas bancas e o "espetar" está logo no primeiro parágrafo do artigo, é só conferir. Ao constatar que até um borra-botas como eu corre o risco de ser imitado apenas por ter acesso a um poderoso veículo de comunicação, passei a tomar mais cuidado com o que escrevo. Repito: reconheço humildemente que essa é apenas a minha opinião, que pode perfeitamente estar errada já que não sou o dono da verdade. Acho que pessoas que pensam de forma diversa devem ter argumentos que, para elas, são tão sólidos quanto os meus parecem a mim e que, por isso, têm todo o direito de agir de maneira diferente. Mas estou convencido que o fato de me deixarem escrever estas bobagens neste canto de página implica responsabilidades. E acho que evitar disseminar neologismos supérfluos faz parte delas. Eu sei que defender uma língua em que "calça" é uma coisa que se bota enquanto "bota" é uma coisa que se calça é tarefa hercúlea que demanda denodo e empenho, da qual dificilmente estarei à altura. Mas fazer o que? Gosto dela... B. Piropo |