Sítio do Piropo B. Piropo |
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10/07/2000
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A
Arquitetura
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No dia 22 de junho passado a Microsoft convocou quinhentos
jornalistas da imprensa especializada internacional para o Fórum
2000 em seu campus de Redmond, EUA. Onde, com a devida pompa e
circunstância, anunciou sua nova visão do mundo para a primeira
década do novo milênio. E quando um gigante do porte da MS alevanta
sua voz para anunciar uma nova visão do mundo, convém que o mundo
preste atenção. A nova visão está centrada naquilo que a própria MS batizou
de “Plataforma .NET” e explorará de forma inimaginável a conjugação
da informática com as telecomunicações, usufruindo até o último
bit de suas potencialidades. Aos que esperavam o anúncio de lançamentos
sensacionais, o evento há de ter decepcionado. É verdade que foram
mostrados protótipos de alguns novos produtos e exibidos vídeos
sobre um mundo futuro em que a informação permeia desde os trabalhos
escolares de adolescentes até o desenvolvimento de projetos industriais.
Mas o pano de fundo do evento foi mesmo o desvendar de uma nova
estratégia da MS destinada a revolucionar sua relação com os usuários. Bill Gates abriu o Fórum 2000 com uma curiosa análise da
indústria da informática. Lembrou os tempos do “time sharing”,
onde terminais burros acessavam informações centralizadas em máquinas
de grande porte. Discorreu sobre a evolução do computador pessoal
e da interface gráfica, que democratizou o PC e o transformou
em um produto corriqueiro, alterando a maneira da sociedade fazer
negócios e usufruir lazer. Depois, mostrou como a Internet criou
novas formas de comércio e entretenimento. E, finalmente, acenou
com uma volta às origens: segundo ele o modelo atual, que centraliza
a informação em bancos de dados armazenados em poderosos servidores
da rede de cuja capacidade de processamento depende a maior parte
das operações, difere pouco do vigente quando os terminais burros
acessavam e consultavam dados com meios limitados para analisar
e manipular informações. Diz Gates que a plataforma .NET vem para
mudar isso. Mas, afinal, o que é essa tal “plataforma .NET”? Segundo a concepção da MS trata-se de uma nova geração de
software que conjuga computação e comunicação de uma forma revolucionária,
utilizando-se de novos dispositivos de hardware e de meios inovadores
de utilizar e distribuir programas. Ela permitirá a prestação
de serviços distribuídos que se integrarão de forma transparente,
permitindo acessar qualquer elemento de informação a qualquer
momento, em qualquer lugar e através de qualquer dispositivo.
A informação não mais ficará centralizada em servidores isolados,
mas distribuída em constelações de computadores, dispositivos
e serviços interconectados através da Internet, que colaborarão
entre si e permitirão que os usuários controlem como, quando e
que elementos lhes serão fornecidos. A arquitetura .NET não é
apenas um projeto da próxima geração da Internet: é uma nova forma
de administrar, manipular, acessar e compartilhar informações. Para implementá-la a MS depende de tantos recursos que não
poderia levar o projeto adiante sozinha. Portanto não é de surpreender
que a apresentação do Fórum 2000 tenha sido pontilhada por vídeos
onde alguns peso pesados da indústria manifestavam sua adesão,
dentre os quais Compaq, Dell e, para surpresa de muitos, Loudcloud,
a nova empresa de Marc Andreseen – aquele mesmo que recentemente
classificou Gates como “a besta de Redmond”. E, para evidenciar
que a abrangência da coisa vai muito além da indústria da informática,
aderiram ainda empresas como a Sony, Andersen Consulting e Commerce
One. É claro que nem todo mundo apoiou. A Sun, por exemplo, com
seu Java, não passou nem na porta. E um projeto tão ambicioso
não pode ser implementado sem um sólido conjunto de padrões e
protocolos regulando as interações entre serviços e dispositivos.
Portanto não deve causar admiração que, contrariando seus hábitos,
a MS tenha abraçado tão entusiasticamente um padrão aberto, o
XML (eXtensible Markup Language), a ponto de basear nele toda
a plataforma .NET. Desenvolvido pela W3C (World Wide Web Consortium),
um consórcio de instituições responsável pelo estabelecimento
de padrões adotados pelos navegadores, o XML é um padrão não proprietário
que permite encapsular dados e transmiti-los independentemente
do dispositivo ou programa em que serão exibidos, algo fundamental
em uma plataforma que se estenderá desde os monitores de altíssima
resolução dos computadores de última geração até as míseras telas
de cristal líquido dos pagers e celulares (que, diga-se de passagem,
desempenharão um papel fundamental na arquitetura .NET). Quando implementada, plataforma .NET vai permitir que os
aplicativos que rodam atualmente em nossos computadores pessoais
estendam sua ação ao mundo exterior através da Internet. Haverá
então um “espaço de trabalho universal” (“universal canvas”, segundo
a MS) onde os programas, os documentos por eles criados e os navegadores
e dispositivos de busca e consulta se integrarão em um único e
sólido ambiente criado através de uma arquitetura baseada no padrão
XML que permitirá aos usuários, interativamente, criar, consultar,
editar, analisar e incluir anotações em qualquer elemento de informação. Dita assim, a coisa fica um tanto fluida e abstrata. Mas,
em se tratando de uma estratégia e não de produtos, ela é efetivamente
fluida e abstrata. E como a idéia ainda está em seus estágios
iniciais, a própria MS deixou muita coisa no ar. Na prática, analisando
as informações fornecidas no evento e tentando fazer um breve
exercício de futurologia, a evolução da arquitetura Microsoft.NET
pode ser resumida mais ou menos no seguinte: No próximo ano a MS lançará seu Windows.NET 1.0. Será a primeira
versão de um novo sistema operacional que oferecerá suporte para
diferentes meios digitais e terá uma fortíssima ênfase na interação
e colaboração entre usuários, serviços e dispositivos. Também no próximo ano a MSN se transformará em MSN.NET (atualmente
já em versão beta), combinando os serviços e conteúdo que oferece
atualmente com a nova plataforma .NET e permitindo aos usuários
criar uma “personalidade digital” que irá oferecer a possibilidade
de acessar informações, serviços e pessoas (através de suas “personalidades
digitais”) onde quer que estejam e em qualquer dispositivo. Em seguida, em um futuro próximo, a MS passará a oferecer
um variado conjunto de serviços que serão obtidos por subscrição,
ou seja, serão pagos de acordo com o uso que se fizer deles. Estes
serviços serão inicialmente produtos existentes, como jogos e
aplicativos, mas aumentarão seu raio de ação o mais rapidamente
possível. Dentre eles destacam-se os oferecidos através do portal
bCentral, voltado para pequenas empresas. Depois, o próprio pacote de aplicativos Office evoluirá para
o Office.NET, um produto que combinará transferência, consulta,
criação e edição de documentos em um só ambiente, o “espaço de
trabalho universal”, unificando a forma pela qual os usuários
interagirão com a informação. Também estes aplicativos serão oferecidos
na base da subscrição, o que implica uma radical transformação
na forma pela qual a MS comercializa seus produtos. Em outras
palavras: quando o Office.NET estiver inteiramente implementado,
a MS não mais venderá uma licença do Office, mas simplesmente
cobrará pelo uso de seus aplicativos – que não mais serão instalados
na máquina do usuário, configurando um modelo em tudo semelhante
aos ASP (Application Service Providers), que foi discutido na
Trilha Zero de 12 de junho passado. Quando o sistema estiver totalmente
implementado a MS não mais oferecerá licenças de seus programas,
passando a vender apenas serviços. Essa, talvez, seja a mudança mais radical embutida na estratégia
ponto-net. Durante a entrevista coletiva, Bill Gates jurou que
nada disso tinha a ver com o processo movido contra a MS pelo
Departamento de Justiça americano. Pode ser que não tenha, mesmo. Mas que vem a calhar, não
resta a menor dúvida...
B. Piropo |