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B. Piropo

O Globo
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22/02/1999

A Intel anuncia o lançamento mundial da linha Pentium IIIl

Um lançamento barulhento

No último dia 17, em plena quarta-feira de cinzas, a Intel reuniu mais de trezentos jornalistas de todo o mundo para assistir Craig Barret, seu Presidente e CEO, decantar as virtudes do novo Pentium III na abertura de uma campanha de lançamento com custo estimado de 300 milhões de dólares, a maior jamais promovida pela empresa. Em seguida os jornalistas atravessaram a "porta azul", símbolo da campanha, e entraram em um recinto onde cerca de duzentas empresas de hardware e software exibiam versões novas em folha de seus produtos já desenvolvidos para o novo chip. Se a Intel pretendia dar uma demonstração de força no mercado de microprocessadores, indubitavelmente conseguiu.

O nome Pentium III foi usado para batizar os chips até então conhecidos pelos codinomes de Katmai e Tanner. O primeiro, que na próxima sexta-feira 26 estará disponível mundialmente nas versões de 450 e 500 MHz e que foi batizado simplesmente de "Pentium III", é bastante semelhante ao Pentium II. Além da maior freqüência de operação, as diferenças principais são um conjunto de novas instruções e um discutível número de série digital que pode ser acessado por software. O segundo, que recebeu a designação de "Pentium III Xeon", será um chip para servidores de rede de alto desempenho. Somente estará disponível em meados de março nas versões de 450, 500 e 550 MHz, juntamente com a versão de 550 MHz do Pentium III. Ao batizar assim a sétima geração de seus microprocessadores a Intel mostra que aderiu definitivamente à marca "Pentium", aproveitando o conceito positivo que ela desfruta no mercado.

No que diz respeito ao desempenho, a inovação mais importante do Pentium III é o conjunto de instruções SIMD. Como elas são voltadas para gráficos e áudio, rodando aplicações convencionais não se deve esperar grandes avanços em relação ao Pentium II, que até então ocupava o honroso posto de topo da linha de microprocessadores da Intel. Mesmo porque trata-se basicamente do mesmo chip e o incremento da freqüência de operação por enquanto é pequeno (de 450 MHz para 500 MHz).

Porque então fazer tanto barulho com uma campanha de tamanha envergadura para lançar um chip que, afinal, não é muito diferente do antecessor? O alvo parece ser o novo K6-3 da AMD, cujo lançamento é esperado para qualquer momento. A verdade é que a liderança da Intel no mercado de microprocessadores nunca esteve tão ameaçada. Pela primeira vez na história recente seus chips de topo de linha disputam o mercado com um concorrente que apresenta não apenas as vantagens de um custo menor como também, em certas aplicações, um desempenho equivalente ou superior - o AMD K6-2. Não foi por outra a razão que Intel incorporou um cache "L2" ao seu processador Celeron, cujo lançamento visou recuperar a fatia do mercado de computadores de baixo custo que estava sendo engolida pela AMD e Cyrix. Da mesma forma que as novas instruções SIMD incorporadas ao Pentium III são uma resposta á tecnologia 3DNow da AMD. Com o P III a Intel espera recuperar a liderança tecnológica dos processadores para desktops da linha PC.

Já no que toca aos processadores de altíssimo desempenho para a linha PC a história é outra. Neste campo, o Pentium III Xeon será imbatível. Inicialmente disponível em 450, 500 e 550 MHz usando o conector de 330 contatos ("Slot 2), com cache L2 de 512K, 1Mb ou 2Mb operando na mesma freqüência que o processador e incorporando as "Streaming SIMD Extensions" do P III, será capaz de continuar garantindo a indiscutível soberania da Intel em um nicho do mercado no qual ela ainda não encontrou concorrente a altura.

As novas instruções

Inicialmente conhecidas como KNI, ou "novas instruções Katmai" e já batizadas oficialmente de "Streaming SIMD Extensions", o conjunto de instruções incorporado ao Pentium III visa melhorar desempenho de áudio e vídeo, a alma dos jogos tridimensionais, onde ultimamente reinava soberano o AMD K6 e seu conjunto de instruções 3DNow. São um conjunto de 70 instruções capazes de agir simultaneamente sobre um grande número de dados (processamento de vetores numéricos em ponto flutuante) através de uma técnica denominada SIMD (Single Instruction, Multiple Data). Como estas operações são usadas predominantemente em jogos tridimensionais e programas gráficos, sua execução simultânea representa um enorme ganho de desempenho nesse tipo de aplicativos. Além disso, as novas instruções são capazes de acelerar a codificação e decodificação de arquivos MPEG2 e melhorar acentuadamente o desempenho de utilitários de reconhecimento de voz. Evidentemente somente usufruirão das vantagens das novas instruções os programas que forem desenvolvidos ou recompilados para usá-las - por isso a ênfase dada pela Intel aos mais de duzentos nomes da indústria de hardware e software que demonstravam produtos já rodando nos novos P III. Um conjunto que incluía nomes de peso como Adobe, Micrografx, IBM e a própria Microsoft. Além de empresas brasileiras como a Jack In The Box, com seu jogo de estratégia denominado Aquarius, a Perceptum, com uma nova versão de seu "Incidente em Varginha", a Byte & Brothers, com um programa educativo para o ensino de idiomas e a Paradigma, a mesma do "Presente de Gregg", que exibia uma interessantíssima versão interativa da peça infantil "Pluft, o Fantasminha".

O controverso número de série

A partir do Pentium III, a Intel decidiu incorporar um número de série digital a cada processador. Em resposta, representantes das organizações dedicadas á defesa da privacidade Electronic Privacy Information Center e Privacy International, além do grupo anti-spam Junkbusters, solicitaram a Federal Trade Comission americana que recolha os processadores Pentium III já distribuídos à indústria e recomendaram aos consumidores um boicote à Intel e aos fabricantes que adotarem os chips com número de série eletrônico até que a Intel desista de incluir número de série em seus futuros microprocessadores.

A Intel alega que trata-se apenas de uma medida visando permitir às corporações controlar melhor suas máquinas em rede e aumentar a segurança do comércio eletrônico e garante que não pretende vincular o número do chip ao nome e endereço dos compradores. Mas não convenceu aos defensores da privacidade que, parodiando o slogan "Intel Inside", batizaram a iniciativa de "Big Brother Inside" e declararam que consideram um mercado dominado por processadores com número de série digital contrário ao interesse público.

Reagindo à ameaça de boicote a Intel decidiu "recomendar enfaticamente" aos fabricantes que forneçam máquinas com o número de identificação desabilitado por padrão. E fornecerá um aplicativo que permitirá ao próprio usuário habilitá-lo ou desabilitá-lo. Mas durante a entrevista coletiva Mike Aydar, o Vice Presidente de Lançamento de Produtos da Intel, deixou claro que a Intel não pretende remover a função de seus chips e a decisão de mantê-lo ou não habilitado ficará por conta do usuário. Em suas próprias palavras: "é como decidir se é ou não seguro fornecer o número de seu cartão de crédito quando se faz uma compra por telefone". O problema é que nada impede às softhouses incluir em seus programas (como navegadores) rotinas capazes de habilitar e ler o número de série da CPU sem o conhecimento do usuário. Mesmo porque o nível de proteção oferecido pelo utilitário fornecido pela Intel é ridículo (trata-se de um programa cuja chamada será incluída no Registro de Windows 98 e que desabilitará o número toda a vez que a máquina for inicializada).

A inclusão do número de série digital pode ser uma poderosa arma contra a pirataria: para impedir que um programa seja instalado em mais de uma máquina basta vincular seu número de licença ao número de série do microprocessador. Se o uso do número de série digital se tornar prática corrente, seria possível liquidar com a pirataria desenvolvendo e distribuindo programas que só funcionam depois de vinculados à CPU. Por isso comenta-se que a inclusão do número de registro no chip foi resultado de pressão da indústria do software. Se é verdade, o assunto ainda vai dar muito pano para mangas. Por outro lado, especula-se que a idéia pode ter sido apenas um golpe de marketing da Intel, produzindo chips "seguros" que concorreriam com os processadores comuns dos concorrentes. Porém os especialistas em segurança levantam sérias restrições à eficácia da medida.

A verdade é que ao invés de aumentar a segurança a iniciativa pode produzir justamente o efeito oposto. Os servidores de redes corporativas, em geral entregues aos cuidados de profissionais, de uma forma ou de outra são dotados de alguma proteção. Porém os sistemas mais vulneráveis a ataques de hackers são as quase sempre desprotegidas máquinas de usuários domésticos que acessam a Internet. E não será difícil para um hacker usando um programa tipo "Cavalo de Tróia", como o Back Orifice ou NetBus, acessar sítios de comércio eletrônico através da máquina de um usuário incauto, usando seu número de identificação sem seu conhecimento. Além disso, nada impede a um hacker habilidoso fazer com que sua máquina assuma a identidade de outra.

Evidentemente os técnicos da Intel estão cientes destas debilidades. E se a inclusão do número de série foi um golpe de marketing, a iniciativa tem tudo para redundar em um tiro pela culatra.

A tecnologia de fabricação

Os primeiros Pentium III serão fabricados com a tecnologia de 0,25 mícron, mas ainda no terceiro trimestre deste ano a Intel passará a fabricá-los com a tecnologia de 0,18 mícron. A medida exprime a espessura da camada de silício na qual os componentes internos do microprocessador são gravados. Reduzi-la diminui a resistência interna à passagem da corrente elétrica, permitindo baixar a tensão de alimentação do núcleo ("core") do chip de 1,8 V para 1,5 V nos processadores para uso em desktops e para 1,1 V nos destinados a notebooks. O resultado será uma redução do consumo de potência, que se refletirá imediatamente em um aumento da duração da carga das baterias para os notebooks e a curto prazo na possibilidade de atingir maiores freqüências de operação para os desktops, pois o maior obstáculo ao aumento da freqüência de operação dos processadores é a elevação da temperatura interna devida à dissipação de calor causada pelo consumo da potência. Como ela depende da tensão de alimentação e da freqüência de operação, a única maneira viável de aumentar a freqüência mantendo temperaturas internas aceitáveis é reduzir a tensão, o que se torna possível com a redução da espessura da camada de silício. Com a tecnologia de 0,18 mícron a Intel espera que o Pentium III alcance freqüências de operação de 800 MHz até o próximo ano. Na verdade, ela deverá testar um processador de 1 GHz rodando em caráter experimentar antes do final deste ano.

Outro ponto importante relativo à tecnologia de fabricação é o tipo de conexões internas, responsável por 50% dos custos de fabricação de um microprocessador. Enquanto a Motorola pretende adotar a curto prazo contatos de cobre, mais eficientes que os de alumínio por apresentar uma resistividade 40% menor, a Intel, mesmo reconhecendo as vantagens desta nova tecnologia, não a considera suficientemente madura para ser usada imediatamente e pretende continuar com os contatos de alumínio, uma tecnologia na qual tem grande experiência e que considera suficiente para manter uma conexão com desempenho suficiente para seus novos chips de 0,18 mícron. Embora ciente que terá que migrar para o cobre, a Intel está adiando a mudança e os elevados investimentos em equipamento que ela obrigará. Segundo Mike Aydar, ela somente será feita quando a Intel adotar a tecnologia de 0,13 mícron.

Um "Camino" para o futuro

A grande barreira para o aumento do desempenho dos microcomputadores atualmente não é a freqüência de operação da CPU, mas o barramento. O gargalo não está na rapidez com que os dados são processados, mas naquela com que são transportados entre disco rígido e memória RAM e entre esta e a CPU. Logo, aumentar a freqüência do barramento teria um efeito muito mais dramático sobre o desempenho global da máquina que o mesmo aumento na freqüência da CPU. Mas por enquanto o novo Pentium III continua usando o mesmo barramento de 100 MHz, os mesmos 512K de cache L2 operando na metade da freqüência do processador e o mesmo conector de 242 contatos ("Slot 1") de seu antecessor. Uma vantagem para os donos de placas-mãe com chipset BX, que poderão simplesmente substituir seus Pentium II atuais pelos novos P III. Pelo menos até que a Intel lance o novo chipset "Camino", esperado para o segundo semestre de 99, que suportará um barramento de 133 MHz e memórias de alto desempenho Direct Rambus. Aí sim o Pentium III poderá mostrar a que veio.

Overclocking, nunca mais.

Embora não admitindo abertamente (durante a entrevista coletiva Mike Aydar e sua equipe tentaram escapar do tema tanto quanto possível, respondendo as perguntas sobre o assunto sempre de forma evasiva), tudo indica que a partir do Pentium III a Intel afinal cumpriu a velha promessa de impedir definitivamente o "overclocking" (artifício através do qual se faz uma CPU funcionar com freqüência superior à nominal) incorporando em seus novos chips um circuito que verifica não apenas a freqüência de operação do processador como também do barramento. Se algum deles exceder o valor nominal, o processador simplesmente se recusa a operar.

 

B.Piropo