Sítio do Piropo

B. Piropo

< O Globo >
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10/06/2002

< O Terahertz Transistor >


O primeiro PC da IBM, lançado em agosto de 1981, era uma máquina tão formidável que mudou a sociedade em que vivemos. Uma de suas características mais impressionantes era a rapidez: a freqüência de operação de seu microprocessador, o 8088 da Intel, beirava os 5 MHz. Ou seja: aquela maravilha da tecnologia era feita de transistores capazes de executar quase cinco milhões de ciclos (ou operações elementares) em cada segundo.Há duas semanas, no Intel Developers Forum em Munique, um dos tópicos de discussão era o “terahertz transistor”, cujo lançamento está previsto para breve e cuja freqüência de operação será da ordem do Terahertz (THz), ou um trilhão de ciclos por segundo. Uma CPU um milhão de vezes mais rápida que a do PC original. Como a Intel realizará essa proeza?

Bem, levando-se em conta que a freqüência de operação de um microprocessador é regulada por um cristal e, usando-se a tecnologia apropriada, pode-se fazer um cristal oscilar em qualquer freqüência desejada, em princípio, para fazer um microprocessador operar com freqüências da ordem de THz, basta ajustar seu cristal para vibrar nessa freqüência. O problema é que quanto maior a freqüência, maior a potência dissipada. O que, na prática, se manifesta sob a forma de calor.

E não é calor pouco. Quem, como eu, teve um PC nos anos oitenta, há de lembrar que, apoiando o dedo sobre sua CPU, perceberia que ela morna. Já nos tempos do 486, cuja freqüência de operação andava pela casa dos cem MHz, se fizesse o mesmo queimaria o dedo: era como se tocasse um prato muito quente. Foi necessário, então, usar dissipadores de calor passivos. Na era Pentium, cuja freqüência de operação começou nas centenas de MHz e hoje já ultrapassou a barreira do GHz (Gigahertz, ou bilhões de ciclos por segundo), é imprescindível usar dissipadores de calor ativos com poderosas ventoinhas, do contrário corre-se o risco de, literalmente, derreter o chip. De acordo com um estudo da própria Intel, caso fosse mantido o ritmo de crescimento da freqüência de operação dos microprocessadores e a tecnologia de fabricação atual, ainda nessa década a temperatura da superfície de um microprocessador seria semelhante à de um reator nuclear, no final da década se aproximaria da do nariz de um foguete ao reingressar na atmosfera e no início da próxima década seria similar à da superfície do sol. Logo, para aumentar a freqüência até a casa dos Terahertz, é essencial mudar a tecnologia visando reduzir a dissipação de calor.

Um transistor usado nos circuitos digitais dos microprocessadores funciona como “chaveador”, ou seja, um interruptor eletricamente controlado. Ele tem três componentes básicos: uma porta (gate), que controla a corrente, uma fonte de elétrons (source) e um elemento que recebe elétrons, ou dreno (drain). Aplicar uma tensão elétrica na porta faz fluir uma corrente entre fonte e dreno. Eliminar a tensão bloqueia a corrente. Tanto a fonte quanto o dreno são criados a partir de impurezas cuidadosamente agregadas a uma superfície de silício. A porta é constituída de um material condutor, o polissilício. Separando-a da superfície de silício onde são formados por deposição de impurezas a fonte e o dreno, há uma finíssima camada de material isolante, ou “dielétrico”, o óxido de silício. O problema é que tudo isso é muito pequeno. Tão pequeno que em um Pentium 4, cuja superfície ativa é mais o menos do tamanho de uma unha, há mais de quarenta milhões desses transistores.

Para romper a barreira to THz será preciso resolver três problemas: reduzir a fuga de corrente entre a porta e o conjunto formado por fonte e dreno, impedir a formação de uma corrente entre a base de silício e os componentes ativos (fonte e dreno) e reduzir a resistência oposta tanto pela fonte quanto pelo dreno à passagem da corrente.

O primeiro problema será solucionado com a mudança do dielétrico: em vez de óxido de silício a Intel vai apelar para o “High K dielectric”, um isolante com base no óxido de zircônio, cujo poder de isolamento é dez mil vezes superior. O difícil é aplicá-lo sobre a superfície nas espessuras desejadas: será usada a tecnologia de deposição atômica, combinando cloreto de zircônio e vapor d’água diretamente sobre a superfície de silício.

O terceiro problema, a redução da resistência tanto da fonte quanto do dreno, é especialmente importante porque uma resistência menor permite usar uma tensão mais reduzida, e o valor da tensão é um dos principais responsáveis pela dissipação de calor. A dificuldade foi contornada de uma maneira relativamente simples: aumentando a espessura da fonte e do dreno (da mesma forma que a água flui mais facilmente em um cano mais grosso, os elétrons movem-se com menor resistência em um condutor mais espesso). Isso foi conseguido elevando a camada de material com impurezas para acima da camada de silício (“raised source-drains”) e, ao mesmo tempo, “afundando-a” um pouco mais no substrato de silício. Essa tecnologia, conhecida por DST (Depleted Substrate Transistor), reduz em 30% a resistência da passagem de corrente entre fonte e dreno, permitindo uma substancial redução da tensão de operação do microprocessador.

Finalmente, a fuga de corrente entre componentes ativos e substrato será resolvida através de uma tecnologia denominada SOI (Silicon On Insulator), que consiste em inserir uma camada de material isolante (o próprio óxido de silício, cuja resistividade é adequada para esse fim) entre o substrato de silício e o conjunto formado por fonte e dreno (veja artigo de Alan Ogden em <www.deviantpc.com/articles/SOI/index.shtml>).

Isoladamente, todas as três tecnologias já foram testadas com sucesso. No entanto teremos que esperar ainda alguns anos para que elas possam se juntar em uma mesma pastilha de silício e os problemas de sua fabricação em grande escala sejam resolvidos. Não obstante, a Intel garante que já na segunda metade desta década a freqüência de operação do microprocessador de nossas máquinas seja medida em THz.

Se tudo isso lhe pareceu complicado, guarde apenas um fato, talvez tão espantoso quanto relevante: em pouco mais de vinte anos os computadores tornaram-se um milhão de vezes mais rápidos. Já se o assunto despertou seu interesse e você está ávido por mais detalhes, corra para visitar a página <www.intel.com/research/silicon/index.htm> do sítio da Intel. O título é “Silicon Showcase” e o mote, “Quebrando as barreiras da Lei de Moore”, dá uma boa indicação do que você vai encontrar por lá. Saboreie.

B. Piropo